Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 9
Capítulo 9




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Caia uma chuva fria quando avistaram as muralhas de Olmak. Foram três dias de viagem, na qual fizeram uma breve parada na aldeia, agora batizada de Faizel. Viram os aldeãos felizes com a mudança, mas indiferentes a eles.

Enquanto se aproximavam do alto portão, eram seguidos pelas pessoas que moravam fora da muralha, tais como os nômades e membros de caravanas. Eles vinham pulando, acenando e gritando pela atenção do príncipe e da princesa.

Uma trombeta alta e forte soou do alto da muralha e os portões foram abertos. Assim que o atravessaram, chuva de grãos e pétalas caíram sobre eles lançadas pelos cidadãos felizes pelo regresso. Era uma antiga tradição de boas-vindas voltadas somente à família real e ao exército.

Quando adentraram no pátio do palácio, Tamujin passou as rédeas de seu cavalo a um cavalariço e subiu os degraus de mármore sem esperar a irmã. Muna deu um breve suspiro e sorriu ao ver novamente seu amado lar. As paredes marrons com arabesco, as torres e os jardins, chafariz estavam todos ali, intactos.

Olhou por sobre ombro e viu os soldados soltando a carga de ouro e joias dos cavalos, Muna os instruiu para que fossem levados para dentro e se juntou ao irmão.

Atravessaram salas decoradas, arcos com detalhes em arabesco e tapetes com fios de ouro. Pinturas de antigos soberanos e seres imaginários enfeitavam as paredes; estatuas e esculturas protegiam os longos corredores e galerias.

 Assim que passavam, eram referenciados por criados felizes por tê-los de volta.

Em frente a porta dupla da sala do trono, Muna levou a mão sobre seu ferimento no ombro e desejou naquele momento poder trocar de roupa, ao menos ficar limpa e apresentável a seu pai.

Mas o protocolo exigia que fossem se apresentar imediatamente ao rei.

As portas foram abertas e cortesões os anunciaram: Príncipe Tamujin Saihin e Princesa Muna Saihin.

Havia um longo tapete vermelho esticado da porta até os tronos do rei e da rainha. Diante deles, os dois se ajoelharam com a mão em punho sobre o peito e disseram em uníssono:

— Meu rei. Minha rainha.

O rei, Faizel Saihin, era um homem baixo, de ombros largos e um característico bigode pontudo. Usava seu uniforme vermelho favorito com um manto laranja preso por broches.

— Vocês cresceram — constatou o rei, sorrindo. — Creio que tenham muitas coisas pra me contar.

— Vai precisar de um dia inteiro pra ouvir! — respondeu Tamujin.

O rei jogou a cabeça para trás e riu.

— Estou ansioso pra ouvir! — Ele levantou-se do trono e estendeu os braços para os filhos. — Venham. Venham.

Puseram-se de pé e cada um deu um abraçou apertado no pai. A rainha levantou-se de seu trono e abraçou fortemente o filho mais novo.

— Aí meu Tamujin, querido! — Ela segurou seu rosto com ambas as mãos e beijou as duas bochechas. — Senti tanta sua falta!

Quando o príncipe se viu livre da mãe, deu um sorriso amarelo para a irmã. Muna não fora abraçada pela rainha, tampouco recebeu algum comentário, ela apenas lhe estendeu mão e a princesa beijou.

A rainha era uma mulher magra, de frios olhos cinza, lábios franzidos e um denso cabelo preto ricamente enfeitado. Era a típica imagem de uma rainha: fria, indiferente e distante.

O rei voltou a se sentar em seu trono.

— Vão e descanse. — Fez um gesto com a mão, dispensando-os. —  Não vou querer vê-los cansados no jantar, e nem seus irmãos.

Ambos aquiesceram, mas antes que saíssem, a rainha segurou a mão de Tamujin e com a outra afagou seu rosto.

— Estou tão orgulhosa de você, meu menino! Quero ouvir todos seus feitos.

Ele aquiesceu com um sorriso amarelo. Muna perguntava-se como a rainha reagiria ao saber que quem conquistara o djinn fora ela e não seu amado filho.

Assim que saíram da sala do trono e a porta foram fechadas atrás deles, Muna segurou a mão de Tamujin.

— Vai ficar tudo bem. — Disse a ele.

—Você tem um djinn e eu, o ouro.

— Repartimos do melhor jeito, não acha? Você nunca se importou com o djinn mesmo.

Ele nada disse, desvencilhou da mão dela e saiu pelos corredores. Muna suspirou e seguiu seu caminho até que foi surpreendida.

— Você voltou! — uma mulher exclamou, abraçando Muna apertado. — Pelos deuses, sentir tanta sua falta! O palácio não é o mesmo sem você.

Muna sorriu. Nida era o nome da mulher que lhe abraçava. Inicialmente apenas uma filha de uma criada, mas agora era melhor amiga da princesa e dama de companhia. Na época não fizera o menor sentido ao rei, mas Muna pediu que promovesse Nida para ser sua dama de companhia. Sua intenção com isso era deixar de ver a amiga dormir na ala dos criados para que passasse a ter um quarto próximo ao seu.

— Como foi? — perguntou ela, animada.

— Foi uma experiência interessante. — disse breve. Estava cansada.

— Só isso? —Ela pôs os braços na cintura. — Você ficou meses em Nargabad e só me diz que foi “interessante”. Eu quero detalhes!

Muna deu de ombros.

— E eu quero minha cama.

Nida acompanhou Muna até seu quarto próximo a uma das torres do palácio. O aposento era amplo e arejado. A cama de madeira mogno tinha um dossel branco e ficava ao centro. Tapetes cobriam o chão e castiçais dourados iluminavam o local. As duas grandes janelas tinham a grade de arabesco.

Mas a principal parte do quarto era a pintura de uma mulher de rosto impassível, de olhos claros e um delicado corpo sensual e que cobria sua nudez com um manto estrelado. A mãe de Muna.

A princesa se jogou na cama, de costas e com os braços abertos. Era maravilhoso deitar em algo macio depois de meses dormindo em uma cama de catre e no chão duro. Sentiu suas botas serem removidas e ergueu a cabeça.

— Por que está fazendo isso?

— Você está cansada, senhorita. — respondeu Nida.

Muna revirou os olhos.

— Não seja tão formal comigo, Nida, somos amigas!

Nida nada disse, continuou a remover as botas de Muna e, ao terminar, sentou-se na cama ao seu lado.

— Senti sua falta.

Muna sorriu. Nida só era alguns meses mais velha e tinha os cabelos castanho-claro, sarda no rosto e olhos avelãs.

— Eu também senti. — Ela se apoiou nos cotovelos. — Mas foi bom ficar um tempo longe daqui. Foi uma experiencia única.

— Queria tê-la acompanhado.  Nesses últimos meses nada interessante aconteceu, além, é claro, do retorno de seus irmãos do império Kou.

A menção do império vizinho fez Muna sentar-se subitamente, alarmando a amiga.

— E o que aconteceu? — indagou, olhando-a nos olhos. — Tem alguma informação?

— Calma. Calma. — disse, estendendo as duas mãos. — Eu tenho, mas não são interessantes. Soube que o primeiro e o segundo príncipe não estava lá, e que agora temos uma imperatriz como vizinha. Porém, tem uma coisinha que aconteceu recentemente, de uns dez dias atrás.

 — O que?

Nida mordeu os lábios.

— Kou enviou uma carta — respondeu. —, infelizmente eu não sei qual é o conteúdo, mas deixou o rei furioso. Ele convocou os conselheiros e ficou horas discutindo com eles. Foi horrível esses dias. Alguns até pensaram que Kou quebrou nossa aliança e tinha iniciado uma guerra.

— Que horror. — disse Muna, espantada. — No jantar eu vou perguntar pra meu pai sobre essa carta.

— Mas não diga que fui que lhe contei. — implorou.

Muna sorriu.

— É claro.

O som da porta se abrindo fez Nida pôr-se de pé imediatamente. Ela fez uma reverência ao homem alto, magro, de cabelos longos desgrenhados e que trajava uma veste longa de cor verde-esmeralda que acabara de entrar.

— Tabor! — disse Muna alegremente, reconhecendo um dos irmãos. — Nida, deixe-nos a sós.

A garota aquiesceu. Tabor tinha pequenos olhos castanhos que acompanhou a dama de companhia até sair do quarto.

 Ele andava calmamente, com a cabeça erguida e indiferente. Diferente de seus irmãos que buscavam poder e glória, Tabor escolheu a religião. Aos poucos se aprofundava na vida de sacerdote.

— Quanto tempo, Muna — disse ele, sério olhando minuciosamente.

— Digo o mesmo. Deveria cortar o cabelo, sabia. — Observou ela. — Fica desleixado com os cabelos assim.

— Um sacerdote não se importa com a aparência, mas com o espírito. — Ele começou a andar pelo quarto. — Soube do seu bom trabalho nas minas.

— Também foi de Tamujin. — disse. — Queria ter ficado mais tempo lá... — confessou.

— Sei... o palácio não é pra uma pessoa como você, não é mesmo? A filha do rei, mas não da rainha. A bastarda. A princesa sem diadema.

Muna bufou e revirou os olhos.

— Veio só pra falar isso?

Ele se aproximou da irmã e tomou seu rosto com as mãos.

— E você sabe que não está sozinha, maninha. Tem a mim. Sabe que pode confiar em mim.

— Sei que no fundo você só quer que eu me junte a igreja— Ela retirou as mãos dele de seu rosto. —, mas isso nunca vai acontecer, e sabe bem.

Ele tomou suas mãos e as beijou. Tabor tinha formas estranhas de agir, uma hora amava a todos e os protegiam, na outra os odiavam.

— Eu ainda tenho esperança. Creio eu que sua relutância esteja maior por causa do djinn.

Ela o olhou espantada.

— Como sabe?! Tamujin já contou?

Tabor deu de ombros e sentou-se na cama.

— Eu conheço meu irmão mais novo. Se fosse ele quem tivesse capturado, já o teria esbanjado. Mas você é cautelosa, e sequer mostra orgulho pela conquista.

Ela deu de ombros.

— Não vejo necessidade disso. E, de qualquer forma, sua mãe ainda vai me arrancar a cabeça quando souber.

Tabor sorriu.

— A senhora minha mãe é muito sensata. — Ele deu um sorriso de deboche. — Tome um banho e descanse um pouco, irmãzinha. Mais tarde haverá um jantar especial e algo me diz que vai gostar do que nosso pai tem a dizer. — Dirigiu-se a porta.

— Eu já te disse que as vezes tenho medo de você?

Ele fez uma breve mesura a ela.

— Eu também tenho.

 E saiu.


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