Estrelas escrita por ColibriMoriarty


Capítulo 9
Capítulo 9




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— De jeito nenhum! – Protestou Red.

— Você não pode ficar aqui na Alphys. – Retorquiu Sans, tocando a ponte de seu nariz, agastado.

— Eu vou voltar pra Waterfall. – Decretou firmemente, o esqueleto de jaqueta escura.

— Rá! Porque isso fará milagres para sua saúde. – Ironizou com uma risada. – Waterfall não é o habitat natural de um esqueleto. – Retorquiu, pronunciando cada palavra com extrema calma e clareza, em uma tentativa improfícua de meter um pouco de senso naquela cabeça dura que Red ostentava.

— Vai ver eu sou um esqueleto que é parte peixe. – Troçou a contraparte com um sorriso presunçoso.

— Isso não é negociável, Ariel. – Insistiu o outro. Sans fez uma breve pausa, respirando profundamente. – É só até seu ferimento sarar completamente. – Expôs.

— E por que precisa ser na sua casa? – Teimou ele.

— Porque sim.

— Isso não é resposta! – Argumentou a cópia.

— Chega vocês dois! – Apartou Alphys, que já se encontrava apoquentada com aquela briga parva, invadindo a discussão. – Sans tem razão, infelizmente você não pode ficar aqui. Eu não teria tempo para cuidar de você. – Explicou-se.

— Eu não preciso de babá. – Retrucou Red em tom aborrecido, voltando-se para a doutora.

— Não, mas precisa de um médico. – Frisou ela, diplomática. – Sans, por incrível que pareça, é um... Bom, algo nesse estilo.

— Obrigado pelo voto de confiança, Al. – Resmungou o esqueleto mencionado.

— Eu não preciso de médico porra nenhuma, já estou bem o suficiente. – Replicou o esqueleto de vestes escuras.

— E quem vai remover os pontos? Higienizar, assistir e remediar? Você? – Sans lhe cutucou o peito a cada palavra dita. Red, com um grunhido irritado, tentou lhe estapear a mão, porém o outro a recolheu antes que pudesse concluir o ato. – Se não cuidar bem, logo vai ficar doente novamente!

— Eu não quero ir pra droga da sua casa! – Externou o esqueleto de jaqueta preta em um grito.

— Justifique sua resposta. – Insistiu a contraparte, uma expressão provocativa dançava por seu rosto.

— Porque sim.

— Isso não é resposta, Red. – Atalhou Sans, sorrindo em desdém.

Red lhe lançou um olhar afiado, quase como se estivesse tentando fazer com que o esqueleto entrasse em combustão instantânea com suas órbitas. Refreou a vontade de arrancar aquele sorrisinho idiota que lhe distorcia a face a base de socos.

Subitamente, Sans jogou o braço sadio ao redor dos ombros de Alphys, ambos quase foram ao chão devido ao gesto, principalmente porque o esqueleto depositou praticamente todo seu peso sobre ela sem aviso prévio.

— Por que não conversamos depois? Estou faminto! – Desconversou, subitamente. – Eu ouvi o bipe da lava-louças quando acordei, então suponho que já tenham tomado café.

— Não mude de assunto. – Retrucou Red, apontando-lhe um dedo. – Eu não quero ir para sua casa, fim de papo!

— Então eu irei todo santo dia te visitar em Waterfall para ter certeza que está cuidando de seu ferimento corretamente. Isso significa que eu vou ficar te perseguindo o dia inteirinho. – Disse, alongando a última palavra como se estivesse cantarolando. – Você não vai se livrar de mim tão fácil.

— Sans, você está me desequilibrando. – Murmurou Alphys em um gemido de esforço.

Red continuou a encarar o sorriso presunçoso de Sans por mais alguns minutos até que finalmente ele soltou um grito injuriado.

— Eu vou embora quando eu quiser!

— Obviamente. – Respondeu, sacudindo a cabeça em concordância.

— Sans... – Ciciou Alphys, urgente.

— E... E eu tenho outras preferências. – Ajuntou, semicerrando seus olhos em desconfiança perante a súbita cooperação e atitude intempestiva da cópia.

— Adoraria discuti-las com você após uma xícara de café.

Red bufou em irritação, vendo que não conseguiria mudar o curso de aquela conversa, e saiu da sala feito um vendaval, batendo a porta com força. Foi a deixa para Sans desabar junto de Alphys.

— Sans?! – Preocupou-se a doutora. – Você está bem?

— Sim, eu só me empolguei demais. – Mentiu, falhando miseravelmente ao tentar manter seu sorriso desdenhoso. Sua mão estava sobre suas costelas em uma tentativa de acalmar sua alma acelerada. – Por Asgore, eu não discuto desse jeito desde que meu pai estava aqui. – Desconversou com uma risada eufórica, porém logo foi interrompido por uma tosse seca.

— Como você vai cuidar dele se não consegue nem cuidar de si mesmo?! – Indagou, consternada, ajudando ele a se levantar.

— Não é para isso que você serve, minha amiga? – Confidenciou, uma risada fraca lhe sacudiu os ombros quando a doutora lhe beliscou devido ao comentário. Todavia, seu riso logo esmoreceu quando assumiu uma expressão de seriedade. – Eu não posso mais perdê-lo de vista. – Seus olhos se encontraram. A plenitude que ele apresentava a angustiava. – Tic Tac, Alphys. Tic Tac...

. . .

— Certeza absoluta que não quer que ele fique mais um pouco? – Questionou Alphys, observando o esqueleto digitar freneticamente no tecladinho do celular flip. Eles se encontravam sentados à mesa da cozinha com Sans inclinado na cadeira, quase assumindo uma posição deitada sobre o móvel. – Ajeite sua postura. – Repreendeu, vendo-o estalar suas vértebras ao se sentar mais corretamente. Os olhos da fêmea, então, fixaram-se brevemente em seu braço machucado, em seguida para sua respectiva mão, livre, que descansava inconscientemente perto de seu esterno. – Não acho uma boa ideia você se teleportar tão cedo, principalmente acompanhado.

— Não vamos assim. – Respondeu distraidamente, o cabo do carregador balançando de maneira desvairada devido ao movimento ágil de sua falange distal. – Além que já lhe atrapalhamos o suficiente.

— Não atrapalharam. Na verdade, acho que é a primeira vez que você me visita esse ano. – Ela esperou alguma reação dele. Nada. – É bom conversar com você sem ser apenas por mensagem. – Aquilo surtiu efeito, Sans parou de digitar e ergueu os olhos da tela para encará-la, então os desviou, assumindo uma expressão de culpa.

— Sinto muito, Al. – Murmurou. Houve um pequeno hiato onde ele abriu a boca e a fechou diversas vezes no intuito de fazer um comentário, porém não emitiu nada. Finalmente, inspirou profundamente, após arquitetar uma linha de raciocínio. – Eu...

— Está tudo bem. – Disse a doutora, erguendo brevemente a mão para lhe interromper. – Além das raras visitas de Papyrus, sou apenas eu e os amalgamados. Meus projetos me mantém bastante entretida, porém ainda é um pouco...  – Ela fez uma pausa, procurando alguma palavra que não soasse tão pesada. – Solitário...

— Papyrus vem aqui? – Indagou. Pela maneira como ele desconversou, a doutora percebeu que não havia feito uma boa escolha.

— Costuma perguntar se você passou por aqui já que não está em seu posto. – Respondeu, com uma risada para aliviar a tensão. – Não seria bem uma visita intencional. – Ela suspirou, encarando seus dedos, com nostalgia tomando-lhe a fala. – Às vezes eu sinto falta daquele burburinho, sabe? De correr pelo laboratório para cumprir com uma meta ou finalizar uma pesquisa. – Ela lhe encarou, e dessa vez ele lhe sustentou o olhar. – Você não?

— Sim... – Uma breve pausa. – Alphys, eu preci--

Nesse momento o celular de Sans começou a tocar, interrompendo sua fala.

O esqueleto aceitou a chamada e levou o aparelho a seu ouvido.

“SANS!”

O esqueleto afastou o aparelho de seu ouvido com uma careta, parcialmente surdo. Alphys soltou uma gargalhada diante da cena.

— Oi, Papy. Tudo bem? – Respondeu, ignorando a doutora.

“Não me venha com esse papinho! Onde você está?!”

— Na casa da Alphys. Diga “olá”, Alphys. – Ciciou, virando o celular para a fêmea.

— Bom dia, Papyrus.

“Bom dia, doutora Alphys!”, respondeu com um tom de voz cordial, então voltou a ralhar com o esqueleto. “Posso saber por que você não veio para casa ontem? Eu estava extremamente preocupado! Todas as minhas ligações foram para sua caixa de voz!”.

— Ah, desculpe, Papyrus. Alphys me chamou para assistir uma maratona de anime com ela, meu celular acabou morrendo e eu nem percebi. – Falseou a verdade.

“Sinceramente, Sans. Eu não te dei esse celular para enfeite, você precisa lembrar de carregar ele antes de sair de casa! É a quinta vez esse mês! E se fosse uma emergência?!”.

— Fico surpreso que ainda esteja contando. – Provocou com uma risada, e Papyrus soltou uma exclamação de ultraje do outro lado da linha. – Você está em casa ainda? – Questionou, interrompendo outra avalanche de reclamações. Seu irmão ficou taciturno brevemente.

“Não, por quê?”.

— Nada não, eu apenas ia pedir para você tirar o colchão do sótão. – Contou o esqueleto.

“Teremos visita?! Quem??! Espera, a Alphys vai dormir aqui?! Ah, finalmente! Fazem anos desde que você a convidou para passar a noite aqui! Eu posso chamar Undyne! Imagine o quão impressionada ela vai ficar com a festa do pijama do grande Papyrus!!” Matraqueou com excitação audível. “Porém ela precisaria dormir no sofá. Ou será que a Alphys não se importaria em dividir o colchão? Ah! Precisamos de jogos!! Pergunte a Alphys se ela gosta de Twister... Não! Espera! Não pergunte! Vamos fazer uma surpresa!! Podemos pegar aquele seu jogo de tabuleiro com dragões! Dungeons&Dragons... É esse o nome? Eu posso ser um cavaleiro honrado...”.

— Papy... Papyrus! – Gritou Sans, conseguindo silenciar seu irmão após algumas tentativas. – Alphys não vai dormir lá em casa. – Explicou, ouvindo um lamento desanimado do outro lado da linha.

“Apenas nós três? Ah, é uma pena que ela não possa ir...”.

— Não, Papyrus. – Resmungou Sans, interrompendo-o. – Undyne também não vai.

“Hum... Se a Undyne e a Alphys não vêm aqui em casa, quem virá?”.

— Você lembra do Red? – Papyrus emitiu um barulho de concordância. – Ele precisa de um lugar para ficar por um tempo.

“Ele gosta de espaguete?”. Questionou subitamente. Sans lançou um olhar para Alphys, que encolheu os ombros em replica.

— Eu acho que sim. – Respondeu lentamente, incerto.

“ESPLÊNDIDO! Se ele gosta de espaguete, ele pode ficar quanto tempo quiser lá em casa! Eu posso fazer todas as minhas receitas secretas!”.

— Ótima ideia, Papy! Tenho certeza que ele vai adorar. – Murmurou, sentindo seu estômago embrulhar só de pensar nisso. Alphys abafou uma gargalhada devido a sua expressão agoniada. – Bom, melhor eu desligar. Você precisa voltar para sua ronda. Tchau, mano.

“Adeus, Sans! Mal posso esperar para...”.

Sans desligou antes que Papyrus continuasse a matraquear.

— Não acredito que você desligou na cara de seu irmão. – Disse Alphys, em tom desaprovador. – Que vergonha, Sans! – Repreendeu, porém não conseguiu conter um sorriso irônico.

— Não desliguei. – Retrucou. – Você conhece Papyrus, se eu não desligasse agora, ele continuaria falando até amanhã. – Ele fechou o aparelho com uma sonora onomatopeia e o colocou na mesa próximo à tomada para deixar que a bateria carregasse sem muito estresse.

— É uma pena que eu não possa ir, adoro Twister. – Brincou a fêmea.

— Você não se importaria de dividir a cama com Undyne, então? – Provocou, e uma enorme satisfação lhe preencheu o peito quando Alphys ficou tão vermelha quanto um tomate. – Tenho certeza que ela adoraria dormir de conchinha com você.

— S-Sans! – Murmurou em exasperação, apenas conseguindo gaguejar o nome do esqueleto, pois suas mãos estavam cobrindo seu rosto corado. Ele se levantou de sua cadeira com um pequeno riso.

— Você pode ir dormir lá em casa quando quiser, você sabe muito bem disso. – Ciciou, amável, para, então, uma nota de cansaço ficar evidente em sua voz. – Você sabe onde o Red foi? – Indagou a ela com um suspiro.

— Eu ouvi o elevador mais cedo, ele deve ter ido brincar com o amalgamado canino novamente. – Confidenciou, o esqueleto emitiu um barulho de insatisfação perante a notícia. – Eu posso ir avisá-lo que já estão de partida, se quiser. – Ofereceu, benevolente, recompondo-se.

— Não, tudo bem. – Sans voltou a se sentar. – Deixa ele se cansar, vai ficar mais fácil voltar sem ter que ficar ouvindo ele reclamar o tempo todo. – Ambos caíram na gargalhada. Em seguida, o esqueleto reclinou em seu assento enquanto que se espreguiçava, e conteve um bocejo.

— Quantas horas você dormiu? – Preocupou-se Alphys.

— Umas 4 horas, talvez menos. – Confidenciou, esfregando sua órbita com veemência, e então descansando seu braço sobre o tampo da mesa.

— Você quer conversar sobre os pesadelos? – Questionou a doutora, apoiando sua mão em seu braço sadio. Sans sacudiu a cabeça em negativa, recolhendo-o para longe de seu toque, evitando contato visual. – Conversar pode ajudar, Sans. – Insistiu, com o cenho franzido, angustiada.

— Seu quinto PhD era em psicologia, não era? – Inquiriu com uma sorriso sem humor. Alphys lhe deu um soquinho no braço sadio em replica a provocação, e o sorriso do esqueleto se alargou, enchendo-se de vida.

— O quinto é de Geotecnia e Engenharia Subterrânea, o terceiro que era em Neuropsicologia. – Corrigiu, também sorrindo, e ajeitando seus óculos sobre seu focinho.

— Exibida. – Acusou, apoiando seu cotovelo esquerdo na mesa e descansando seu queixo sobre a palma de sua mão sadia de olhos cerrados.

— Eu não sou! – Gritou, fingindo estar imensamente ofendida.

— Está bem. Sinto muitíssimo, doutora-doutora-doutora-doutora-doutora Alphys. – Ciciou o esqueleto. – Não cometerei tal ofensa outra vez.

— Faltou um “doutora”, você só falou cinco. – Notou a fêmea.

— Matemática básica não é meu forte.

— Seu mentiroso! – Acusou com uma risada genuína. Ele não lhe acompanhou. – Sans, vai ficar com torcicolo se cochilar na mesa. – Apontou ela, aprazível, com um olhar carinhoso.

— Uhum... – Concordou, negligentemente. Então ele subitamente desapareceu. Alphys olhou ao redor a sua procura, e foi o leve assobio das moléculas de ar sendo deslocadas que fez com que ela localizasse o esqueleto, deitado no sofá, atrás de si.

— Sans! Era só caminhar! – Repreendeu, revirando os olhos.

. . .

O elevador abriu suas portas com um deslizar suave, e Red caminhou para fora do aparato, adentrando a sala de Alphys.

Logo notou Sans descansando profundamente no sofá. Ele estava abraçado ao dakimakura com o objetivo de dormir sobre seu lado esquerdo, porém ainda confortável o suficiente para não forçar desnecessariamente a articulação convalescente. Um sorriso de troça cruzou a face do outro esqueleto, Alphys não ficaria feliz ao descobrir que ele estava babando por todo seu travesseiro.

Falando nela, Red desviou o olhar da contraparte ao aperceber-se da presença da doutora, que se encontrava inclinada sobre a mesa da cozinha americana, analisando alguns papéis. Vez ou outra ela resmungava algo para si, então digitava em uma calculadora, emitindo sons de frustração quando os cálculos não batiam com os que havia feito.

O esqueleto caminhou até ela, curioso.

— O que são esses papéis? – Questionou, observando, por cima de seu ombro, os desenhos intricados e as inúmeras fórmulas matemáticas espalhadas nas margens.

— Sans?! – Exclamou ela, levando uma mão a seu peito devido ao susto, virando-se para seu interlocutor. Então, apercebeu-se de seu erro, e soltou o ar, sentindo-se mais calma. – Por Asgore, Red! Não faça mais isso! – Brigou, fingindo não ter se confundindo, tratando de virar os projetos com sua mão livre para que ficassem com a parte em branco para cima, enquanto que tentava recuperar o compasso de seu coração.

— É uma máquina? – Indagou, esticando os dedos para tocar o papel, porém a fêmea os retirou de seu alcance e os arrumou em uma pasta plástica, fechando-a em seguida.

— Sim, é um antigo projeto de robótica meu. – Disse, caminhando até um grande arquivo metálico, espremido ao lado de um monitor gigantesco, e guardando a pasta em uma gaveta aleatória. Red lançou-lhe um olhar confuso, pois jurava ter lido o nome de Sans logo abaixo do dela naqueles documentos.

O esqueleto sacudiu a cabeça, deveria ter se enganado.

Então ele notou o celular flip carregando sobre a mesa.

Ele pegou o objeto nas mãos e começou a brincar com o mecanismo de mola da tela, então apertou as teclas e seus olhos brilharam quando esta se acendeu. O esqueleto segurou o botão com o asterisco e o aparelho desbloqueou.

— Por que ele usa essa velharia? – Perguntou a Alphys, que se voltou para ele.

— Não mexa no que não lhe pertence. – Advertiu a doutora, aproximando-se a passos largos.

— Ele não tem nem jogos! – Assombrou-se, tirando o aparelho do alcance de Alphys antes que ela conseguisse retirá-lo de suas mãos. O carregador acabou se desconectando devido ao gesto brusco. – Mas tem rádio! Quem escuta rádio hoje em dia?!

— Concordo que a caverna interfere no sinal, porém ainda há muitos monstros que escutam rádio. – Alguém disse, e o celular foi tomado da mão estendida do esqueleto. – Como eu. – Ajuntou Sans, com um olhar de desaprovação.

— Achei que estivesse dormindo, Bela Adormecida. – Retrucou.

— Por quê? Iria me acordar com um beijo? – Provocou, guardando o aparelho no bolso de seu calção. – E, como Alphys disse: “não mexa no que não te pertence”.

— Eu sei que você deve ter tentado fuçar no meu celular enquanto eu estava apagado. – Acusou Red, cruzando seus braços.

— Você tem um celular? – Surpreendeu-se Sans.

— Não finja que não sabia. – O esqueleto remexeu no bolso de sua jaqueta escura e puxou um smartphone de lá.

— Mas não tem teclas! – Apontou a contraparte.

— O teclado era virtual, aparecia na tela. – Explicou, e deixou que a cópia pegasse o aparelho de suas mãos.

— Se chama “touchscreen”. – Disse Alphys, não contendo um pequeno sorriso diante da expressão entretida que dançava na face de Sans enquanto que ele brincava com a tampa traseira. – Eu encontrei alguns livros no lixão sobre... Extremamente complexos, a propósito! Operavam com a transmissão de elétrons quando se toca o vidro...

— Espera, vocês não sabem o que é uma tela sensível ao toque? Estão zoando com a minha cara, né? – Ironizou Red, com um sorriso cínico.

— Estávamos a caminho do auge de nosso desenvolvimento tecnológico quando os humanos nos prenderam aqui. – Explicou a doutora. – Deixando-nos com a companhia de todo seu lixo por cortesia.

— Eles ainda usavam disquetes de 1,44 megabytes. É incrível que tenham criado algo assim. – Troçou Sans, ainda extremamente fascinado pelo celular da contraparte. – Como aciona esse teclado virtual? – Questionou, apertando os botões de volume.

— Não é assim. – Disse Red, tomando o aparelho de suas mãos com um gesto brusco. – Você clica no espaço reservado para escrita e ele surge. Não posso mostrar, não liga mais; E não me peça para explicar como funciona, porque eu também não sei.

— Não quer um carregador emprestado? Deve haver algum cabo que seja compatível com essa entrada achatada. – Murmurou Alphys, analisando o smartphone nas mãos do esqueleto.

— Não vai adiantar. Está estragado. – Retrucou Red, uma leve nota de pesar presente em sua voz.

— Estragado como? – Perguntou Sans. – Talvez o livro de Alphys diga como consertar.

— Não tem conserto, ele ficou submerso na água sabe-se lá quanto tempo. – Comunicou, devolvendo-o ao bolso de seu casaco. – Deve estar todo enferrujado por dentro.

— Eu posso arranjar um celular novo para você. – Sugeriu Sans, conseguindo disfarçar o desapontamento perante o fato de não poder examinar aquele aparelho singular.

— Não precisa. Não há mais ninguém para quem eu possa ligar de qualquer forma. – Havia um timbre tristonho em sua frase.

— Você pode ligar para mim. – Comentou Sans, dando de ombros.

— E por que, caralhos, eu faria isso?! – Exclamou Red, voltando-se para ele de súbito.

— Sans. – Chamou Alphys, tocando-lhe o pulso, desviando a atenção do esqueleto de azul de sua contraparte. – Por que não vem comigo separar alguns curativos para vocês levarem? – Eles travaram uma guerra de olhares, onde Sans foi o perdedor. – Ah, e Red? Pode escolher qualquer DVD de qualquer temporada que preferir, eu não me importo de emprestar para você. – Disse com um sorriso benevolente. – Apenas lembre de rebobinar quando for devolver.

~X~

A contraparte ficara resoluta boa parte da viagem, obrigando o esqueleto de roupas azuis a aguentar o canto incessante do gondoleiro.

Ele bufou, irritado quando seu condutor iniciou a trigésima estrofe de seu solfejo. Sans decidiu por desviar seu olhar das paredes vertiginosas para a cópia, porém Red permaneceu encarando a abóbada colorida do túnel com uma expressão vazia, amassando o tecido de sua blusa por sobre seu ferimento.

— O efeito do remédio está passando? – Questionou, abruptamente. Red piscou.

— O quê? – Respondeu, lançando-lhe um olhar desnorteado.

— Você está com dor? – Indagou Sans em tom ameno.

— Não. – A contraparte soltou o tecido, franzindo seu cenho, e afundou sua mão no bolso de seu casaco. – Eu só estava distraído.

— Com o quê? – Interessou-se a cópia.

— Não te interessa. – Retrucou Red.

— Mal-humorado, hein? – Provocou, emitindo um barulho de desaprovação, reclinando em seu assento.

— Você também estaria se estivessem te arrastando pra qualquer lugar sem seu consentimento! – Cortou o esqueleto de vestes escuras.

— Já conversamos sobre isso. – Murmurou Sans, incomodado com a reincidência constante de aquele tópico.

— Mas ainda tenho o direito de reclamar sobre! – Injuriou-se.

— Existe mais alguma coisa que você goste de fazer além de reclamar? – Questionou a contraparte. – E se você responder: “não é da sua conta”, eu vou te empurrar para fora deste barco. – Ajuntou, assim que vislumbrou os cantos da boca da cópia se curvarem em escárnio.

— Por favor, não empurrem ninguém para fora do barco. – Cantarolou Riverperson.

— Eu quero ver você tentar. – Atazanou Red, semicerrando seus olhos, e abrindo um sorriso cínico. A cópia apenas bufou em resposta, cruzando os braços e desviando o olhar. – Covarde. – Provocou.

Sans se ergueu de seu assento com um resmungo irritado, fazendo com que a gôndola oscilasse perigosamente e água respingasse para todos os lados. Todavia, foi acertado por um remo bem nas costas antes que pudesse fazer qualquer coisa, e ele caiu pesadamente sobre a contraparte, fazendo com que ambos parassem amontoados sobre o assoalho, agora molhado, da embarcação.

— Permaneçam sentados durante toda a viagem! – Instruiu o gondoleiro em um solfejo melódico.

Red empurrou o outro esqueleto de sobre si com um xingamento entredentes, e eles tornaram a se sentar. Porém, desta vez, Sans permaneceu ao lado do de vestes escuras, ficando de frente para as costas de Riverperson, temendo levar outra pancada de seu remo ágil.

E eles seguiram o restante da viagem em grande silêncio, preenchido apenas pelos versos desarrozoados do gondoleiro, e das respirações trêmulas de ambos, ao passo que a água que encharcara suas roupas lentamente congelava quando o clima aprazível de Hotland era substituído pela friaca de Snowdin.

Quando finalmente chegaram ao cais de seu destino, houve um suspiro de alívio conjunto, provindo dos dois esqueletos a bordo.

Ambos desceram da gôndola, seus sapatos afundando na neve fofa. Red agarrou a mochila que Alphys havia lhe dado com mantimentos médicos e seus DVDs, milagrosamente intactos apesar da turbulência úmida, e Sans pescou sua carteira do bolso de seu calção.

O esqueleto de jaqueta preta afastou-se da embarcação, enquanto que Sans contava alguns ouros e pagava o gondoleiro pela carona. Ele caminhou na direção de um boneco de neve parcialmente destruído que havia lhe chamado a atenção. Abaixou-se e ajuntou uma cenoura congelada da neve que um dia fora o nariz do boneco, pensativo.

— VOLTE AQUI!

Red derrubou o que segurava quando o berro lhe assustou. Ele se virou para Sans, achando que o grito havia sido dirigido a si, pronto para mandá-lo tomar em um certo lugar, quando percebeu que a contraparte não estava nem olhando em sua direção, mas para onde a gôndola deveria ter seguido, de acordo com os rastros que havia deixado na água frígida.

— Gritar não vai fazer com que ele volte. – Ironizou Red, aproximando-se dele.

Sans se voltou para a cópia com um olhar misto de desarrimo e angústia que o pegou de surpresa. O esqueleto de azul apercebeu-se de sua reação, e tratou de abrir um sorriso trêmulo, tentando recobrar o controle de suas emoções.

— Ele cobrou taxa de serviço pela bagunça. – Disse em troça, porém sua voz estava vacilante, e Red pode notar logo de cara que ele não estava falando a verdade. Sans limpou a garganta. – Venha, estou congelando. – Murmurou, dessa vez com um timbre mais confiante, caminhando para longe da contraparte.

“Ok, isso não foi nem um pouco esquisito...” ponderou o esqueleto de vestes escuras, tratando de segui-lo.

Um vento gelado, prometendo tornar-se uma futura nevasca, soprava fortemente por Snowdin. Apesar do clima glacial, várias crianças brincavam de pega-pega ao redor da árvore de natal ricamente decorada que ornava a praça, ou encontravam-se escondidas parcamente por elementos urbanos em uma brincadeira aparentemente divertida de esconde-esconde. Alguns monstros adultos nas redondezas observavam a tudo com atenção, apesar de imersos em conversações supérfluas.

Red tentou retardar seu passo o máximo que conseguiu para desfrutar um pouco da atmosfera aprazível do vilarejo, porém Sans parecia estar com pressa, pois quase desapareceu de vista ao dobrar uma esquina. Quando a contraparte finalmente lhe alcançou, ele estava parado em frente as caixas de correspondência de sua residência com uma expressão quase impaciente.

Sem dizer nada, ele seguiu na direção da porta de entrada, destrancou-a e adentrou sua residência sem cerimônia. A temperatura se encontrava mais agradável dentro da casa, o que fez com que retirasse seu casaco azul úmido e o pendurasse no encosto de uma cadeira na cozinha.

Red fechou a porta com uma pancada forte devido ao vento, e recebeu um olhar de desaprovação da contraparte.

— Foi sem querer. – Ciciou.

O esqueleto de Undertale revirou os olhos com desdém ao pegar duas canecas, enchendo-as com água da torneira em seguida, e colocando-as dentro do micro-ondas. Então ele digitou no teclado quantos minutos gostaria, fazendo com que o eletrodoméstico ganhasse vida. Enquanto isso, a cópia inspecionou o ambiente em que se encontrava, abalado com o quão familiar tudo aquilo se parecia com seu lar. Até mesmo a meia abandonada ao lado da televisão com post-its coloridos lhe aferroava a alma com uma sensação de agridoce saudade.

— Onde Pap-- Onde seu irmão está? – Indagou Red após um breve hiato, lançando um olhar ansioso para a porta do quarto que, supôs, pertencer ao irmão da contraparte.

— Finalizando uma ronda, provavelmente a caminho da casa de Undyne para um treino após o almoço. – Presumiu Sans após checar o horário em seu celular. O outro soltou um suspiro, relaxando levemente. – Erva-doce, camomila ou erva-mate? – Questionou subitamente, retirando as canecas do eletrodoméstico antes que este apitasse e as descansando sobre a mesa.

— Como? – Murmurou Red, desconcertado.

— Você quer chá de erva-doce, chá de camomila, ou chá de erva-mate? – Repetiu, pacientemente, abrindo a porta do armário aéreo em que o nicho do micro-ondas ficava.

— Uh... Camomila? – Ciciou, soando mais como uma pergunta do que uma afirmação.

A contraparte deu de ombros, retirou o último sache da caixinha e o colocou dentro de uma das canecas, passando a cordinha uma vez ao redor da alça de porcelana, para então pegar um sache de chá de erva-doce e fazer o mesmo com a outra. Sans, então, amassou a caixinha vazia e abriu a porta do armário sob a pia da cozinha no intuito de jogá-la no lixo, contudo, um borrão branco saiu desembestado de lá e pulou para cima de Red, que se assustou, soltando um palavrão, e tropeçando para fora do caminho.

— Mas que caralhos foi isso?! – Berrou, olhando ao redor para localizar o ser não identificado que, subitamente, havia desaparecido.

— É o Toby, só ignore ele. – Murmurou com uma risada, aproximando-se do esqueleto e entregando-lhe uma caneca.

— Toby? – Repetiu, tomando um gole de seu chá para se acalmar, quase cuspindo seu conteúdo em Sans ao notar que ele não havia adoçado sua bebida.

— Toby Fox é um cachorro. – Confidenciou o esqueleto com um sorriso de troça.

— Um cachorro? – Disse o outro, descrente, com uma careta, enojado pelo gosto amargo que o líquido havia deixado em sua boca.

— Sim, um cachorro. Por quê? – Indagou confuso, bebericando seu próprio chá com um suspiro de contentamento.

— Pensei que não gostasse de cachorros.

— Eles que não gostam de mim. – Retrucou, como se aquilo fosse óbvio. – O Papy que não é muito fã do Toby. Diz que ele gosta de roer seus ataques especiais e roubar sua lasanha. – Murmurou, dando de ombros uma outra vez, com uma risada.

— Então por que vocês têm um de estimação? – Argumentou Red, tomando coragem e bebendo o chá, mesmo que não adoçado, para esquentar-se.

— Toby não é nosso cachorro, acredito que ele não tenha dono. – Contou Sans, sentando-se no sofá com sua caneca. O cão surgiu de detrás do móvel e pulou no colo do esqueleto, quase derrubando o que ele segurava. – Ele costuma ficar por aqui, dormindo no armário da pia, e atazanando o Papyrus. Mas às vezes ele some, provavelmente fazendo alguma traquinagem canina por aí. – Ajuntou com um sorriso terno, coçando atrás da orelha do animal, que bateu sua perninha em resposta ao carinho.

Red hesitou por um instante, então se aproximou e se sentou ao lado da contraparte. Toby ficou curioso e lhe cheirou a mão, depositando uma lambida em seu metacarpo. Um pequeno sorriso surgiu na face do esqueleto de vestes escuras.

Então o cão decidiu pular do colo de Sans, e desapareceu em algum canto da casa.

Red esmoreceu.

— Não fique triste, ele vai voltar. – Garantiu o outro esqueleto, chocando levemente seu ombro sadio contra o ombro dele. – Caso tenha mudado de ideia em relação a voltar para Waterfall, é claro. – Ajuntou, gentilmente. O outro permaneceu taciturno, encarando a fumaça que dançava de sua caneca. Sans lhe olhou por alguns segundos, contemplativo, então bebeu o resto de sua bebida e descansou a caneca na mesinha de centro ao se levantar. Ele estendeu sua mão a Red.

— O quê? – Indagou, confuso.

— Seu casaco. – Disse, porém o outro lhe lançou um olhar ainda mais perdido. – Ele está molhado, você vai ficar doente.

— Hum... – Fez a contraparte, encolhendo seus ombros, finalizando sua bebida.

— Há toalhas limpas no armário do banheiro, assim como água quente. – Comunicou Sans. – Você pode usar algumas roupas minhas por enquanto, elas parecem que serviram perfeitamente.

Red o encarou por um tempo, então suspirou, vencido, descansou sua caneca - agora vazia - ao lado da de Sans e despiu seu casaco escuro, entregando-o em sua mão.

Ele se levantou do sofá, espreguiçando-se.

— Aqui não é tão ruim. – Confidenciou à cópia. – Waterfall não tem chuveiro elétrico.

Sans sorriu calorosamente. 


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