Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 2
Capítulo 1 – Boca-de-Ouro




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Os passos vacilantes da mulher denunciavam seu excessivo consumo de álcool durante a madrugada. Ela caminhava pela Rua do Cais do Apolo, na cidade do Recife, depois de uma noite de farra e bebedeira. Encostou a cintura no parapeito do rio Capibaribe e encarou um prédio alto à sua frente, o Porto Digital, que representa um dos maiores complexos de tecnologia de Pernambuco, mas que agora se encontrava vazio e silencioso. Às 2 horas da madrugada havia ninguém trabalhando naquele lugar.

O corpo da loira vacilou para o lado, ela tombou e se recompôs rapidamente para evitar cair ao chão. Usava um sapato de salto alto, que retirou dos pés para andar melhor. Puxou o celular do bolso e colocou os fones de ouvido. A mulher caminhou até um banco de madeira e xingou quando viu que alguém ligava. Sentou-se no banco para atender.

— Relaxa, eu tô ótima! — Mentiu ao responder, fechando os olhos para as coisas pararem de balançar. Ao reabrir, viu um homem encostado no prédio à sua frente.

Era um homem alto e muito bem alinhado: paletó branco, calça social de mesma cor, uma chápeu Panamá na cabeça e cigarro na mão. O rapaz encarou a boêmia por alguns instantes, caminhando em sua direção. Os passos eram firmes e elegantes tal como um sedutor experiente.

A mulher sentiu-se inquieta com aquela presença, prevendo o perigo. Olhou para os lados e certificou-se amargamente que estava sozinha naquela rua. “Merda!”, foi o único pensamento que conseguiu formular. A cada passo que o homem dava, a loira tentava raciocinar melhor, como se lutasse para que a adrenalina inibisse o álcool do seu corpo. Tentou ficar de pé e passou a caminhar vacilante para o final da rua, com os braços cruzados devido ao frio repentino.

Olhou para trás rapidamente só para constar que o homem a seguia. Ela continuou a andar, dessa vez tentando dar passos mais rápidos, vencendo a tontura aos poucos. Precisava atravessar a Ponte Duarte Coelho e ficar longe daquele ser sinistro.

Mais alguns passos e olhou para trás de novo. Avistou uma rua vazia, nenhuma alma viva ou morta estava ali. Respirou fundo, um pouco aliviada, mas deparou-se com a aparição assim que virou para frente. Ele exibia um sorriso cheio de dentes de ouro, a cara pútrida e cheirando a enxofre. Esticou o braço com o cigarro apagado.

— Tem fogo?

A loira encarou o homem e não pensou duas vezes: desatou a correr em direção a ponte. Por vezes quase caiu ao chão devido a tontura, mas precisava permanecer firme. Ela puxou o celular e falou para a outra pessoa na linha.

— É ele. O bicho fede mais que urubu. E acho que exagerei um pouquinho na bebida. Carlos, se tiver me ouvindo, saiba que você é um lindo!

— Thaís, você não devia ter bebido tanto! — A voz de Eduarda soou preocupada.

A nerd estava sentada dentro de um furgão preto. No seu colo repousava um notebook onde exibia as imagens de ruas próximas, das quais Carlos havia prendido algumas câmeras nos postes. Dessa forma, teria visão para comandar a operação de dentro da van.

— Me explica de novo a parte de Thaís precisar ficar bêbada que nem uma hiena demente — Raul, o ex-militar, perguntou da cadeira do motorista após estacionar o automóvel.

— O Boca-de-Ouro é uma entidade que ataca pessoas boêmias do Recife Antigo. Ele geralmente vai atrás de homens que passam a noite em farras e voltam para casa sozinhos.

— E por que ele iria atrás de Thaís se ela não é um homem?

— Acreditamos que ele vai atrás de pessoas que ficam com várias mulheres em uma noite — Natanael respondeu da cadeira de caronas. — Não necessariamente um homem.

— Isso quer dizer que…

— Por favor, Raul, deixe seus comentários preconceituosos para outra hora.

— E cadê Thaís agora?

No meio da ponte, a loira corria contra a entidade que ainda suplicava por um pouco de fogo para acender o cigarro. Ao olhar para trás, percebeu que o homem dava passos mais largos, quase que correndo, mas ainda sim caminhando com certa elegância. Os buracos de tapurus do rosto do cadáver podiam ser vistos mesmo naquela distância. Uma onda forte de ânsia tomou o estômago da lutadora, que precisou parar para se restabelecer. Thaís sabia que não podia deixar aquela criatura tocá-la em hipótese nenhuma, sendo que a distância que os separava diminuía cada vez mais.

— Preciso de um foguinho para acender o cigarro. Tu tem fogo?

— Tenho nada aqui não! — A mulher gritou em resposta, mas quando olhou de novo a entidade havia sumido. — Droga!

Por um segundo quase foi fisgado pelas mãos podres do homem. Thaís jogou-se para trás, prevendo o surgimento da aparição na sua frente. Ela caiu no chão com um tombo, o fantasma já a centímetros de seu rosto. Os dentes de ouro cintilaram com a iluminação amarelada da ponte.

— Tem fogo? — perguntou uma terceira vez.

— Duda… Eu não vou conseguir… — Thaís sussurrou pelo celular. Havia se candidatado para ser a isca devido a sua agilidade, mas a noite de bebedeira acabou com todos seu talento nas artes marciais. E não adiantaria de nada dar um chute em um ser incorpóreo. O homem caminhou para a débil mulher caída ao chão. Os sapatos brancos pararam próximos ao rosto de Thaís.

— Thaís! Thaís!  — Eduarda gritou aos prantos no celular. — Thaís está em apuros, pessoal.

Raul ligou o furgão na mesma hora, com um ronco ensurdecedor. Ele acelerou a van preta em direção a pista e o automóvel voou pelas ruas quietas do Recife. Eles estavam a apenas duas ruas da ponte Duarte Coelho, ao qual a loira se encontrava caída ao chão. Dentro do automóvel, Natanael buscava no celular os rituais mágicos que poderiam ajudá-los naquela situação.

O ronco da van chamou a atenção da entidade, que preferia atacar as suas vítimas na calada da madrugada. Entretanto, aquilo não foi suficiente para impedir a sua investida. De fato, causou o efeito contrário. Agora ele estava decidido a atacar a vítima o mais rápido possível antes que a van se aproximasse. Thaís tentou ficar de pé, mas sentiu a mão gelada do Boca-de-Ouro segurar seu tornozelo. Uma sensação de arrepio atingiu a espinha dorsal da mulher. Era como se sua energia vital estivesse sendo sugada pelo ser monstruoso. O rosto de Thaís ficou pálido e ela usou todas as suas últimas forças para gritar.

De dentro da van, Raul respondeu ao grito pisando ainda mais no acelerador. O automóvel literalmente voou alguns centímetros ao atingir a ponte na direção do ataque. Natanael permaneceu concentrado no celular, repetindo alguns encantamentos em latim para decorá-los o quanto antes. Na parte de trás, Eduarda segurava o notebook com força, tentando encontrar onde diabos havia se metido Carlos naquela hora crucial.

A criatura gargalhava quando foi atingida pela van. A imagem do Boca-de-Ouro tremulou com o impacto e desapareceu enquanto o automóvel parava com uma freada brusca. Raul desceu do furgão quase no mesmo instante, correndo em direção a Thaís que estava pálida, mas ainda respirava com dificuldade.

— Eu vou te tirar daqui, gata.

— Raul… E-Eu estou com frio.

O homem pegou Thaís pelos braços, delicadamente, e caminhou até o furgão. De repente, a porta da carona abriu e Natanael desceu com a cara transtornada.

— O que você acabou de fazer?

— Salvei a vida de Thaís, seu otário. Dá para calar a boca e me ajudar.

— Você realmente achou que podia matar um fantasma atropelando-o com um furgão?

— Ele não está mais aqui, não é?

Nataneal balançou a cabeça ainda contrariado, mas não respondeu nada. Salvar Thaís era a prioridade no momento. O rapaz puxou a porta de trás do furgão, onde pretendia deixar a lutadora descansando, e viu Eduarda sentada com o seu notebook na mão. A garota parecia estranha, com os braços cruzados e a cabeça abaixada. Seu corpo sofria espasmos de frio.

— Eduarda, aconteceu algo? — Nataneal perguntou desconfiado.

Ao erguer a cabeça, os olhos de Eduarda estavam totalmente pálidos. Ela abriu um largo sorriso.

— Tu tem fogo?

Do outro lado da ponte, próximo a Praça da República, Carlos realizava a sua função alheio a todo o desdobramento desastroso do plano: colocar câmeras nos postes de ruas próximas a Ponte Duarte Coelho. Restava apenas uma última câmera ao qual ele analisava o melhor local para pendurá-la. Usava uma abraçadeira de plástico para fixar os equipamentos. Ao todo, teriam 4 câmeras dispostas nas ruas paralelas ao qual o furgão estava. Assim Eduarda seria capaz de observar caso houvesse algum transeunte próximo capaz de atrapalhar a operação.

O plano era bastante simples: Thaís passaria a noite em bares locais no Recife Antigo, bebendo e tendo uma experiência boêmia. Quando a madrugada caísse, ela teria que andar desprevenida e sozinha até a ponte Duarte Coelho, onde o Boca-de-Ouro atacava. Então, teria que correr para a Praça da República, em que Natanael já havia iniciado um ritual para prender a entidade. A captura se daria por um sugador de almas, mecanismo criado por Carlos para aprisionar fantasmas endiabrados.

— Ali! Eduarda vai adorar esse ponto.

O rapaz caminhou até um poste e prendeu a câmera com as braçadeiras, fazendo dancinhas de vitória na frente da câmera, na esperança de estar sendo gravado e visto por Eduarda naquele exato momento. A essa altura, Thaís já devia estar correndo como uma louca pela ponte em direção à praça. Tudo sob controle.

Seria a hora de voltar para o furgão, se Carlos não estivesse escutado um barulho estranho. A madrugada estava silenciosa, qualquer ruído seria capaz de chamar a atenção do universitário, até mesmo o farfalhar de folhas movidas pelo vento. Mas aquele barulho não fora por uma causa natural, pareciam passos. Carlos olhou para a Rua do Imperador, onde um vulto sumiu adentrando na escuridão.

O engenheiro agiu por impulso: correu desenfreado naquela direção. Os postes pouco iluminavam as vielas, mas ele era capaz de ver o vulto de uma pessoa correndo à frente, provavelmente vestida com um sobretudo preto. O desconhecido atravessou mais uma rua. Carlos não iria deixar aquela pessoa desaparecer, desatou-se a correr com toda as suas forças.

— Ei, espera aí! Eu juro que não sou tão feio assim!

O estranho dobrou uma esquina, sumindo do campo de visão do engenheiro. Carlos apressou o passo ainda mais e fez o mesmo movimento, deparando-se com uma rua vazia. Ele olhou para direita, para esquerda, para frente… O suspeito podia ter ido para qualquer lugar, havia perdido seu rastro.

— Droga…

Ele caminhou cabisbaixo até a calçada mais próxima, sentando-se exausto. Respirou fundo e olhou para baixo, deparando-se com algo muito curioso no chão. Esticou o braço e pegou um pequeno pedaço de papel. Levou algum tempo para perceber que na verdade era um cartão de visitas.

— Joseph Almeida, detetive sobrenatural.

O rapaz mais uma vez olhou para os lados, tendo esperança do dono daquele cartão ainda estar ali. Ao virar o lado do papel, encontrou um endereço no rodapé. Curioso! Carlos se levantou, ainda pensativo, quando se deu conta que aquela rua seria a mesma em que o furgão deveria estar. E, se a van preta não estava mais lá, era porque alguma coisa dera errada. Ele então correu para a ponte Duarte Coelho o mais depressa possível, seus amigos estavam em apuros.


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