A Dança das Serpentes - Interativa escrita por Dhuly


Capítulo 2
I . Antes Donzela Púrpura, Hoje Noiva Negra.


Notas iniciais do capítulo

estou de volta e espero que gostem deste capítulo :)
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também temos árvores genealógicas no tumblr sobre as casas já apresentadas, obrigada lee por fazer aquelas belezuras ♥



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t o m b a s t e l a

A esguia garça azul bicava vagarosamente abaixo do rio. Seu bico subia e descia as águas do Torrentino em uma sequência lenta e ineficaz, não havia nada ali além de poucos mariscos pequenos e nenhum peixe que ela tanto ansiava. Não era a época correta, ela não deveria estar ali naquela estação, deveria estar mais ao Sul, no Sangueverde, onde a comida era sempre abundante e a água sempre rica em alimento, como a Mãe Roine um dia foi para seu povo.

Lysana Dayne observava aquela ave fazia minutos.

Seus olhos púrpuras estavam fixos no animal, embora sua mente estivesse longe dali. Seus pensamentos naquela manhã, ou melhor dizendo, desde a noite passada não a deixaram em paz, garantindo a ela mais uma noite de insônia que nem o leite de papoula mais forte de Meistre Eustace conseguiu acalentar. Por isso ela fugiu, como fazia quando era apenas uma moça arredia que foi roubada de sua mãe pelo próprio pai.

Seu caminho para fora de Tombastela já era comum, seus pés a levavam sem que nem precisasse mandá-los. A única diferença da época que fugia quando moça para o agora era que os guardas não mais vinham ao seu encalço quando descobriam que ela havia fugido, atualmente eram eles quem abriam os portões da fortaleza com um aceno solene, prontos para servir sua Senhora, a Noiva Negra, como a maioria das línguas gostavam de cochichar, fossem elas afiadas ou não.

Lysana havia saído cedo, levantado antes mesmo que os cavalariços ou as aias.

Pulou de sua cama assim que observou os primeiros raios de sol surgindo timidamente pelo pico das Montanhas Vermelhas. Vestiu a primeira roupa que achou pelo seu baú, que consistia em camadas organizadas de preto sobre preto, com um pitada de mais preto. Uma parte do papel que ela ainda tinha que cumprir, como a mulher fria e cruel que todos acreditavam que ela era, mas uma parte que ela já havia se acostumado. Lys já tinha se habituado a muitas coisas naquela vida, gostasse ou não.

Por cima de tudo colocou uma grande capa negra, bordada com lã e fios prateados, o pouco de cor do brasão de sua casa que às vezes surgia entre suas vestes.

Antes de sair pela porta de seu aposento na Espada Branca tocou em seu pescoço.

O colar com a estrela de sete pontas estava ali, imutável.

Ela nunca o tirara, não depois de Brynden, mas ainda assim, conferia que estava onde deveria estar todos os dias, involuntariamente. Era como uma oração silenciosa, tocar o colar lhe dava certa paz, o pouco que ainda poderia encontrar no meio dos demônios que cercavam sua vida e sua mente. O tirar seria como se tornar um cavaleiro sem espada, um lorde sem castelo ou uma donzela sem os sonhos de verão.

Afastou o falecido marido da mente, seguindo em frente.

Ou talvez, devesse pensar nele com mais frequência, quem sabe assim encontraria paz tão esperada.

Desceu naquela manhã as encostas da ilha coroada por Tombastela com passos lentos. Rapidez não era amiga da atividade que estava realizando, pois para conseguir o que queria necessitava de olhos aguçados e atenção. Dessa forma ela seguiu, caminhando entre as trilhas esculpidas em pedras, tomando cuidado com as encostas escorregadias pelo orvalho da manhã e o sereno da noite. Quem olhasse de longe, das ameias de Tombastela, ou então das margens opostas da ilha, veria uma figura negra parando por entre as pedras, mas não conseguiriam observar com exatidão o que ela fazia.

Lysana parava em pontos específicos, pegando uma pequena faca e a bolsa de couro que levava ao quadril.

Suas mãos hábeis coletavam musgo, flores silvestres que cresciam no solo rochoso, cogumelos, pequenas plantas, limo e tudo mais que coubesse em sua bolsa. Iria catalogar seus achados assim que voltasse para seus aposentos e quem sabe pudesse trocar algumas informações com o meistre, embora soubesse muito bem que nenhuma daquelas plantas trariam novidades interessantes para ambos. A Senhora de Tombastela já havia explorado cada canto da ilha que governava, conhecendo toda a fauna e flora de suas imediações.

Era um passatempo que a ajudava sempre que precisava de seu tão precioso ar livre, de algo para ocupar as mãos e a mente, garantindo a Lys momentos de calmaria em que poderia colocar sua cabeça em ordem. Logo, assim ela fazia, à medida que ia descendo a ilha, se aproximando cada vez mais das margens do Torrentino. Eram assim que sempre acabava, da água ela havia vindo, para a água ela sempre voltava.

O som do rio, enquanto ele corria ligeiro pelas cachoeiras, ribanceiras e cânions das Montanhas Vermelhas era bem diferente da calmaria do Sangueverde, mas ainda tinha um distante gosto familiar de casa, que ela saboreava enquanto sentava-se naquela pedra, observando a garça azul em sua tentativa de achar comida no lugar errado.

Estava Lysana no lugar errado também?

Havia ela realizado as escolhas corretas em sua vida?

Tudo o que tinha buscado até ali, algum dia realmente traria sua tão merecida paz?

A garça finalmente alçou voo.

Esperava que a ave estivesse indo para o lugar correto dessa vez.

Lys finalmente percebeu que estivera trançando o próprio cabelo todo aquele tempo, parou, deixando as madeixas negras se assentarem onde deviam e virou-se de costas, observando com o par de olhos ametista o cavaleiro que se aproximava por sua retaguarda. Ela não se assustou, o ouvira minutos antes, pois o mesmo não detinha a mesma destreza dela de descer aquelas encostas em silêncio. Além de que seu par de adagas gêmeas pesava do outro lado de seu quadril, da mesma forma que sua bolsa de couro.

Todavia, a Dayne apenas sorriu, enquanto observava Nymor quase escorregar em uma das pedras.

— Fico feliz que tenha conseguido tirar um riso seu tão cedo, lindinha. — O cavaleiro andante murmurou enquanto pulava para aterrissar ao lado dela, Lysana tirou metade de sua capa da pedra onde estava, dando espaço para o irmão mais novo.

— Me impressiona que você esteja acordado tão cedo para me tirar esse sorriso. — Ela respondeu enquanto Nymor tomava o lugar ao seu lado, passando um braço pelos ombros dela e depositando um beijo em sua bochecha.

— Se me lembro bem, na Companhia Dourada todos precisávamos acordar cedo para os treinos e os trabalhos do acampamento. — Um tom zombeteiro tomava conta de sua voz, tom tão comum a todas as falas do Dayne.

— Se eu me lembro bem do nosso tempo juntos na Companhia Dourada, quem acordava cedo era eu mesma, enquanto você passava mais dias tentando se recuperar da ressaca do que acordando cedo. — Lady Dayne rebateu encarando o irmão gargalhar um pouco, sua risada era energizante e reverberava pela margem do rio, acordando os pássaros ainda sonolentos.

— Justo! — A cria mais caótica de Oberon respondeu por fim, tomando algo de seu cantil que Lysana duvidava ser água, ela recusou quando ele lhe ofereceu um gole. — Os velhos hábitos são difíceis de serem superados.

Ela não poderia discordar, ainda possuía muitos de quando era apenas uma garota vivendo com a mãe pela Sangueverde, irredutível e insubmissa, como uma própria Martell. Contudo, tinha a plena certeza que, diferente de Nymor ou seus outros meio-irmãos, ainda assim conseguia esconder esses velhos hábitos melhor que qualquer um deles.

— Então, o que o traz aqui em tão tenra manhã? — Ela não era boba, Nymor estar em Tombastela sem que ela o tivesse convocado poderia significar poucas coisas, e menos ainda delas trariam felicidade para Lysana.

— Não posso estar apenas a procura da companhia de minha irmã favorita? — Um sorriso cafajeste brotou em sua face. Aquilo poderia funcionar com metade de Dorne, como havia feito até com o próprio Príncipe Ardyn, mas Lys era esperta demais para cair nos charmes do irmão, pois sabia que Nymor era um completo imprestável.

— Esse é um posto que não dou muito valor, sabendo que você odeia a outra metade de nossos meio-irmãos e vê Arren uma vez por ano. — Suas palavras fizeram ele levar a mão ao peito, numa falsa encenação de coração quebrado.

— Dessa forma, vou dar ouvidos aos boatos que todos dizem sobre você e realmente achar que você é uma criatura sem alma e coração. — O comentário veio mais uma vez carregado de bom humor, entretanto Lys não riu junto do irmão.

Em outros momentos ela teria entrado na brincadeira, porém estava contemplativa e soturna demais naquela manhã para aquilo. O sol quente subindo mais ao céu anunciava que o clima ameno do início da manhã estava se despedindo, era momento de voltar a sua fortaleza. Lysana levantou-se e Nymor a seguiu.

— Por favor, seja direto, tenho fé de que não tenha se metido em confusão mais uma vez. — Comentou enquanto começava a subida pela encosta rochosa da ilha com o irmão em seu encalço, deixando o rio para trás e os pensamentos que Lys havia compartilhado silenciosamente com ele. — Ou pelo menos que espere que eu resolva seus problemas por você novamente, tenho minhas dívidas contigo, mas não pense que minha boa vontade é eterna.

— Quando que lhe trouxe problemas que você não possa resolver, lindinha?

— Nymor. — Seu olhar o calou finalmente, trazendo um suspiro dele e mãos levantadas em rendição.

— Não trago problemas, mas um convite. — Disse ele tirando um pergaminho de dentro de seu gibão.

A atenção de Lysana foi para o papel, pegando-o das mãos de seu irmão. O papel estava selado com o brasão dourado da Casa Yronwood, abaixo uma assinatura brusca trazia o nome de Lorde Grover, Senhor de Paloferro e Protetor do Caminho de Pedra. A Senhora de Tombastela olhou desconfiada para o que tinha em suas mãos, mas voltou-se primeiro ao irmão em busca de explicações.

— O que estava fazendo com os Yronwood?

— Não estava com os Yronwood, estava com Ardyn Martell, ele sim sempre está com os Yronwood.  — Sua face não mostrava nenhuma reação, dizia como se fosse a coisa mais banal do mundo. Já a interrogação estampada na de Lysana o fez explicar melhor. — Eu estava em Tor, prestando meus serviços a Lorde Jordayne. O príncipe e sua caravana que fizeram seu caminho por lá vindos de Lançassolar, eu apenas me convidei a acompanhá-los no resto da viagem. Afinal, quem resistiria a ter tão boa companhia como a minha para atravessar o deserto dornês.

— Imagino. — Lysana respondeu sarcástica, mas satisfeita, rompendo o selo e lendo as palavras em velocidade voraz. — Um torneio em honra ao nascimento de um filho? Não pensei que Lorde Yronwood ainda fosse capaz de ter filhos com a idade que ele possui.

 — Você não ficaria surpresa em descobrir que Lorde Grover é mais ativo do que nosso próprio Arren. — Dessa vez esse comentário conseguiu outro riso de Lys, ao seu lembrar do irmão caçula que provavelmente estaria aquela altura da manhã já com a cara grudada em um de seus livros, enquanto comia deixando farelos por toda a biblioteca ou nos aposentos do meistre. — O que não entendo, é o motivo de logo eu ter sido convidada ou você ter sido responsável por me trazer essa mensagem. Um corvo não teria sido mais ágil?

— Creio esse ter sido o objetivo de Lorde Grover ao me mandar pessoalmente a cavalo, atrasar a mensagem chegar até você e com sorte sua ida ao torneio não se concretizar, mas acho que ele duvidou de minhas habilidades e o quanto eu posso ser rápido com um corcel de areia.

— Novamente, qual a razão de eu ser convidada para um torneio onde não sou bem vinda? — Interrompeu Nymor tentada a picotar aquele pergaminho com as mãos e  jogá-lo aos ventos. — Provavelmente devem achar que apenas minha presença neste torneio trará dez anos de azar a criança.

— Não duvido que Lorde Grover pense a mesma coisa, mas não foi a vontade dele lhe mandar um convite, foi de Ardyn. — Tais palavras pararam Lysana, eles já estavam próximos aos portões. — Ele gostaria de te conhecer propriamente, foi ele quem pediu que você fosse convidada, e quem poderia dizer não as vontade de um príncipe?

Lys precisou de alguns segundos para digerir as palavras do irmão. Se lembrava vagamente de Ardyn Martell, de quando esteve em Lançassolar, na época em que não era a Senhora de Tombastela, mas apenas uma mulher com um nome manchado pedindo a Myriah Martell que fizesse a lei de Dorne ser cumprida. Da mesma forma que pouco se lembrava do herdeiro, duvidava que ele também tivesse memórias dela. De qualquer maneira, sua aparente vontade de conhecê-la a atingia como um mistério a ser desvendado.

— Você por acaso tem algo a ver com isso?

— Não mais do que o fato de termos o mesmo sangue, todos sabem que somos parentes por conta de nossa tia Nymella. Talvez isso por fim tenha intrigado a Ardyn. — Nymor respondeu dando de ombros. — Ou os rumores sobre seu nome sejam alvo das atenções dele tanto quanto são dos outros. Arren poderia dar um milhão de suposições para você, eu apenas trouxe o convite. Cabe a você aceitar ou não.

Lysana adentrou finalmente em Tombastela com Nymor a suas costas.

O irmão seguiu para cumprimentar os cavaleiros com quem ele passou tantos anos dividindo aquele mesmo pátio. Com certeza o som de suas espadas tilintando poderiam ser ouvidos mais tarde até do topo da Espada Branca. Mas Lys não estaria prestando atenção àquilo, seus pensamentos estariam ocupados mais uma vez como naquela manhã. Agora focados no convite que carregava nas mãos e qual seria o interesse de Ardyn Martell nela.




O grande salão de Tombastela não via um grande banquete há muitos anos. A guerra que se arrastava por anos havia trago mais infelicidade do que motivos para festejos, além de que o antigo Lorde, Oberon Dayne, pai de Lysana e todos seus meio-irmãos, sempre encontrava mais júbilo em se embebedar nos salões de outras casas no que em seu próprio. Dessa forma, aquela noite com música, dança e vinho era algo incomum aos olhos púrpuras da atual senhora.

 

Havia um urso,

um urso, um URSO!

Preto e castanho

e coberto de pelo!

 

Cantava Nymor a plenos pulmões, enquanto seus dedos hábeis tiravam as notas mais melodiosas de seu alaúde. Aias dançavam ao seu redor, vermelhas após tanto vinho e dança, talvez com sonhos que uma delas fosse escolhida para dividir a cama de seu irmão mais tarde. Além delas, cavaleiros com copos de cerveja preta ajudavam com a cantoria de seus bancos, fazendo com que um grande coro pudesse ser ouvido até mesmo nas muralhas da fortaleza.

Lysana observava tudo de seu cadeirão no palanque elevado, uma mesa recheada de comida à sua frente, embora parecesse que nem Arren ou o Meistre Eustace tivessem com muita fome, seus pratos apenas remexidos. Arren, por sinal, parecia o ser mais injustiçado e judiado de Westeros, apenas por ter de estar naquele recinto e não com seus livros. Entretanto, Nymor o havia puxado de sua torre antes que ele pudesse contestar.

 

Oh, vem, disseram,

oh, vem ao concurso!

Concurso? disse ele,

mas eu sou um urso!

Preto e castanho

e coberto de pelo!

 

Continuou todo o salão em euforia, desacostumados ao festejo e aproveitando o quanto podia. Lysana havia liberado aquilo, afinal era apenas uma noite, e Nymor havia sido muito convincente quanto à necessidade de elevar a moral da criadagem de um castelo. De toda forma, Lys sabia muito bem que ele não teria parado de encher seus ouvidos até que ela cedesse.

— Isso por acaso é um treinamento para saber se você irá aguentar o mesmo em Paloferro? — Arren perguntou acenando com a mão para todo o salão e o irmão mais velho no centro de todas aquelas pessoas dominadas pelo ritmo e pela bebida.

 

E daqui para lá

ao longo do percurso.

Percurso! Percurso!

Três moços, um bode

e uma dança de urso!

Dançou e girou

até chegar ao concurso!

 

Nymor pareceu cantar ainda mais alto quando viu o irmão apontando para ele.

— Pelo que Nymor me contou. — Lysana respondeu se aproximando de Arren para que ele conseguisse ouvir no meio de tanto barulho. — O banquete que Lorde Grover está planejando será muito maior do que estamos vendo agora, então não sei se podemos considerar um treinamento ou apenas um aquecimento.

Arren remexeu-se na cadeira incomodado.

— Pretende mesmo ir?

Lysana não soltou nenhuma palavra de imediato, sentindo o gosto do tinto dornês nos lábios antes de respondê-lo. Comparecer a banquetes e festividades não eram do feitio dela, além dela saber não ser bem-vinda na maioria deles, como era o caso daquele em questão. Entretanto, o aparente interesse de Ardyn Martell nela atiçava uma curiosidade que dificilmente seria contida consigo apenas permanecendo em Tombastela.

— Você mesmo disse querer saber o que o príncipe quer comigo. — Disse enquanto observava Nymor se aproximar, vindo em direção a mesa principal do salão, suas mãos sem parar de dedilhar o alaúde.

— Tenho certeza que nossa curiosidade mútua poderia ser sanada com alguns bons livros sobre além do Mar Poente. — Lysana lhe lançou um olhar enquanto se levantava perante Nymor lhe oferecendo a mão, Arren deu de ombros, voltando a beliscar a comida em seu prato. — Ou pelo menos a minha.

 

Oh, e ela era doce

e pura e bela!

A donzela com mel

nos cabelos!

Cabelos! Cabelos!

A donzela com mel

nos cabelos!

 

O salão cantava mais animado do que nunca, observando enquanto a jovem ama rodopiava nos braços do irmão, cena que nunca haviam visto antes. Para mesmo eles a Noiva Negra não sabia o que era um riso em seu rosto, os passos de uma dança animada, ou a felicidade de estar em casa junto de seus irmãos num banquete inesperado. Contudo, Lysana nem sempre fora aquela máscara que utilizava para manter seu posto como Senhora de Tombastela intacto.

 Ela já fora apenas uma garota do rio, arredia como um corcel de areia.

Uma parte daquela garota sempre estaria junto com ela, não importava o quanto ela cortasse pequenos pedaços de si mesma para caber no quebra cabeça que dominava sua vida. Por isso, com a ajuda do vinho que inebriava levemente seus sentidos, deixou que Nymor a girasse a girasse mais, deixando transparecer uma leve risada no meio da música alta.

Lembrou-se de um tempo anterior.

De quando seu nome não era Dayne, mas Hightower.

Brynden era como uma correnteza em sua memória, poderia jogar a maior das pedras para tentar conter seu fluxo, entretanto o rio sempre conseguia achar seu caminho, fluindo de volta para ela. Lysana sentia falta dele, da vida que poderia ter tido, da família que poderiam ter construído, do filho que eles poderiam ter criado juntos. Contudo, diferente do que eles dois poderiam ter imaginado, os deuses de sete faces que ela levava ao pescoço tinham seu jeito sádico de controlar as coisas.

Lysana havia perdido sua casa, seu futuro e o homem que aprendera a chamar de marido.

Novamente sua vida havia sido tomada por forças que ela não conseguiu controlar.

Fosse Oberon, a roubando de sua mãe.

Seu tio, Alester, a mandando para longe de Tombastela.

O irmão de Brynden, a chamando de assassina.

Durante toda sua vida homens haviam tentando domá-la, humilhá-la e destruí-la.

Não mais.

Lysana não deixaria nunca mais que sua vida fosse controlada por mãos que não fossem as dela. Havia feito aquela promessa a si mesma no dia que zarpou de Essos voltando para Dorne, quando se ajoelhou perante Myriah Martell pedindo pelo seu direito de nascença e quando assumiu o seu lugar como a nova Senhora de Tombastela, deixando uma cicatriz no rosto de seu irmão Edric e uma no meio da Casa Dayne. Havia feito amigos e inimigos durante todo aquele caminho, porém ela mesma não poderia controlar o que eles pensavam de si mesma, apenas tinha poder absoluto sobre quem ela realmente era.

Fosse a Donzela Púrpura, fosse a Noiva Negra.

Ou apenas Lysana.

 

Então suspirou e guinchou

e até ’sperneou!

Meu urso! Cantou.

Meu urso tão belo!

E daqui para lá

foram pelo percurso,

o urso, o urso

e a bela donzela.

 

Percebeu que a música havia finalmente acabado.

Ela e Nymor curvaram as cabeças, marcando o fim da dança também.

O salão explodiu em palmas e risadas. Ela acreditava que no dia seguinte todas aquelas pessoas duvidariam se realmente haviam visto sua lady dançando ou se haviam bebido demais da conta. Lys deixaria que eles pensassem o que quisessem, ela estaria com outras prioridades no momento, longe de Tombastela.

— Sim, Arren. — Respondeu tirando o cabelo negro como azeviche da testa suada. — Pretendo mesmo ir, mas não vou com nenhuma preocupação, pois sei que você estará aqui, protegendo a fortaleza em minha ausência.


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Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado!!