Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 7
Capítulo 6 – Missão




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Os movimentos de Thaís foram rápidos e precisos, ela deu o primeiro soco com a mão direita, um segundo com a mão esquerda e finalizou com um chute na altura da cintura. O saco de areia balançou em agonia com os golpes, as correntes que os suspendiam chiando como se implorassem por uma pausa. A loira, de cabelos longos e lisos, concentrava toda a sua frustração naqueles movimentos. Cada golpe representava memórias dolorosas da sua vida: o sumiço do seu irmão Marcelo por 10 anos (soco cruzado), as tentativas frustradas de encontrar respostas na polícia (chute frontal), o corpo de Marcelo identificado em um terreno baldio (soco direto) e agora o seu fracasso novamente na captura do Boca-de-Ouro (chute circular).

A loira parou em posição de luta, ofegante. Ela tentava recapitular em seu cérebro como havia chegado àquele ponto. Depois do detetive Wallison encontrar o corpo de seu irmão, há 2 anos, Thaís resolveu sair de Minas Gerais na tentativa de superar os traumas. Recife parecia ser a melhor opção, a loira já tinha entrado em contato com algumas academias de luta da região e gostava de climas quentes. Acabou dividindo apartamento com uma recepcionista de bar em um prédio da Rua Nova. Não demorou muito para escutar boatos sobre um ser que atacava pessoas indefesas na calada da noite. Por mais estranho que pudesse parecer, essa entidade nada mais era do que uma perna grande e cabeluda, sem o restante do corpo, com força suficiente para estraçalhar a capota de um carro.

Foi em uma noite de lua cheia que Thaís sofrera o ataque. Estava voltando da academia às 23:30 da noite, caminhando em um escuro beco no centro da cidade, quando escutou passos atrás de si. Ela olhou por cima do ombro, reparando em um vulto que saltava como um sapo grotesco e despencava fazendo um enorme estardalhaço no chão. Não teve dúvidas, estava sendo seguida pela Perna Cabeluda. A mulher virou-se para enfrentar a assombração, mas não supôs que a criatura fosse tão rápida ao ponto de atingi-la na barriga com uma força descomunal, arremessando-a contra a parede. Thaís caiu no chão desorientada. Ao olhar para frente, deparou-se com uma perna coberta de pelos encaracolados, unhas grandes e podres, prestes a dar-lhe o golpe fatal. Foi nesse momento que um par de faróis altos invadiu o beco. Uma van preta parou em frente de Thaís e um grupo de pessoas incomuns saltaram do automóvel, aprisionando a Perna Cabeluda em um recipiente de vidro: o monstro tornou-se uma gosma negra depois que foi sugado por um bizarro aparelho. Um rapaz alto e musculoso estendeu o braço para Thaís, ele usava camiseta regata e uma calça do exército. Raul apresentou-se para a loira, convidando-a a fazer parte da equipe de caçadores.

Aplausos preencheram o cômodo da academia particular, trazendo Thaís de volta ao presente. Ela virou-se para a porta da academia e viu Raul encostado na parede. Há quanto tempo ele estava espionando? O homem, com seu cabelo cortado em estilo militar, exibia um sorriso de orgulho no rosto.

— Se esse saco de areia fosse uma alma sebosa, estava estirado no chão todo lascado — ele deu uma gargalhada. Em seguida, caminhou até Thaís. — Mas a gatinha não devia pegar leve depois de ontem à noite?

Aquelas palavras levaram a lutadora de volta ao passado, mas dessa vez a um passado mais recente. Ela lembrou-se de si própria caindo no chão da ponte Duarte Coelho, o toque gelado do Boca-de-Ouro em sua perna e a sensação de fraqueza após ter parte da sua energia vital absorvida. Thaís deu um último soco no saco de areia.

— Enquanto eu não for forte o suficiente, esses monstros continuarão fazendo a festa na cidade.

— É quente!

Raul sentou-se no banco utilizado para o exercício de supino reto. Ele observou a loira pegar a garrafa d’água e tomar um generoso gole, enxugando o rosto com uma toalha azul. Ela encarou o musculoso.

— Estraguei tudo ontem — desabafou. — Eu exagerei na bebida. Sabia que precisava ser um alvo fácil para o Boca-de-Ouro, mas fui fraca demais.

— Ei, deixa desse papo furado que eu nem curto — Raul moveu-se no banco de forma a deixar espaço para Thaís. A loira aceitou o convite, sentando-se. — Nunca vi uma mulher tão obstinada quanto tu.

— Obrigada. Eu tenho meus motivos.

— E quais são?

— Bem… – Thaís olhou para baixo.

— Agora vai ficar com segredinho logo para mim, o cara que tá contigo todo dia recebendo porrada que nem aquele saco de pancadas?

— Deixa de coisa. É que é um assunto delicado… — A loira respirou fundo antes de desabafar. — Eu perdi meu irmão mais velho, Marcelo, faz 12 anos.

— Eita, carai!

— É… Ele passou vários anos desaparecido até encontrarem seu corpo. — Thaís tentou encontrar as palavras certas. — Eu descobri que ele foi morto por um vampiro.

— Desgraçado! — Raul fechou os punhos irado.

— Uma garota que estava investigando o caso me contou, uma tal de Emilly. Eu achei que fosse só brincadeira, mas depois liguei os pontos. Naquela época eu não podia fazer nada para ajudar a acabar com o vampiro. — Thaís fez uma pausa. — Resolvi sair de Minas Gerais para começar uma vida nova aqui em Recife. Aquele lugar estava insuportável.

Raul levantou-se agitado. Ele caminhou de um lado ao outro com os braços cruzados, não conseguia ficar parado quando estava nervoso. Aquela garota passou por várias dificuldades, mas mesmo assim aprendeu a lutar e se defender. Era alguém admirável. Raul finalmente parou de andar e encarou Thaís.

— Galega, eu prometo a você que vou te ajudar a dar fim a cada alma sebosa que tem nessa cidade. Pode contar comigo para destruir a raça deles. Não é para isso que somos caçadores?

Thaís esboçou um sorriso, sabia que podia confiar em Raul enquanto estivesse dentro da equipe. Antes que pudesse responder, contudo, a porta da academia se abriu. Natanael entrou com sua calça de veludo preta, uma camisa azul-escuro de manga longa e os cabelos penteados cuidadosamente para trás. Ele arremessou a chave do carro para Raul, e este olhou para Thaís com uma expressão de dúvida. A loira deu de ombros, não fazia ideia do porquê Natanael estar agindo daquela forma, mas qualquer coisa seria melhor do que ficar treinando o dia todo.

— Temos uma missão e preciso da ajuda de vocês — o bruxo falou, puxando o celular do bolso e conectando-se a um mapa. — Uma entidade se comunicou comigo mais cedo, ela está aprisionada próxima ao rio Tapacurá, já encontrei a localização aqui. Se formos agora, conseguimos chegar antes do anoitecer.

— Pera aí, tu disse uma entidade? — Raul perguntou desconfiado. — Que eu saiba a gente tem que destruir esses monstros e não salvá-los.

— Não é uma entidade maléfica, Raul. Existem seres bons e ruins neste planeta. Além disso, ele tem informações sobre a criatura que está para surgir e trazer o caos. É a nossa única pista.

— Vanessa não autorizou nada disso.

— Ela saiu faz tempo — dessa vez quem falou foi Thaís, indo ao encontro de Natanael. — Eu vou com você. Não acredito que precisamos sempre da aprovação de Vanessa e estou cansada de ficar aqui dentro da academia. Raul, você vem ou não?

— Já que você vai, galega… Não tenho outra opção.

— Ótimo! — Natanael disse. — Lembre-se de que aqui não é o exército, Raul. Não somos subordinados a ninguém. Vamos nos apressar!

Natanael caminhou com Raul até a sala de armamentos, onde pegaram os equipamentos essenciais para uma viagem como aquela: binóculo, corda, lanterna, canivete, velas, crucifixo e bússola. Antes de fechar o baú, Raul puxou um revólver 9 milímetros e verificou a munição, guardando-o na cintura sob o olhar de desaprovação do bruxo.

— Qual é? Tu faz tuas bruxarias enquanto eu meto bala. É assim que funciona — o ex-militar falou e fechou o baú com um estrondo.

Thaís, por sua vez, tomou um banho rápido e guardou em sua mochila alguns suprimentos alimentares e garrafa d’água, além de prender uma adaga na cintura. Ela caminhou até o quarto de Eduarda e abriu a porta lentamente, apenas uma brecha suficiente para enxergar o ambiente lá dentro. Vislumbrou o corpo da moça encolhido na cama e deduziu que a garota dormia. Resolveu por fim não acordá-la, apesar da estranha sensação que sentiu naquele instante. Thaís fechou a porta delicadamente e deu de cara com Natanael, levando um susto.

— Desculpa. Eu estou preocupada... — Ela indicou o quarto de Eduarda com a cabeça. — Não sei se é seguro deixá-la sozinha, Carlos e Vanessa não estão aqui. E Duda sofreu à beça depois que incorporou o Boca-de-Ouro.

— Não se preocupe, nenhuma alma viva será capaz de entrar na casa, o sistema de segurança daqui é quase infalível. 

— Não é com isso que estou aflita.

Thaís encostou-se na parede e abraçou os próprios braços. Por algum motivo, teve um pressentimento ruim após ver Eduarda dormindo. Era como se algo dentro dela gritasse avisando sobre as consequências de deixá-la só. Natanael encostou suas mãos nos ombros da loira.

— Thaís, a Duda é forte. Pode não parecer, mas aposto que ela é mais forte do que todos nós aqui dentro — ele falava com serenidade. — E eu também fiz um feitiço de proteção, então nenhuma alma não viva será capaz de entrar. Essa missão é importante, eu e Raul sozinhos não daremos conta. A gente vai acabar se matando antes mesmo de chegar lá.

— É verdade. — Thaís deu uma risada abafada. Ela olhou uma última vez para o quarto quando escutou as buzinas do lado de fora. — Vamos, Raul deve estar de saco cheio.

Já com a BMW prateada no meio da rua, Raul apertava freneticamente o botão de buzina enquanto o outro braço agitava-se do lado de fora, inquieto pela demora dos dois. Thaís foi a primeira a sair da casa e sentou-se no banco de caronas, Raul rapidamente deu um beijo na bochecha da garota que apenas fez um sorriso sem graça. Natanael passou pela porta da casa e trancou com a chave, guardando-a no bolso. Ele se sentou no banco de trás quase na mesma hora em que Raul deu partida no carro, acelerando bruscamente na rua deserta. 

O silêncio reinou após o automóvel desaparecer no horizonte. A casa dos caçadores ficava em um bairro de classe média-alta, com algumas residências ao redor e a maioria com vastos jardins. Naquele horário da manhã, poucas eram as pessoas que estavam na rua. Justamente por causa do absoluto silêncio, uma risada sinistra poderia ser ouvida por toda a extensão do logradouro. Uma risada que não pertencia ao mundo dos vivos, mas tampouco pertencia ao mundo dos mortos. A risada cessou diante de um lugar específico e uma mão cinzenta encostou no portão da casa 235, o quartel general dos caçadores.


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