Amar Não Dá XP! escrita por The Nightmare


Capítulo 1
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Não havia um só minuto em que as pernas de Alex não desejassem desesperadas um banco para se sentar. Os movimentos rápidos e sucessivos que faziam pelas ruas de Porto Alegre, almejando chegar em casa, quase davam a impressão de que quebrariam a barreira do tempo-espaço e viajaram por aí como um verdadeiro super herói. Infelizmente, não seria o caso. 

Não estavam sozinhas. As gotas de suor pela testa, os músculos contraindo e relaxando como uma mola acometida de AVC, os pulmões implorando por socorro e oxigênio… O combo do caos. Ainda sim, na cabeça de um garoto de treze anos, esperar meia hora em um ponto de ônibus em dia de partida com pontuação em dobro era pedir para ser noob. Valia a pena o sacrifício.

Foram quase dois quilômetros de suplício, mas, ao fim, a primeira batalha daquele começo de tarde havia terminado. A casa cor creme, sem um único som, como de costume naquele horário, abrigou o corpo cansado do pré adolescente, guiando-o para a cozinha a fim de dar jeito de esquentar a comida feita pelo pai na noite anterior. Fazia esforço para ir o mais ligeiro possível a fim de ficar livre de uma vez para o que realmente lhe importava: a partida do jogo That’s All Fantasy!

Engoliu em sete garfadas generosas o strogonoff de carne. Lavou e secou o prato, copo e talheres num estalo de dedos, só para dar uma nova corridinha ao seu quarto, ligar seu notebook e rezar para ter dado tempo. Os dedos inquietos em cima da escrivaninha aguardavam afoitos pela ação completa do aparelho ligar, ainda que este estivesse sem pressa alguma. Alex tirou da mochila azul marinho o celular: meio dia e quarenta e cinco minutos. Pouco tempo restante, mas alguns créditos ainda conseguiria obter tranquilamente caso a coisa andasse mais rápido.

O notebook acabou de ligar eram exatos meio dia e quarenta e oito minutos. Fato inédito que fez o garoto de cabelos castanhos escuros questionar se havia algum ser no universo de sacanagem consigo. Para ajudar, errou a senha de login duas vezes, o que lhe fez dizer tantos palavrões quanto sua cabeça foi capaz de pensar. Depois de cinco minutos desesperadores só para entrar no jogo e, em seguida, em call com Sandy, sua ‘parceira de crime’, foi só focar nos Highbots e como detê-los a tempo.

Sequer se deu o trabalho de dar ‘boa tarde’ à menina, como sempre fazia. Encontrou um cenário de caverna em tons de roxo e azul escuro que gotejava sem cessar, e vários Highbots atacando outros players sem dó nem piedade. Não perdeu tempo: escolheu sua Golden Angel’s Archery para seu avatar e passou a atirar contra qualquer um dos seres que emitissem a risadinha digna de palhaços assassinos. 

Logo de cara, atirou em seis deles, todos em tons vermelhos e design semelhante ao de um besouro sobrevivente a Chernobyl. Dando mais alguns passos, precisou desviar depressa para não ser pego por outro, da cor roxa e mais semelhante a uma barata metálica, a qual usava suas garras largas e afiadas para atacar um pobre avatar azarado. 

Escondeu-se atrás de uma rocha, aguardando o melhor momento para sair dali. Podia ouvir as flechas, lasers, risadas dos vilões, gritos dos avatares ou falas deles e tudo o que era coisa naquele caos instaurado. Alex respirou fundo antes de se levantar e partir para a cena e tentar alcançar alguns pontos que fossem, afinal, oito minutos lhe separava do fim da rodada especial. 

A mira do arco e flecha dourado procurava por um Highbot especial. Matou mais alguns vermelhos e dois azuis, mas nenhum ainda que fizesse grande diferença. Foi quando, ao entrar mais a frente no campo de batalha, encontrou um cinza tentando encurralar três jogadores em um canto. Deu um sorrisinho de canto de boca. Era ele.

Correndo com o avatar, precisou matar mais alguns verdes, azuis e vermelhos pelo caminho, além de desviar dos tiros lançados por ali, afinal um deles lhe tiraria de circulação. Se aproximou quando a fera - um louva-deus de olhar cintilante, cor acinzentada e dono de um ruído de implodir os tímpanos - começou a atirar suas flechas bem em seu rosto, fazendo sua atenção se virar toda para si. Seu ruído de raiva ecoou por seus fones de ouvido tão rápido quanto as garras dele virando na tentativa de lhe estraçalhar. 

Deu alguns passos para trás quase que por impulso, e assim continuou enquanto seguia com as flechas douradas sendo atiradas e diminuindo o nível de vida do bicho. Só parou quando, sem perceber, se viu em um beco da gruta e com apenas duas flechas restantes. Observou o nível de danos e ainda faltavam mais cinco para que ele se desse por vencido. Suas mãos começaram a suar frio enquanto viam a garra levantar para terminar o serviço.

PLAFT!

Um som vindo por trás chamou a atenção do inimigo. Tratava-se de Sandy e sua arma laser nível 12, atirando contra e derrubando seu nível de danos justamente para os dois restantes que consagrariam os pontos de Alex. Sem perder tempo, logo tratou de atirar as duas flechas nas fuças do bicho e aguardou a luz terminar de dar fim a ele, e com isso os pontos por danos serem distribuídos entre ele e a sua parceira. 

No mesmo instante, o tempo de bônus extra se encerrou, garantindo ao rapaz 40 mil pontos quase de graça, coisa que levaria uma boa leva de partidas em condições normais a conseguir. Satisfeito por completo não estava, mas ao menos pôde ver seu level aumentar um pouco mais. O saldo foi positivo. 

— De nada pela ajuda, mal educado — a garota falou saírem do campo especial e retornarem ao principal do jogo. 

— Cheguei quase no fim de um dia épico! Dá um desconto! — suplicou — Boa tarde, então. 

Ouviu uma leve risada do outro lado da call

— Boa tarde, Alex. 

X Machina — corrigiu — Estamos jogando, lembra? 

X Machina. Pronto. Resmungão.

Deu uma risadinha. Era incrível como Sandy — ou fosse qual fosse seu nome real — tinha o dom de fazer com que seus ombros ficassem mais leves em questão de meia dúzia de palavras, sendo assim desde as primeiras mensagens que trocaram. Um vínculo que fazia com que se compreendessem com uma palavra, e até com os poucos gestos demonstrados no jogo.

Da menina, conhecia apenas duas coisas: seu avatar — o qual lembrava muito uma personagem de cabelos rosa de um certo anime de Hokage misturado com roupas que pareciam tiradas de uma turnê de Hatsune Miku — e sua voz fina, quase como se fosse um esforço para suas cordas vocais emitirem qualquer som, pois iriam se arrebentar. O resto era um enigma, exceto por seu coração. 

— E aí? Mais um dia comum na escola? — perguntou à moça. 

— Se tirar a parte daqueles idiotas me chamando de bola de basquete de novo… — sentiu em seu tom o peso de pensamentos que iam longe nas feridas abertas por momentos como aquele. 

— Bah! Mas tu ainda não deu um chute no saco deles?! — tentou brincar, arrancando meia dúzia de risos dela. 

— Idiota! Claro que não! Seria ser igual a eles…

— Não me importaria de ser igual a eles se fosse para ver esses retardados gemendo no chão feito bebês — deu de ombros — E também, tu sabe que… não é como eles. 

Alguns segundos de silêncio fizeram com que o garoto quisesse se jogar de um precipício por deixar as palavras pularem de sua boca. O sangue começou a se acumular por sua face de tal forma que agradecia a todos os santos por jamais ligar a câmera, ou com certeza Sandy pegaria no seu pé por meses a fio por sua cara de beterraba amassada. 

— Não sou? — a voz delicada dela tomou coragem e quebrou a ausência de qualquer fala enquanto seguiam lutando atrás de itens valiosos pelo cenário de um castelo abandonado. 

— Claro que não, ué! — tentou disfarçar com uma risadinha — Uma guria que podia amassar a cara deles só sentando com a bunda em cima e não faz não pode ser como um bando de macho demente. 

— Trouxa! — ouviu-se, mais uma vez, o doce som de sua risada. Aquilo era capaz de aquecer seu jovem coração em tantos níveis que sequer conseguia esconder o sorriso que se formava em seu rosto depois dela. 

Fazia algum tempo que umas falas jogadas aqui e ali entre as calls eram trocadas de ambos os lados. Alex nem se lembrava ao certo de quando aquela onda de pensamentos confusos começou a invadir seu cérebro, querendo mais espaços do seu dia do que aqueles voltados às táticas trocadas com colegas no intervalo das aulas. Queria ouvir sua voz, sua risada e até mesmo seus xingões quando ele se metia a besta. Cada um dos rasos pêlos escuros de seu corpo juvenil se ouriçavam ao tentar dar nome àquilo, mas sabia bem qual era.

As partidas seguintes foram regadas a muita prosa jogada ao vento. Prova de Matemática a qual Alex colou duas questões; o teste de educação física que quase fez Sandy ficar pelada em frente aos colegas; os planos do irmão de Alex para comprar uma moto mais velha que a pedra de um tio só porque é ‘única’, mesmo não dando sequer mais o arranque… Palavras bobas, mas que preencheram uma tarde da vida dos dois. 

E, como de costume, a hora não parecia ter pena de seu tempo juntos. Quando deu por volta das quinze para às seis da tarde, com o sol já dando os últimos sinais de ‘adeus’ naquele dia de inverno, foi quando Sandy anunciou que precisava sair, pois os pais já estavam chegando e a louça de meio dia estava lhe aguardando impaciente, só não mais do que sua mãe se chegasse e a visse lá. 

Alex não segurou o riso frouxo de sua boca ao ouvir aquilo. Conhecia bem o rosário de uma mãe enfurecida pela louça. Ainda sim, achava injusto. Algo dentro de si via aquelas horas tão curtas que sequer pareciam horas. Agiam mais como os segundos: apressados, desesperados para sumir e dar lugar ao próximo. 

Diante do infortúnio de ter de se despedir mais uma vez, uma única certeza precisava ter e somente Sandy poderia lhe dar: 

— E a ida ao shopping sábado? Tá de pé ainda, né? 

Nada. Sequer uma palavra durante os primeiros seis segundos após a pergunta ter sido lançada. Até que, movida por um impulso, apenas saiu de sua boca: 

— Beijo, Ale. Se cuida. 

Call desligada. E o coração ansioso do rapaz também.

Falavam da tal ida ao shopping desde quando descobriu, por acaso, a proximidade que morava dela: ele, um rapaz amante das lojas de games do Centro Histórico; ela, entusiasta das voltas no Iguatemi do Passo D’Areia. ‘Vizinhos’, disse ele ao descobrir. Desde então, entre fugas de assunto e “esquecimentos”, conseguiu fazê-la jurar por tudo que foi santo que seus olhos conheceriam os dela no sábado subsequente. 

Infelizmente, para si, foi a primeira e última vez que a misteriosa garota fez menção ao passeio. Sequer demonstrava a mesma ansiedade e entusiasmo com aquilo — ao menos não nas palavras. Começou a achar que partia apenas de si o interesse em vê-la, assim como também pensou que, se de fato era como se descrevia, talvez tivesse vergonha de se apresentar. 

Justo dele, o único da turma que não saiu dos treinos de beijo no espelho do banheiro. 

Era natural pensar na possibilidade dela também estar na mesma situação e, por tal, querer evitar passar vergonha caso a hora chegasse. Mas, ora, se gostavam um do outro, isso não podia ser um empecilho do tamanho da muralha da China! Não se conformava com qualquer explicação, por mais convincente que viesse a ser. Tinha aquele passeio como certo e nada no mundo lhe faria dizer o contrário. 

Perdido nesses pensamentos ficou até que três batidas na porta ecoaram até seus ouvidos. Acabou dando permissão para entrar, afinal não era difícil adivinhar qual das outras três pessoas residentes na casa batia na porta antes de entrar. Jorge o fez sem mais cerimônia e, notando o olhar desértico do menor, apenas pressionou o botão do notebook até que desligasse, o que, lógico, causou a terceira guerra mundial. 

— Cara chato! Custava ter esperado eu terminar a partida?! — Alex esbravejava enquanto se atirava em cima dos edredons de sua cama. 

— Tua hora de jogo já passou há bastante tempo. Nem vem me enrolar, pirralho! — o irmão mais velho jogava na cara, o que o fez revirar os olhos quase que instantaneamente — Aposto que os temas e os trabalhos tão todos atrasados, né?! 

— Não, mãe! — retrucou, irônico — Não tem nada pra casa. Os que tive foram só na aula. Tá satisfeito?!

O rapaz, sete anos mais velho, riu-se. Muito por ver um espelho seu de um momento ímpar — que nem fazia tanto tempo assim que ocorreu —  onde salvar princesas e derrotar vilões malignos era o ápice de um dia incrível. Encarou a tela escura do notebook do mais novo, preso ainda a recordações. A saudade bateu à porta e entrou sem esperar por resposta. 

— Sabe que, quando eu ainda curtia jogar esses joguinhos tipo o que tu joga, conheci uma mina que era muito a minha vibe, sabe? Mesmas músicas favoritas do Gun’s, mesma raiva por editoras de comics no Brasil… —  relembrava —  Até descobrir que essa “mina” era um paulista gay e gordinho. Bah, pensa num guri pistola… Era eu! 

Alex deu uma gargalhada de ser ouvida aos quatro cantos do mundo. O rosto virou um pimentão de tanto fôlego que perdeu imaginando a cara do mais velho descobrindo quem estava por trás de sua “alma gêmea”. 

— Devia ter ido atrás “dela”. Com certeza, já teriam uma penca de filhos nas costas! 

—  Ah, tá debochando?! E acha que eu não sei da “Sandy”? — revidou Jorge, com um sorriso de uma hiena nos lábios. 

Na mesma hora, Alex conseguiu ir recuperando a calma, mas apenas o suficiente para pegar seu travesseiro e jogar no outro sem dó nem piedade. 

— Pelo menos eu sei que é uma guria, ô bocó! —  mostrou a língua. 

— Sabe, é? Já fez chamada de vídeo? — atirou de volta o objeto na cara dele. 

— Converso todos os dias com uma voz fininha. Se isso é voz de homem, então eu sou um baitola! — outra jogada de travesseiro. 

— Voz fininha eu também faço, princeso! — mexeu o mais velho, afinando a voz de fato apenas para irritar o menor enquanto levava outra travesseirada. 

— Tu é muito otário, sabia? —  começou a bater no mais velho com o travesseiro — Eu já sei que ela não é nenhuma Gisele Bundchen. Já me disse isso e tô nem aí! 

— Ui, ele se apaixonou por uma botijão sobrevivente à guerra dos farrapos! —  Mesmo levando travesseiro na fuça, Jorge não se dava por vencido e implicava com Alex só para vê-lo assim. 

E assim ficaram por uns cinco minutos, com ambos rindo pelas palhaçadas e brincadeiras que apenas irmãos podem entender. Por mais ferroadas de palavras que se dessem — no melhor estilo toma lá, dá cá — nenhuma delas realmente machucava. Eram mais beliscões motivados apenas pelo prazer de atazanar um ao outro. 

Tanto que só pararam quando seus pulmões alertavam a necessidade de oxigênio entrando por suas vias aéreas. Seus corpos caíram um para cada lado, enquanto buscavam fazer os risos cheios de arte de criança sumirem de vez. Alex esticou seu braço a fim de pegar o pobre objeto do crime — um desengonçado travesseiro — e colocá-lo em seu devido lugar para, então, se encostar. 

Jorge também tratou de dar jeito, logo se pondo de pé enquanto seguia observando o caçula. Estar junto dele fazia a idade se transformar em números aleatórios na maioria dos casos. Porém, ainda se forçava a ser a mão em sua consciência quando se fazia necessário. E, ditado popular  ou não, prevenir sempre é melhor do que remediar. 

— Veremos ainda se essa ‘Sandy’ não tem a idade de um Matusalém tarado. Fica esperto, carinha! — preveniu, antes de bagunçar os cabelos castanhos escuros dele — Tem gente muito mal encarada por trás desses jogos. 

— Tu é muito nojento, na moral — riu o menino — Mas pode deixar que me cuido.

— Qualquer coisa, tô aqui, hein?! 

Um largo sorriso surgiu na boca do pré adolescente. 

— Te amo, seu chato. 

Outro em retribuição se viu por parte do mais velho. 

— Também te amo, pirralho. 

 Não era nenhum bobo em achar a internet um mar de alegria e felicidade. Sabia muito bem dos riscos desde quando o próprio Jorge configurou uma conta nas redes sociais para si, estando avisado de que qualquer palavra atravessada ou cheia de duplo sentido deveriam ser reportadas. Porém, Sandy não podia ser assim. Não ela. Seria azar demais. 

Se não existisse alguém no mundo que fizesse jus a avatar e sua criadora, então realmente os treinos no espelho do banheiro seguiriam por um bom tempo…

CONTINUA


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Notas finais do capítulo

Gostou? Deixa aquele review básico para fazer esse escritor feliz! hehehe
Abração e até semana que vem! ♥
(P.S - Foi postado na quinta essa semana pois amanhã é meu aniversário, mas as postagens serão ÀS SEXTAS!)



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