A missão escrita por camibsva


Capítulo 1
Prólogo




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Quando invadia os corredores do terceiro andar, levando o que podia dentre as gazes, álcool e um pouco de esperança, sabia que a luz que fulgurava na ponta de minha varinha talvez fosse a única que muitos deles veriam na vida. Foram deixados para serem cobaias em aulas, cabelos e unhas arrancados sem permissão, frio dentro do vestido poeirento, ossos gritando de fome. Às vezes me recebiam com um sorriso fraco de quem agradece a gentileza, mas sabem que não há maneira de remediar tudo que foi feito. Eu engolia as lágrimas para dizer que era de boa vontade que insistíamos em ajudar, afinal, era o correto.  

Era como papai dizia. Morto em um hospital em Londres, não houve soldado negro que se apiedasse de um sangue puro tão condescendente. Sua morte fora pouco antes de minha vinda obrigatória à Hogwarts. Fui perdoada pela descendência, pela utilidade, eu e mamãe com os direitos estilhaçados.  

No entanto, a hora do medo e do choro não duraram. A ampulheta esvaziava: era preciso passar a missão adiante. Essa esperança de continuar com o trabalho do pai navegou sobre nossas lágrimas como um sinal de terra. Afinal, era nosso dever não virar as costas às vítimas do regime; às vítimas das ideias conspiratórias e falsas que mantinham o domínio de Você-Sabe-Quem funcionando.  

Trabalhar na missão, entretanto, não era fácil. Era sentir um cheiro acre nas narinas e uma ansiedade constante da mente de quem arregaçava as mangas na enfermaria e permanecia acordada durante as madrugadas, torturada pelo que via. Eu era teimosa e inexperiente; foi a sugestão de Pomfrey, que garantia que a idade tornaria o sofrimento terreno comum para mim. Assim, trocar bandagens, recolocar ossos, anunciar pioras, despedir-se de quem se recuperava, eu faria tudo sem sentir demais. “Até parece sonho”, eu dizia, e a anciã não me permitia mais reclamações, talvez por receio de que eu amolecesse.   

Verdade que até um ano atrás Pomfrey não necessitava de ajudantes para dar cabo de seus pacientes. Mudança essa que veio com o novo corpo docente, praticamente uma réplica dos foragidos de Azkaban. Me repulsava abrir o Profeta Diário e ver o garoto que frequentava as aulas como todos nós transformado em criminoso. Harry Potter era o símbolo de um tempo absurdamente recente e distante; quando os risos soavam e os feridos e famintos se contavam nos dedos.   

Daquele tempo bom tinha restado uma Hogwarts dividida. Os alunos inconformados eram escalados em quase todas as aulas, veteranos de enfermaria, por se recusarem a torturarem cobaias; os alunos irreversíveis aceitavam maldições imperdoáveis, venenos, correntes elétricas – chamavam os não-maji de baratas; e os indecisos lançavam olhares assustados para os lados e desistiam sob pressão, com medo de levantarem as asas pelo bem só paras tê-las dilaceradas.  

Somente a Grifinória permanecera unida. Com as notícias de uma mídia dominada, era difícil saber as reais situações fora da escola. A ordem estaria resistindo? Potter e seus amigos zanzando? Guerra? Quando a vizinhança tranquila em Londres gritaria, os não-maji também afetados pela guerra? O telhado desabando na cabeça de mamãe? Todas as notícias confiáveis vinham diretamente dos Grifinórios liderados por Gina Weasley.  

A ruiva era nosso farol, mesmo quando uma hematoma cobria seu olho esquerdo e o lábio inferior vivia em carne viva. Muitas vezes, como Pomfrey estava atarefada com casos mais sérios, eu cuidava dos ferimentos da ruiva. Nessas ocasiões, conversávamos sobre a atual conjectura e sobre os últimos alunos a serem castigados.  

“Ele recusou a enfeitiçar um aluno do primeiro ano” — Gina informava quase sempre com uma expressão de estranha naturalidade — “Dolohov escalou Zacarias para depois da aula e aí temos o resultado. Você foi escalada essa semana?”.  

“Duas vezes.”  

“E o que fizeram?”. 

Arregaçava as mangas de meu uniforme e exibia os cortes. 

“Avery?” 

Confirmava.  

“Geralmente ele pega leve, mas mesmo assim acho que vão ficar umas cicatrizes”. 

Ela estava correta.    

“Bom, de qualquer forma é melhor ter isso do que aquela marca negra no braço”.  

Novamente a Grifinória tinha razão. E eu lembrava de tentar permanecer forte como rocha em meus propósitos como ela, vezes com pressentimentos de que, em algum lugar, papai se orgulhava dos meus feitos, que mamãe também lutava, que depois daquele vale escuro nos aguardava um belo amanhecer.

Mesmo assim, toda vez que seguíamos a fila de escalação, conscientes de que na próxima sala aguardava-nos uma repreenda, eu tinha de admitir, qualquer amanhecer parecia distante. 


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