Antes Que Fosse escrita por Lotte e Ysayo


Capítulo 6
Capítulo 05




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Benjamin dificilmente saberia dizer em que ponto daquela festa as coisas começaram a não parecer tão ruins quanto a expectativa criada.

Não que estivesse bêbado, mas se precisasse dar um palpite, diria que a suavidade da situação estava diretamente relacionada ao álcool na corrente sanguínea. Enquanto o francês parecia estar apenas um pouco menos sóbrio do que quando chegou ao 10ème Ciel, Demetria, por outro lado, não apresentava nenhum vestígio de sobriedade. Ao alcançarem a pista de dança, é possível que a garota não estivesse pensando com clareza, pois se virou na direção do bruxo, entrelaçando ambas as mãos nas dele logo que se unirem à pequena multidão de pessoas na parte mais animada do lounge. Depois dos primeiros versos da música, as coisas ficaram mais divertidas. Benjamin cedeu ao ritmo leve, impedido de fazer qualquer movimento contrário ao imposto pela sonserina. Ele não era exatamente bom naquilo, mas estava disposto a tentar. Pelo menos até que, no clímax da canção, todos começaram a pular.

Demetria riu, prendendo o lábio inferior com os dentes, quase como se estivesse consciente de que ele tinha entendido o que ela estava prestes a fazer.  No instante seguinte, Howard começou a pular, mas Chevrin não. As mãos ainda grudadas fizeram os braços de Benjamin balançarem, enquanto ele ficava ali, meio rindo, meio incrédulo, com os braços chacoalhando na mesma medida que ela tirava os pés do chão. Os cabelos dourados da garota, cujos fios engrossavam conforme o ar ficava cada vez mais úmido pelo calor, balançavam de um lado a outro enquanto ela decidia fechar os olhos e curtir a sensação do próprio corpo, que poderia parecer estar entrando em algum estado dissociativo, mas na verdade só estava reagindo naturalmente ao álcool consumido. 

Quando a música trocou discretamente, levou um tempo para que a garota percebesse e parasse de pular. Seus olhos se abriram e se fixaram por um tempo no francês, que teve a falsa ideia de poder voltar à mesa. Apesar da tentativa, Benjamin não conseguiu se afastar, porque os dedos ainda estavam entrelaçados com os dela. Demetria se aproveitou disso e ergueu as mãos até a altura dos ombros, afastando-se o máximo que foi possível sem desfazer o toque, antes de se aproximar mais uma vez. O ritmo da nova música contrastava consideravelmente com a alegria da anterior; não que fosse triste ou muito lenta, mas abria tanta margem à interpretação quanto a letra. Era suficientemente intrigante para despertar a curiosidade.

Demetria voltou a conduzi-los naquela dança, afastando e se aproximando de novo como se tudo fosse uma coreografia previamente ensaiada. Sem desfazer o nó dos dedos, ela ergueu os braços  e se aproximou do bruxo, quase  tocando-o; seu queixo estava erguido o suficiente para observá-lo por entre as luzes piscantes. Aquele jogo que a dança havia se tornado combinava com a letra da música e era como se, de alguma forma, os versos tivessem o poder de fazê-los querer descobrir como era a sensação, como era viver cada estrofe. Talvez por isso tenham se olhado diretamente por mais tempo do que já tinham feito antes.

"Nossos corpos no escuro se animando lentamente."

Demetria se afastou, e como se entendesse perfeitamente a letra, soltou as mãos e escorregou uma pelo braço de Benjamin.

"Eu só quero sua alma divagando em minha pele"

Quando a ponta dos dedos se encontraram novamente, a americana girou de um jeito um pouco desengonçado na direção do rapaz e bateu com as costas contra seu corpo. Seguindo automaticamente a coreografia, os braços dele a envolveram, extinguindo quase todo o espaço existente entre eles. 

"Ao longo de seu peito, perdidos na avalanche do meu coração disperso."

Se estivesse sóbria, talvez – e um talvez bem convicto -, Demetria teria reconsiderado vários dos acontecimentos que os colocaram naquela posição. Não era apenas sobre o lugar onde estavam, mas como seus corpos estavam, perigosamente próximos, movendo-se em sintonia com a música. A garota podia não entender uma palavra sequer da composição, no entanto, dificilmente qualquer compreensão da letra lhe proporcionaria alívio das imagens inapropriadas que cruzavam sua mente. Tudo o que passava por trás dos olhos verdes de Howard parecia permear uma realidade diferente, que deliberadamente sobrepujava os alertas de perigo em cada pequeno movimento. 

Ignorando os avisos de seu inconsciente, a garota apoiou não só a parte de trás da cabeça no que deveria ser o torso do francês, mas também todo seu corpo, consumindo qualquer espaço que ainda pudesse existir entre eles. A pior - e provavelmente mais repreensível -  parte daquilo tudo, era não poder culpar a bebida pelo que estava fazendo. Na verdade, se fosse muito sincera consigo mesma, Demetria precisaria admitir que estava plenamente consciente de suas ações e, mais do que isso, não queria interrompê-las.

Houve um pequeno falatório pelo lounge antes que a próxima música começasse, mas quando isso aconteceu, Benjamin não estava mais prestando atenção ao som. Ele movimentou os braços e girou Demetria, deixando-a de frente para si. Era possível que o movimento não fosse sua melhor ideia, porque quando os olhos azuis encontraram os verdes, ele se perdeu por um instante, como se tentasse decifrar o que ela pensava. Os lábios de Howard se esticaram num sorriso na mesma medida que se aproximou um pouco mais do bruxo, agindo puramente por instinto.

— Você vai precisar de muitas aulas pra melhorar nisso — ela falou por sob a música, sem considerar se era possível ser compreendida.

— É uma pena, porque minha professora não pretende ficar muito tempo em Paris — respondeu Benjamin.

— Então é melhor aproveitar enquanto  ainda estou aqui.

Howard não podia fingir que não sabia o que estava fazendo, não mais. E se em algum momento houve certa estranheza quanto a proximidade dos corpos, era provável que nenhum dos dois sequer se lembrasse. Àquela altura, na verdade, nada era muito importante. Nada era, sequer, um pensamento. E Chevrin estava tentado a acreditar que isso era resultado de alguma coisa na melodia da música que a tornava hipnotizante. Isso devia ser impossível, é claro. Afinal, aquela teoria não podia estar certa se quando as últimas notas se dissiparam no ar, a sensação continuou.

Demorou bem pouco para que uma nova música surgisse, espalhando-se pelo 10ème Ciel na mesma harmonia que as luzes piscantes. Os primeiros acordes eram suaves, como um sussurro ao ouvido, e logo foram acompanhados por um ritmo lento e cadenciado que parecia hipnotizar a todos. Somando a melodia sedutora e o magnetismo envolvido na letra, era quase impossível resistir. Demetria logo cedeu ao instinto, seu corpo respondendo à canção como se fosse guiada por uma força invisível. Quando, entre um movimento e outro, seus olhos se encontraram com os azuis de Chevrin, este atendeu ao convite implícito sem pensar duas vezes.

A música os envolveu como uma corrente elétrica, incitando movimentos que beiravam à provocação. A dança sinuosa não diminuiu a proximidade dos corpos, mas aumentou a temperatura enquanto a batida acariciava os sentidos. Demetria sabia como mesclar a confiança e a provocação, mas agora esta parecia mais voltada ao próprio Chevrin do que a qualquer outro francês naquele lugar. Ela moveu o quadril numa ondulação suave, criando uma curva sedutora em sua silhueta que acompanhava a batida. Seus olhos, carregados de intensidade, permaneceram fixos nos de Benjamin, desafiando-o sutilmente a acompanhá-la. E ele não negou. 

Com a mão caindo perigosamente para a cintura da americana, Chevrin reproduziu a onda criada com o quadril; não era tão preciso e solto quanto ela, mas ainda se encaixavam perfeitamente sob a letra da música. Demetria pareceu entender aquilo como um incentivo para continuar. Ela se virou de costas, criando uma sequência de passos que o francês observou até que o espaço fosse quebrado novamente. Benjamin a acompanhou e, por mais estranho que fosse, precisou de pouquíssimo esforço para se mover no ritmo proposto. Quando a loira girou outra vez e os olhos voltaram a se encontrar, um sorriso suave surgiu em ambos os rostos, produzindo algum tipo de mensagem secreta que não precisavam decifrar. Eles dançavam como se estivessem explorando um território desconhecido. Cada passo, cada olhar, não era mais apenas uma resposta à música sensual, mas uma atração mútua que parecia ter surgido assim que cederam à canção. Era difícil não ultrapassar a linha que estava implicitamente desenhada. E certamente haveria uma chance real de falharem, não fosse pelo fim da melodia. 

Na mesma medida em que a música se dissipou, uma troca de olhares se intensificou entre eles. Era como se o tempo estivesse saboreando a passagem lenta, permitindo que cada segundo fosse estendido ao máximo. Sob a iluminação sugestiva do ambiente, os corpos se conectavam em um magnetismo tão palpável que fazia Demetria querer se aproximar ainda mais de Benjamin. Naquele instante, era como se ainda estivessem em sintonia, em meio a uma nova dança, essa silenciosa, apesar de soar como se falassem um idioma próprio. O pulsar dos corações ecoava em compasso, enquanto a tensão aumentava. Os olhos verdes, como janelas para sua alma, revelavam a intensidade de sua vontade enquanto traçavam um percurso pelo contorno do rosto de Chevrin. Os lábios do francês, que agora pareciam estar longe demais, chamavam por ela. Uma atração incontrolável que poderia tê-los vencido se uma nova música, animada demais, não tivesse feito todos ao redor voltarem a pular.

— Acho que garanti minha permanência na festa — Benjamin falou por cima do som quando o empurra-empurra de pessoas o tirou do transe provocado por Demetria. — Devíamos parar enquanto ainda conseguimos sair daqui — ele moveu o rosto sutilmente, indicando a pista de dança.

A loira piscou algumas vezes em confusão, antes de olhar em volta, apenas para perceber outras pessoas se afastando também. Isso fez com que alguma chave girasse dentro de sua mente; ela meneou a cabeça positivamente e sem falar nada seguiu o francês para longe da multidão, indo na direção das mesas que se encontravam agora um pouco mais cheias que antes. Próximos ao cerco de poltronas de onde haviam saído, Demetria ainda prestava atenção em seus pés, pois sentia que eles poderiam traí-la a qualquer momento. Talvez por isso, a mão direita permanecia esquecida presa à do bruxo. E teria continuado daquela forma se não tivesse precisado usá-la para pegar a nova taça de Kir Royale.

 — Opa — avisou, erguendo as mãos unidas numa altura em que ambos pudessem ver.

Houve certo constrangimento quando o francês percebeu o fato; Benjamin cessou o toque, mas tudo o que Demetria fez foi rir, apesar de suas sobrancelhas se unirem em resposta à descoberta. Diferente de antes, seu cérebro parecia um pouco mais alerta e capaz de avisá-la do perigo – pelo menos agora que não estava numa pista de dança com as emoções à flor da pele. Ali, a uma distância segura, a estranheza anterior se transformou em uma conversa de frases soltas e risos, entre goles de drinks. Benjamin sentou em uma das poltronas, mas Demetria, com sua empolgação inconfundível, estava de pé, se balançando um pouco entre um verso e outro. Não houve um momento em que ela decidiu voltar a dançar; iniciou com um movimento cadenciado do corpo até que, de fato, qualquer pessoa pudesse dizer que estava dançando.

"E à noite, quando está escuro, eu estou vendo você dançar."

A letra da última música passou pela cabeça de Benjamin como uma rajada de vento passa farfalhando as folhas das árvores num dia de outono. Ele não entendia o motivo para aquilo acontecer, porém não era como se precisasse. 

Depois de mais uma bebida, o movimento de dança de Demetria se tornou o primeiro passo para o desastre. Em algum momento o senso de equilíbrio foi perdido e a loira sentiu seu corpo pender para um lado mais do que deveria; tentou ficar alerta, mas o máximo que conseguiu foi direcionar o peso na direção da poltrona mais próxima e sentar-se bruscamente sobre o assento, a bebida na taça finalmente se libertando para o chão conforme viera ameaçando. Howard formou um biquinho com a boca, mas não emitiu nenhum som além de uma risada, alta o suficiente para fazer qualquer pessoa compreender que havia alcançado o estado perigoso da embriaguez. Benjamin, visivelmente mais sóbrio, tinha a certeza de que ela extrapolara o próprio limite e isso o preocupou um pouco. A loira procurava outra taça de Kir Royale quando o francês olhou o relógio no pulso, surpreendendo-se com o passar das horas.

— Sabe, eu acho que é hora de parar — disse quando ela acenou para que o garçom se aproximasse.

— O que é você, meu pai? — As palavras da americana saíram mais lentas e confusas do que deveriam. 

Apesar da aversão ao aviso, a loira abaixou a cabeça para o relógio, imitando o movimento do lufano, apenas para sentir sua cabeça girar com o movimento repentino. Demetria inspirou profundamente e trouxe o rosto novamente pra cima, mas o estrago já havia sido feito. A taça recém adquirida e intocada foi deixada sobre o apoio mais próximo enquanto os dedos empurravam os fios louros, que cobriam, o rosto para trás. 

— Odeio concordar — embaralhou um pouco as palavras —, mas eu também acho.

Demetria se levantou - e tomou cuidado para fazê-lo devagar, pois agora estava mais preocupada em não aparentar estar tão bêbada quanto sabia que estava - e seguiu o francês até a saída. O som diminuiu consideravelmente conforme alcançaram o elevador, tornando possível ouvir as próprias palavras.

— Você mora perto? Posso te dar carona — Howard ofereceu, esquecendo seu estado de embriaguez.

Chevrin apertou as sobrancelhas. Se ela já dirigia tão mal sóbria, bêbada com certeza não chegaria à primeira esquina sem se matar no percurso. 

— Eu não acho que seja uma boa ideia — Benjamin observou, poupando-se da tarefa de lembrá-la que poderia simplesmente sair dali com aparatação.

— Nada é uma boa ideia pra você, já percebeu? — Rebateu Demetria ao mesmo tempo que apertava repetidas vezes o botão do elevador. — Eu te levo. Tá comigo, tá com Merlin.

Sabendo que dificilmente ganharia da teimosia da sonserina, ainda mais reforçada pelo álcool, Benjamin a deixou ganhar, ou pelo menos, não discutiu e deixou que achasse que havia ganhado. 

— Eu devia falar com Lauren — Demetria considerou de repente, lançando os olhos pro interior do lounge.

— Não consegue avisar por aquela coisa trouxa? — Benjamin mostrou a alternativa.

Howard fez que sim com o rosto e se atrapalhou por alguns segundos com a bolsa até encontrar o celular. Balançou o objeto para Benjamin, que havia se tornado um borrão desde que entraram no elevador.

fui pro carro de hotel

Escreveu o que na verdade queria dizer “fui de carro pro hotel” e enviou a mensagem, sem prestar atenção no sinal inexistente do aparelho e na notificação que surgiu no topo da tela que dizia MENSAGEM NÃO ENVIADA. 

O trajeto para o primeiro andar foi bem mais rápido. Howard não prestou atenção quando atravessaram o saguão do prédio, mas percebeu que estava nas ruas de Paris quando recebeu o vento frio; não havia se vestido apropriadamente para permanecer na rua até a noite. O céu estava escuro, não fosse pelas luzes das estrelas e postes que já estavam acesos. A americana teria descido o curto lance de escadas sem dar muita atenção à companhia do bruxo não fosse pela perda de estabilidade das pernas ao chegar ao último degrau. 

— Opa — riu, tentando controlar os próprios pés, mesmo que precisasse usar um dos braços de Benjamin como apoio.

O francês não negou a ajuda, oferecendo amparo até que eles tivessem deixado o lance de escadas. 

— Você lembra onde eu deixei o carro? — Howard procurou ao redor, esquecendo-se completamente que havia estacionado numa das ruas paralelas a que estavam.

— Acho que deixou ali — Benjamin apontou para a primeira curva que podia ver.

Demetria tentou se afastar, o amparo não sendo mais necessário agora que não havia mais degraus para descer, no entanto, Benjamin entrelaçou os dedos aos dela, exatamente como fizeram ao dançar. A loira lançou um olhar para as mãos unidas e então para o bruxo cujos olhos azuis já esperavam para encontrar os dela. A confusão no rosto de Demetria o fez sorrir, mas antes que ela sequer tivesse a chance de falar, o francês desaparatou. 

Houve um estampido e então aterrissaram na Rue Arthur Groussier. Benjamin já estava tão acostumado à aparatação que o borrão da viagem era quase imperceptível, assim como todas as sensações desagradáveis que sabia existir, mas não se lembrava mais como eram. Demetria, porém, sentia um desconforto físico tão grande, que se Chevrin tivesse o mínimo conhecimento, teria compreendido o motivo pelo qual a ideia de chegarem ali tão rápido não havia sido tão boa. Por sorte, a palidez no rosto de Howard denunciou sua condição antes que se afastasse do lufano e buscasse apoio na parede mais próxima. Em questão de segundos ela expeliu tudo o que seu estômago tinha acumulado ao longo do dia. Houve apenas um tempo suficientemente curto para que o francês conseguisse agarrar os fios de cabelo loiro que caíram sobre o rosto da sonserina quando ela se inclinou. Agora sim haviam chegado ao auge da bebedeira.

Se Demetria estivesse consciente o suficiente, teria descoberto o significado da palavra vergonha. Por sorte – ou não –, por mais que todas as bebidas consumidas ao longo do dia tivessem acabado de sair de sua barriga, o efeito do álcool permanecia em seu corpo. A garota deixou que o estômago encerrasse as contrações antes de respirar ofegante, a cabeça ainda abaixada enquanto considerava se já seria seguro erguer o rosto. Suor cobria sua testa, apesar do frio que agora não lembrava mais sentir. Demetria limpou a boca com as costas do braço, fazendo uma careta para a cor que ficou no tecido.

— Merda — quando não pareceu restar mais nada que colocar para fora, criou coragem para erguer o rosto pálido e se afastar da parede. — Nunca. Mais. Aparate. Comigo.

A loira tentou ameaçar o lufano antes de cambalear pela rua até precisar se apoiar no poste em frente ao hotel. Ainda que estivesse sendo ameaçado, Benjamin não se preocupou em responder. Ele se aproximou o suficiente para enrolar o braço ao redor da cintura dela e a ajudar subir os degraus que levavam à entrada do hotel.

— Você consegue andar? Ou tenho que te carregar? — Perguntou ao notar a falta de cor no rosto da garota.

— Eu posso estou bêbada, pelo menos ainda tenho dignidade, Chevrin — as palavras saíam ainda mais embaralhadas que antes.

Apesar da aparente resistência à ajuda oferecida pelo francês, Demetria não recuou ante a aproximação de Benjamin, deixando que o braço no entorno de suas costas cumprisse a tarefa de evitar que ela tropeçasse nas próprias pernas.

— Ainda bem que você e Aria não estão juntos — ela não era capaz de se preocupar com a interpretação das palavras escolhidas. — Não tenho preocupar com você fofocando pra ela que me encontrou assim em Paris. 

— Tecnicamente eu não te encontrei assim — Benjamin enfatizou.

Demetria apontou para a porta no fim do corredor iluminado, após subirem o quinto lance de escadas. Eles andaram até a porta com um adorno sinalizando o número do quarto, exatamente como informado pela caçula dos Howard; talvez ela não estivesse tão fora de si, afinal. Ao pararem na frente da entrada, Demetria puxou a bolsa e se perdeu dentro dela por tempo suficiente para que Benjamin sacasse a varinha e destrancasse o lugar à sua própria maneira. O quarto era pequeno para duas camas de solteiro, mas tinha espaço suficiente para caber uma pequena mesa entre elas na qual Demetria largou a bolsa e a varinha – que retirou do coldre improvisado no interior da calça jeans – antes de se jogar sobre uma das camas, as pernas permanecendo ainda dobradas na borda, enquanto o corpo jazia completamente esticado sobre a manta impecavelmente branca.

— Tá girando — ela reclamou, cobrindo os olhos com as mãos quando a luz foi acesa pelo francês. 

— Me lembre de nunca mais fazer companhia pra você quando estiver entediada — comentou Benjamin enquanto dava as costas para a garota e ia ao banheiro pegar um pouco de água.

Uma vez o francês fora de vista, a americana sentiu o cheiro forte na manga da blusa onde havia se limpado e, com os olhos apertados, fez uma careta ao reconhecer a mancha sobre o tecido. De repente, Howard estava sentada e desabotoava os poucos botões para arrancar a camisa do próprio corpo e jogá-la no chão, a pele do torso agora coberto apenas com o top que vestia por baixo, esquecendo-se momentaneamente da presença de Benjamin, até que este reaparecesse por trás da porta do banheiro carregando um copo meio cheio.

— Água — a loira expirou com alívio, erguendo os braços na direção do francês.

Benjamin surpreendeu-se ao ver que tinha sim como as coisas ficarem piores. Ele tentou ignorar o fato da blusa não estar mais no corpo alheio e entregou o copo à americana que após beber o líquido tombou novamente na cama e se aconchegou de um jeito estranho. 

Chevrin a observou por um curto tempo e depois sentou no fim do colchão para tirar seus calçados, aproveitando-se da proximidade para cobri-la na sequência. A americana esticou alguns músculos em satisfação quando o calor do cobertor a envolveu, o suficiente para fazer o sono se espalhar por seus membros. Tudo pronto. Howard estava segura no quarto de hotel e dificilmente sairia de lá até que todo o álcool escapasse da corrente sanguínea. Ainda assim, Chevrin aguardou um tempo antes de decidir ir embora.

Enquanto se sentia sonolenta daquele jeito, a loira não conseguia mensurar o tempo com exatidão, mas por um momento, quando ficou tudo muito silencioso, ela ouviu, mesmo que de longe, o som de passos abafados e da tranca se abrindo. A escuridão se intensificou por trás das pálpebras até que um filete de luz sobre o rosto a fizesse abrir os olhos em incômodo. 

Benjamin havia caminhado até a porta a passos lentos e estava com a maçaneta em mãos quando ouviu um murmúrio vindo da cama.

— Não vai — a loira sussurrou. — Não me deixa sozinha.

No escuro, o rapaz apertou os olhos como se isso o ajudasse a ouvir, mesmo que as últimas palavras de Howard tivessem sido bastante compreensíveis. Aquilo causou algo dentro dele. De todas as coisas que Demetria havia dito naquele dia, aquela era, de longe, a mais sincera. Deve ter sido por isso que, antes de ponderar muito sobre o certo e errado, Benjamin fechou a porta novamente e sentou na cama livre, a que provavelmente era de Lauren. Ela não ficaria sozinha.


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