Amar Não Dá XP! escrita por The Nightmare


Capítulo 5
The End... Or Beginning?




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THE END… OR BEGINNING?

O trajeto até o shopping era, acima de tudo, uma viagem por entre várias histórias domésticas vividas por cada uma daquelas ruas. Continham partes dele, retalhos que, mesmo passando mil anos, ainda seriam uma fração de um ser seu que deixara para trás. 

Alex podia ver o tombo que deu enquanto brincava de pega pega com Tobias indo no Mercado Público no terminal de ônibus da Alberto Bins; o dia em que precisaram se controlar para não gargalhar da cantora corpo de ripa com voz de motor de carro engasgando no semáforo da Salgado Filho; quando testemunharam a briga de duas senhoras por conta da última caixa de remédio para pressão em uma farmácia perto da Duque de Caxias. Se o ser humano é constituído de memórias, tinham um verdadeiro álbum. Mais de um até. 

Como podiam lembranças tão simples emanarem uma força tão intensa? Deixavam a pureza da infância um pouco de lado para virar… outra coisa. Que coisa? Era difícil, sentia-se de mãos amarradas, colocando todas as suas expectativas em cima de um destino que muitas já havia lhe aprontado em uma mísera semana. 

Mesmo com Jorge sendo parte da punhalada no peito, sabia que uma razão tinha para ajudá-lo a sair daquilo. Queria seu bem mesmo sem que se desse conta. Compreendia-o mais que muitos adultos à sua volta, tanto que sequer se atreveu a dizer uma só palavra o caminho todo. Não era hora de fazer a brasa subir. Sorriu. Podia até ser um idiota, mas era seu irmão idiota, consigo até mesmo num momento tão cheio de incertezas quanto aquele. 

Quando a chave do carro foi girada, desligando assim o motor, surgiu dentro de si a necessidade de dizer algumas palavras ao mais velho. Podiam ser curtas, mas que fossem verdadeiras, como sempre a relação de ambos foi. 

— Olha só…

— Fala, pirralhinho — respondeu o mais velho enquanto tirava o cinto e virava sua atenção ao carona. 

Esboçou um sorriso singelo, estendendo o punho para dar um cumprimento de soco. 

— Valeu. Por tudo. 

Sem pensar duas vezes, o mais velho retribuiu o gesto com o mesmo sorriso com o qual tinha sido agraciado. Saber que era o porto seguro daquele ser que viu crescer e se tornar alguém de caráter cristalino era a certeza de ter cumprido a missão dada por sua mãe quando, aos sete, esta chegou em casa com ele em seus braços e pediu para ser o herói do pequeno.

E foi. Sabia disso. 

Nunca lhe passou pela cabeça a hipótese de precisar vê-lo sentir essas emoções tão distantes daquilo que se espera de um menino, precisando enfrentar os próprios demônios numa idade onde apenas deveria curtir e se divertir. Vendo-o inseguro, mas, ao mesmo tempo, buscando forças para tentar não se afogar no mar de dúvidas, era o que precisava para saber que Alex se despedia da infância com a valentia de um adulto. E não podia estar mais orgulhoso.

Ao descer do carro, foram dando passos discretos pelos corredores do shopping. Alex ditava o ritmo. Afinal, a coisa toda era sobre ele e Tobias. Jorge não se sentia no direito de acelerar o passo só para dar de cara com algo que em nada mudava sua vida. Limitou-se então a passar os olhos pelas vitrines, comentar o preço absurdo de fones de ouvido bluetooth, e tudo mais que passasse o tempo até que o menor se sentisse pronto para chegar no quiosque do açaí. 

Claro que, inevitavelmente, o percurso chegou ao fim minutos depois. E lá estava Alex em frente a Tobias, quase uma semana depois de todo o mundo que conhecera mudar de forma. Tantos pensamentos, tantas dúvidas, mágoas, transformadas em pó, como se tudo se respondesse apenas com o sorriso dado pelo irmão de Lily tão logo seus olhos fitaram a camiseta que usava. 

As bochechas do garoto alvo daquele olhar começaram a virar uma panela de óleo quente. Uma coceira em sua nuca começou a surgir, fazendo com que suas mãos, já dando os primeiros sinais de suor, arranjassem o que fazer. Tobias e a irmã se aproximavam deles e a sensação do coração saindo pela boca só aumentava. Podia ouvir as batidas dele perfeitamente. 

— Viagem de São Paulo — o garoto de pele cor negra clara foi pontual ao recordar — Te dei essa camiseta maior porque… queria que usasse ela por mais tempo. Assim, ia se lembrar de mim sempre depois que eu me mudasse. 

Com a aproximação, Alex também se viu pego de surpresa por um objeto preso na camiseta verde folha usada pelo outro. Um bottom, com Luffy, personagem de um desenho, em sua famosa esticada de braço cobrindo todo o objeto. Um flash surgiu em sua cabeça como um feixe de luz.

— Aniversário de oito anos — replicou, apontando para o adorno — Te dei de presente. Foi na garagem da casa dos teus tios e toda decorada de One Piece… 

— Era nosso anime favorito. Te lembra? — foi a vez da pele do rosto de Tobias esquentar. 

Sequer conseguiu dar a resposta em voz alta. Precisou pedir ajuda a sua cabeça para que balançasse em sinal positivo, caso contrário nem imaginaria se poderia sobreviver a tal fala. Os irmãos de ambos apenas se encararam, com sorrisos cúmplices, tendo partido de Lily a iniciativa de arranjarem uma mesa e irem pegar já as respectivas sobremesas. 

Sentaram um em frente ao outro, ainda que seus olhos evitassem se encontrar num primeiro instante, sobretudo quando os mais velhos lhes deixaram a sós para fazerem os pedidos. Alex sabia direitinho qual assunto queria tratar, tendo um roteiro pronto em sua cabeça para qualquer possível resposta vinda por parte de seu amigo de infância. 

Só que dar de cara com o objeto circular pendurado em sua camiseta após tantos anos deixava-o com menos vontade de falar o que quer fosse. Queria voltar aos tempos onde eram dois meninos serelepes fazendo bagunça na casa dos pais, fosse brincando com slime ou tentando virar fases de Super Mario. Tempos tão tenros, aquecidos pelo carinho mútuo. 

O tempo passou. E não eram mais duas crianças. Nem o sentimento era mais o mesmo, ainda que para um deles isso não fosse algo que se entendesse jogando ou fazendo piadas. 

— Muito louco pensar que tu se mudou, sumiu e voltou tão… diferente — foi o máximo que conseguiu dizer enquanto suas mãos coçavam sua nuca, talvez na espera de tirar da cabeça o mexerico todo de dentro dela, pondo fim aquela tensão — Não tinha teu zap, não me chamou no Feice…

— Eu… queria te chamar, mas… tava tudo muito confuso… — o outro repetiu o coçar, mas da mão esquerda com o braço direito — Se te chamasse, ia ter que falar daquela história das cartinhas que meu pai achou e… tinha medo. 

Alex ergueu a sobrancelha, encarando com um ponto de interrogação estampado em sua testa. 

— Teve haver com aquilo? — Um tom de surpresa na fala se fez presente — Bah, mas eram só umas folhas de papel com umas palavras meio de bichinha. Por que teu pai não gostou? Eu mesmo te pilhei pra escrever e entregar! 

O rosto de Tobias ferveu como uma chaleira de água prestes a ebulir.

— Tem certeza que não sabe o porquê? 

Alex precisou de dois minutos até sua ficha cair. Foi só refazer o percurso, as últimas conversas, os fatos que vinham se sucedendo e a resposta ficou mais clara que dia de sol. Como o “amigo”, seu rosto foi sendo alvo do efeito pimenta-do-reino. Poucas pessoas na face da terra conseguiam fazer seus neurônios ficarem tão boca aberta quanto ele fazia com uma simples pergunta. 

Fosse qual fosse a simpatia usada por ele, estava dando certo. Conseguiu uma façanha sequer alcançada pela loirinha das pintinhas na bochecha, sua colega do ano anterior e sua crush nas horas vagas. Podia ser a forma como as palavras saíam como um rio fazendo seu percurso, ou o olhar florido que lhe deu desde o encontro anterior… Algo nele despertava algo em si. 

Agradeceu a cada um dos seres protetores dos garotos confusos quando Lily e Jorge retornaram com uma bandeja e dois copos de açaí em cada uma. A boca cheia de sua sobremesa com cobertura de leite condensado, doce de leite e morangos picados seria a desculpa mais perfeita para se manter distraído. Até mesmo Tobias pareceu grato pela chegada! 

Lily e Jorge sentaram frente a frente, na ponta, ao passo que seus respectivos irmãos fizeram o mesmo, só que mais para o canto, ficando de início apenas espectadores daquelas conversas cujo sentido sabiam que entenderiam apenas anos mais tarde. Quando se deram por conta do escanteio absoluto onde os menores se encontravam é que acabaram incluindo-os na roda de prosa. 

A irmã de “Sandy” foi quem deu pontapé inicial, querendo saber mais sobre como andava a vida na escola, se Alex continuava colando post-its na tela de seu computador toda vez que um trabalho novo era solicitado, se o sanduíche de frango desfiado com maionese da lancheria em frente a escola havia causado um aumento nos homicídios por dor de barriga… triviais, mas que, aos poucos, foram deixando-o à vontade para língua desenrolar e se expressar. 

E não foi a única a mexer os pauzinhos para o cenário mudar. Jorge também quis saber se Tobias havia parado de trapacear jogando Uno, ou se ainda criava avatares de acordo com nomes de personagens famosos dos desenhos infantis. A resposta, porém, foi dada entre uma olhada no irmão mais novo do outro e no próprio. Explicou o rapaz que, agora, preferiu adotar o nome de cantores que gosta, por achar mais seu estilo. 

Na mesma hora, como um carro de corrida em alta velocidade numa rodovia, uma dupla lhe veio à cabeça: Sandy & Júnior! Os dois embalaram, ao longo de vários domingos da infância, momentos de dança pulando em cima da cama e tentando emular as vozes dos cantores. Cansou de pegar Tobias cantarolando As Quatro Estações, sobretudo as partes da sua parte favorita da dupla: Sandy. 

Mais uma peça do quebra-cabeça, enfim, colocada! 

Caía de novo em todas as fases de uma vida inteira juntos onde nada, por mais bizarro que fosse, podia ter surgido apenas por um ou dois meses de conversa. Dia após dia, momento após momento, uma semente era plantada. Mesmo sem que soubesse, mesmo sem que pudesse optar se a queria lá ou não. Lá estava, com raízes sólidas dentro de si, aparência duvidosa quando comparada ao que imaginava, mas era sua. Sua e… dele. 

Ao mergulhar na nostalgia, Alex, enfim, podia ver o raiar de sol iluminando seu breu caminho. Os anseios, confusões e falta de explicações findavam cada vez que o cheiro de infância voltava para lhe tomar o pulmão. Era um remédio natural contra a insegurança, que, por hora, lhe fazia muito bem. Tanto que sequer disfarçou o sorriso nos lábios após ouvir a resposta do garoto a seu irmão. Um carinho dado em sua fera interior, mas que, por conseguinte, acabava fazendo no outro também. 

O papo foi desenrolando assim por mais de meia hora. Risadas, revelações constrangedoras e fofocas não faltaram na diversão do quarteto. O tricotar não somente fazia com que se reconhecessem após alguns anos de distanciamento, como também quebravam os nervos, sobretudo de Alex, espantando aquele tsunami vindo a galope. 

Conseguiu até mesmo conversar com Tobias sobre coisas da escola, a promessa de ganhar um Nintendo Switch caso as médias se mantivessem até o fim do ano e a descoberta de um anime chamado ZatchBell. Conversas triviais, as quais se deu por conta de nunca ter mencionado durante os meses pregressos. Parecia que, sabendo agora de quem se tratava, conhecer os gostos ficava mais fácil do que ouvir algumas palavras por uma ligação de voz. Estava na cara agora o porquê de Sandy ser tão consigo.

Quando os assuntos começaram a findar e os momentos de silêncio a querer dominar o espaço, foi a hora onde Lily sugeriu que dessem uma passeada olhando as vitrines, curtir um pouco aquele finalzinho de uma semana cheia de muita emoção. Todos consentiram. Para Alex, era ótimo ter alguma razão para dizer que não deixou sua rotina ir pelo ralo a toa. Aquele dia de glória derrubava os de luta, algo o qual devia ser celebrado. 

Os mais velhos abriam caminho, indo poucos metros à frente dos irmãos caçulas, distraídos com mais risadas e assuntos os quais nem mesmo Alex, de olhos atentos às encaradas pouco discretas do outro a irmã de Tobias, conseguia saber direito para poder zoá-lo mais tarde. 

Apenas uma delas, tanto ele quanto o “amigo”, puderam sacar na hora: em dado momento, quando Jorge chamou pelo nome da moça sob pretexto de fazê-la observar relógios e jóias na vitrine de uma ótica, aproveitou a deixa para segurar “sem intenção” a mão dela. O menor não pôde deixar de dar uma risada interna enquanto chamava-o de cara de pau. 

Inevitável foi se lembrar dos planos em torno da ida ao shopping, conquistada a tanto custo, cuja certeza de algumas coisas o fizeram criar mil e um cenários dos mais variados e com diversas formas de culminância. Em um deles — de sua maior preferência — assemelhava-se muito a Jorge e Lily, pois andaria com as mãos mais cheinhas da garota entrelaçada a suas, tomariam sorvete, ririam, se divertiram, para, na despedida, entender o que seus colegas viam de tão interessante em beijar alguém. 

As figuras mudaram. Mas… E os planos? O que faria com eles? 

Seus olhos, por um instante, procuraram os de Tobias para tentar ver dentro deles uma resposta. Ao notar que estava sendo fitado, o garoto negro retribui com olhares de mar sereno, com aquele mesmo sorriso, sempre estampado no rosto.

— Como é estranho lembrar de como eu pensei que seria… e ver agora —— comentou o menor, ainda observando o outro — É diferente, mas parece tão… igual em algumas coisas, sabe? 

— Eu entendo — garantiu o maior, coçando seu braço enquanto andavam — Tava pensando a mesma coisa. 

— Sério? 

— É, tipo, meio óbvio lembrar — explicava — Aquelas mãos e aquele corpo que te falei já foram meus, só não eram… de uma guria. E mesmo assim, tu queria “me” conhecer… Pareceu um bom sinal, não acha? 

Alex concordou, com rosto rubro de uma maçã. O que havia fisgado era tão mais quem era do que o que era propriamente dito, então, achava que quando chegasse o momento e seus olhos se pusessem sob a mesma, veriam a beleza de seus pensamentos personificada nela. Alta, baixa, gorda ou magra… Quem se importava? Sua delicadeza e gentileza a transformava na melhor! 

Ora, se pensava assim, então… elogiava Tobias? Sempre o mesmo problema. O ponto era aquela pergunta surgir em frente a ele, e, junto dela, se deixasse inundar pelas certezas, capazes de arrematá-la. Tudo era certo, tudo era sim, tudo era porque era e ponto final. Quando havia caído naquela teia de sentimentos tão confusos sem que ninguém lhe preparasse para tal? Descobria sozinho os próprios caminhos e, nem sempre, estavam tão iluminados.

— É… — coçou sua nuca — Tipo, quem não ia querer conhecer a guria que derrotou um boss level 40 estando no 7?!

O maior riu como uma criança. 

— Só que “ela” não era “ela”, né? 

De fato. Aquela, até então, fora a pior das descobertas. A que abriu maiores cicatrizes, as quais nem sabia que eram capazes de um ser humano possuir. Olhando as feições dele, frente a frente, porém, era como, no meio de um lamaçal, enxergar uma nascente de água fresca. Não seria o suficiente para entender tudo o que aconteceu, mas, ao menos, um pouco de sua sede por compreensão já seria suprida por algum tempo. 

— I-isso… não quer dizer que… não tenha valido a pena… sabe… 

Foi o máximo que seu peito, ainda apertado e com cadeados sufocando suas palavras, conseguiu botar para fora. Sabia o que tinha vindo ali para dizer. Sabia o que sua parte racional queria e precisava fazer. No entanto, o efeito de cada uma das palavras ficou evidente no sorriso ingênuo e delicado esboçado no outro. E isso o desarmou.

Sua pele parecia mais radiante, sua cabeça tentava esconder aquela alegria, num reflexo de que compreensão de um mundo nada bom para garotos como ele. Mesmo assim, entre as grades daquela prisão externa, surgiam evidências da felicidade, os pulos e gritos de alegria deste e não aguentou não sorrir junto. 

Mesmo que aquele momento pudesse pôr fim a algumas das dúvidas que existiam dentro de sua mente, por uma infeliz tristeza, nem todas seriam contempladas. Uma em específico rondava sua mente desde a call da semana anterior, com aquele tom sinistro e nada próximo das gargalhadas dadas por horas juntos. 

— E aquela história da tua escola, hein? Como ficou aquilo? 

Só então, aquele sorriso foi perdendo força, ficando mais fraco. 

— A gente precisa falar disso agora? — perguntou, encarando o menor. Tinha feições de quem sabia que enfiaria a mão dentro de um vespeiro.

Foi então que Alex, munido da cautela de quem está para ter em mãos uma taça de cristal, levou sua mão até o ombro do maior, fazendo-o parar, ainda que os irmãos seguissem sem se dar conta de sua parada. O mundo e os outros podiam esperar alguns minutos se fosse necessário para fazer esclarecer uma dúvida de tamanha importância. 

— Por favor… — sua voz saiu trêmula como a de alguém que vê uma assombração, junto de um olhar súplico de respostas. 

Um leve suspiro, mais em torno do cansaço só de lembrar de tudo do que propriamente da ação, foi dado antes de começar seu relato à medida em que seus passos tornavam a acompanhar os dos respectivos irmãos. 

Aparentemente, há semanas que seus colegas — e até alguns rostos masculinos de séries acima da sua — pareceram ter pego gosto por aporrinhá-lo. Um tossia ‘bichinha’, outro ‘viado’, isso quando não se esmeravam em gestos obscenos que lhe causavam tanta repulsa quanto desejo de voar em seus pescoços. 

Matava aquilo tudo no peito. Calado. No mundo real, pelo menos. Não por medo, mas sim, falta de opção. Quem lhe defenderia? Os pais que o faziam ir a jogos de futebol para ter referências masculinas? Seu único escape eram as conversas com Alex, onde, em um ‘Oi’, já sacava algo de estranho. 

O fim da picada foi quando descobriram seu avatar em uma manhã, logo que seus pés adentraram o prédio da instituição, e rapazes do nono ano resolveram praticar aquilo que sempre denominavam de “brincadeira”. Num sopro, tomaram-lhe o celular que, por estar desbloqueado bem na hora em que iria visualizar uma mensagem justamente deixada por Alex no dia anterior,  acabou entregando a história de Sandy. 

Ali começou o calvário real. 

Todo dia um rosto de garoto novo que, em tom mais diabólico possível, perguntava se a “gatinha” não queria dar uns beijinhos enquanto se esfregava naquilo. Até que em um desses momentos o sapo não desceu a garganta. Tobias vomitou uma série de infâmias, várias das quais era também erroneamente acusado. Logo após receber o “convite”, perguntou ao seu agressor se não queria perguntar ao amigo atrás dele, um moreno alto e forte para idade, já que ele pareceu gostar quando lhe chamou de gatinha gostosa no chat do jogo. 

Verdade? Não. Assim como as falsas eram cada uma daquelas atitudes. Achou, no fim das contas, que ficaram quites. 

Alex não conteve a risada. Achou bem feito ao idiota. Não havia circunstância no mundo que lhe convencesse de que Tobias merecia aquilo. Mesmo chateado na hora por julgar ter sido enganado, conhecia-o bem demais para uma atitude de nível tão medíocre. Ainda mais depois de saber que seu filme de terror não terminava ao entrar pelo portão de casa…

Compartilhando o pensamento com ele, ouviu uma concordância de sua parte. 

— Mas isso não quer dizer que não doa, né? — ponderou — Só queria ser deixado em paz e ser feliz. Acho que não tô pedindo muito, poxa…

O irmão de Jorge não podia ignorar o fato de também haver lógica no pensamento do outro. Lembrou-se, de novo, da figura do copo, resistente a altas e baixas temperaturas, mas incapaz de aguentar o impacto contra o chão. Tanto fardo em cima de ombros tão novos quanto os dele só podia mesmo deixá-lo sem prumo. Uma dor a qual não deveria existir, nem ao pior dos seres, pois tirar o direito de existir ou condená-lo por tal lhe soava um crime cometido apenas por existências vazias.

Foi pensando nisso que, novamente, a mão de Alex  encontrou fôlego para ir ao ombro do garoto ao seu lado. 

— Agora ‘tamo junto de novo, esqueceu? — sorriu, esperançoso — Coitado do idiota que mexer contigo…

Tobias sentiu uma coisa dentro de si. Algo bom. Como uma grande comemoração de aniversário, onde toda a felicidade é celebrada inteiramente para si. Ou uma festa de São João, cantando e dançando em torno da fogueira de chama alta e vívida. Era a primeira vez, desde quando se encontraram juntos no mesmo esquadrão no jogo, que seu coração palpitava mais que de torcedor em copa do mundo.

A aura do menor, de um resistente e valente soldado, lhe trazia o conforto de estar em um sofá, enrolado em um cobertor e uma xícara de chocolate quente em um dos piores cenários de inverno característicos do Sul. A fagulha, cuja primeira faísca ascendera logo nos primeiros momentos juntos no primeiro ano de escola, tomava forma bem diante de seus olhos. Duas almas predispostas a se encontrarem para, quem sabe, fazer valer algo maior do que podiam entender naquele momento tão tenro. 

Alex tirou a mão do ombro de Tobias tão logo lembrou-se de algo muito importante: que não tinha o contato salvo para mandar mensagem! Afinal de contas, nem que fosse em respeito a memória de tudo já vivido, tê-lo em sua lista de contatos era o mínimo. Entretanto, sabia que não era mais só pelo passado.

O garoto de pele cor de areia molhada ditou número por número de seu telefone, sorrindo ao fim quando percebeu-o sendo salvo pelo nome de “Sandy S2”. Seu sorriso era o espelho fiel do que seu coração experimentava. Pediu por uma chance ao universo, realmente, tinha valido a pena. 

— Quem diria que amar dá XP, né? — brincou, coçando a nuca enquanto um riso bobinho saía de seus lábios — É só achar o Player 2 certo! 

— A-amar?! — as bochechas brancas de Alex queimaram por inteiro. 

Parados em meio aquela multidão a seu entorno, e, mesmo assim, sem ninguém em volta. Todas as luzes, vozes e vultos se anularam. Apenas o som de suas próprias vozes e pensamentos batiam por cada uma das vitrines e ecoavam por cada espaço ali. Um novo e discreto sorriso, por fim, surgiu no canto dos lábios do maior, irmão de Lily, antes de responder. 

— É… amar — pontuou, enfim, antes de voltar a seguir seu caminho, com as bochechas tão em chamas quanto as de Alex. 

O moreno precisou de alguns instantes ouvindo aquela palavra voltar e voltar, até que tomasse mesmo alguma forma. 

Amar

Para a mãe, um abraço e um beijo de ‘te amo’. 

Para o pai, ver o time rival cair em desgraça abraçado ao filho.

Para a avó, aquele 1 real dado às escondidas, um pedaço de bolo de cenoura com chocolate e muito carinho.

Para o avô, poder contar seus causos e histórias de vida comendo bergamota numa tarde de inverno. 

Para seu cachorro, lambidas, latidos e carinhas felizes. 

Para a professora de português, um verbo regular no infinitivo não conjugado.

E para ele? O que era amar? 

Foi voltando a passos de coelho até o lado de Tobias, tentando decifrar mais esse mistério. Como aquela palavra podia ser tão fácil de falar, mas difícil de entender? Partiu, então, do pressuposto, de que todas as figuras partiam de um único ponto: Amar vinha de amor. Outra palavra fácil, que sai da boca mais limpa ao coração mais sujo. Mas só podia estar ali o que procurava, então, o que era amor? 

Seus olhos miraram então a frente, percebendo o entrelace das mãos de seu irmão com a irmã de Tobias, com um sorriso eletrizante em seus rostos, demonstrando não apenas o físico, como o interno. Lembrou de ver esse sorriso também na mãe toda vez que vai bem no colégio, ou do avô quando faz uma pergunta durante sua contação de histórias, do pai quando quer saber o nome daquela música antiga tocando no rádio… 

Gestos. Só podia ser isso! Amar é o amor em gestos! 

Virou sua atenção então a Tobias, distraído observando as vitrines também — na realidade, disfarçando muito mal, inclusive percebido pelo próprio Alex, que pôs-se a rir no seu íntimo. Havia brigado, conversado, implorado, chorado e se ralado muito por ele. Mesmo em outras circunstâncias, palavras… Demonstrou. Estava lá, há muito construído. Algo que nem mesmo uma revelação bombástica conseguiu destruir. 

Era hora de dar aquela figura, cuja presença uma semana antes o fez entrar em parafuso — e ainda estava, mas com alguns deles achando seu lugar de volta — mais uma prova de que sua companhia não só era bem quista, como desejada.

Sem se atrever a olhar o reflexo do que iria fazer, aproveitou o longo corredor do shopping e encontrou um ponto fixo para encarar. Fitou-o e respirou fundo. Sua palpitação imitava um enredo de escola de samba, as mãos suavam frio e os joelhos queriam dar defeito. Mas agora, seguiria em frente. Não podia voltar atrás. 

Levou seu corpo mais próximo ao do garoto. Sua mão direita, tão trêmula quanto um cãozinho assustado, foi encontrando o caminho para encostar — e apenas isso — na pele de seda da mão esquerda de Tobias, indo de um lado para o outro, como se pedisse por um carinho. Os olhos do irmão de Lily quase pararam na Lua com tal feito. 

Seus rostos, como só haviam de estar, tornaram-se pimentões maduros. Assim como o irmão de Jorge, o outro também achou melhor que as palavras e os pensamentos ficassem para outra hora. Aproveitar aquela explosão de carnaval e ano novo dentro do peito já estava mais do que perfeito. E assim seguiram seus passos, de mãos se encostando, mas de almas abraçadas. 

Se amar eram gestos, agora tinham o seu. 

Podiam já subir de nível, pois amar dá XP.

 

“HEHE, I GOT IT!” - MARIO, Super. Mario Kart 64. Nintendo Entertainment. 1996


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Notas finais do capítulo

E cá chegamos ao último capítulo!
Espero, de coração, que tenham curtido essa viagem doida tanto quanto eu!
Abração e nos vemos por aí! ♥



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