A missão escrita por camibsva


Capítulo 2
As cobaias




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A utilização de cobaias humanas nas aulas de Poções e Artes das Trevas foi, a princípio, um choque. Percebia-se o ar ultrajante de todos, até dos simpatizantes de Você-Sabe-Quem. Era de se perguntar, entretanto, como driblar o zelador e os comensais, socorrendo as cobaias do terceiro andar. A verdade é que nada teria sido possível sem a ajuda de McGonagal. Sabia que por trás de suas lentes claras e do roupão esmeralda a bruxa tremia a cada violência que não podia interromper, mas ela possuía a gravidade e a perseverança de uma líder, tão necessárias para nós, alunos abatidos. Uma gota de tranquilidade era vê-la ao mar do corredor principal, direcionando os alunos as salas corretas, expulsando qualquer comensal que ousasse interferir em seu serviço, fazendo com que sua sala fosse, além de lar do conhecimento, um refúgio.  

Minerva conhecia meu pai, e também conheceu meus esparsos, porém suficientes conhecimentos de socorro. Ela me julgou preparada para a missão, ainda que soubesse que se não me abençoasse, eu insistiria em meus desígnios. Assim, ao fim do primeiro dia de aula, visitei seu gabinete e iniciei a única maneira de ajudar nessa guerra.  

Para as cobaias alojadas no terceiro andar, levava comida, geralmente contrabandeada da cozinha, por alguns elfos dedicados a missão. Na cela escura ficávamos em círculo, geralmente em volta da luz do lampião, enquanto observava mãos rápidas e famintas tomarem os bolinhos, a água, tudo consumido em poucos momentos. Ficava invisível, abraçada aos meus joelhos, perdida na toalha estendida ao chão. Esse era um dos poucos momentos em que tinha visão geral daquelas quatro almas, tão diferentes e confinadas. 

Linda era pequena, inquieta e faladeira. Era uma incógnita como perante a atual situação, ela lidava com as dores, como viam seus olhos de sonho. Ela costumava encher o ar com perguntas, das quais algumas irritavam por não possuírem respostas. Dex era o primeiro a ordenar que se calasse. Era loiro aguado, magro nas roupas acinzentadas de cobaia, mal-humorado — embora todos relevassem com paciência.  

Joan era a irmã dele, mais velha e mais protetora. Olhava feio para meus cuidados, embora os aceitasse quando necessário. Carregava nas saboneteiras hematomas de pancada, e nas mãos cortes de resistência. Se dava bem com Matt, um meia-idade barbudo — talvez o líder. Nunca deixava de me agradecer e me tratar com ares de paternidade. Linda o idolatrava. 

Um dia levei “Criaturas Mágicas e onde Habitam” para ela. Linda adorou. Como sendo a única criança do grupo, ela se sentia deslocada. Arrastei o lampião no chão da cela, perto de onde sentávamos, encostadas à parede úmida. Abri o livro em meu colo, apontando as figuras, à medida que virávamos as páginas sob a luz do fogo. Reparava em suas unhas sujas, traçando as figuras das águias, dos polvos esquisitos, e voltando-me ao seu pequeno rosto, via seus olhos escuros flamejando — da animação genuína que morava numa criança.  

Quando ela me pediu para ler as descrições, disse que ela poderia pedir para que Joan ou Dex lessem durante o dia. Os outros quatro, já adormecidos, estavam virados em concha em algum lugar naquele breu sufocante. Os pequenos colchões conjurados por mim, eu esperava, que oferecessem algum tipo de conforto. Durante as manhãs, como se dissolviam, Matt voltava a enfeitiçá-los. Não necessitava varinha, precisava, apenas, que eu lhe ensinasse alguns encantamentos criados por papai. Tolos e simples demais para serem pegos pelo sensor mágico da cela, mesmo que não tenham sido criados para prisioneiros, as macas e bandagens de emergência serviam como nunca. 

Na escola, poucos conheciam sobre a missão. Chang tricotava ursinhos para Linda. Conversávamos, entre uma madrugada e outra, sobre a rotina com os prisioneiros. Ela tinha vontade de ajudar com seus dotes, mas sabíamos do risco. Eu não suportaria ter a chinesa sofrendo por minha causa, já bastavam os constantes castigos que enfrentávamos; além da fome.  

No geral, as porções dadas nas refeições não eram suficientes para os alunos. Nós garotas éramos as mais atingidas pelo racionamento, ainda que entre uma desobediência e outra levássemos puxões e socos. A presunção era de que não suportaríamos lidar com a mesma força bruta derramada sobre os garotos. Por este motivo, puniam-nos com armas indiretas: fraqueza e fome.

Simas Finnigan gostava de dizer que os comensais embarcaram numa missão desonrosa: fazer desaparecer cada traço de nosso antigo mundo. Fudge como ministro, Harry Potter desacreditado, a morte de Cedrico Diggory, todas essas coisas pareciam longe, mesmo quando, em esperança, nos movíamos em resistência.

Era exaustivo demais defender nossos sonhos com a barriga vazia. 


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