Ophelia manteve-se em silêncio a cerimônia toda, podia escutar a risada de Alexandra no fundo, entretanto, isso não a incomodava em nada. Enji Todoroki, o atual Duque, parecia que iria explodir de raiva a qualquer momento por causa de seu filho mais velho. Resumindo, o casamento foi um completo desastre, mas a princesa abandonada não ligava nem um pouco para isso, estava mais que feliz por finalmente sair de casa. 

Apenas Deus sabia onde estava seu marido, contudo, Ophelia achava que talvez ele não comparecesse ao casamento fosse bom e se a relação deles seguisse assim, as coisas seriam bem mais fáceis. Para um nobre comum, isso seria a maior humilhação de sua vida, entretanto, ela não era uma nobre legítima, já estava acostumada com esses tipos de situações em sua vida. 

"De qualquer forma, não me sinto triste por isso"

A morena já não tinha emoções para esbanjar, sentir-se triste por isso era uma perda de tempo e ela havia aprendido desde cedo o que era sentir o gosto amargo da cruel vida que levava. 

"Ao contrário dos outros, eu não poderia estar mais feliz… finalmente estou deixando o palácio!" 

Queria manter o lado bom disso, por isso o casamento seguiu apenas com ela, afinal, ela poderia se casar mesmo na ausência do noivo. Graças a isso, não poderia ir em nenhum baile, o que era bom, afinal, Ophelia certamente seria motivo de chacota por um longo tempo. 

"De qualquer forma, não estou a fim de ir a lugar nenhum"

A cerimônia se encerrou com aquele final desastroso e a noiva foi levada para a casa da família Todoroki. Originalmente, deveria ser sua lua de mel, mas seu novo marido estava ausente, então apenas seguiria normalmente. 

— Senhora, esse será o seu quarto daqui em diante. — informou a empregada, educadamente.

Embora a família ducal fosse repleta de rumores, seus empregados eram muito bem treinados, tratavam bem até mesmo uma filha ilegítima como ela. 

— Se tiver algo que deseje, não hesite em nos chamar. — A serviçal abriu a porta e deixou a jovem de cabelos negros passar para dentro do cômodo. — Que a senhora tenha uma boa noite. 

Sendo deixada sozinha naquele quarto, Ophelia percebeu que o local era luxuoso demais, talvez o cômodo mais luxuoso que tinha visto em toda a sua vida. Era inevitável para ela não sentir-se hesitante em estar ali, pois nunca em sua vida havia tido algo tão bonito e limpo para si. 

"Mesmo depois de tudo, ainda consigo me surpreender em ser tão bem… tratada" 

Ela era uma bastarda, mas a família de seu marido estava a tratando tão bem que era inevitável não se sentir estranha com isso. A Laikai nunca havia recebido nem mesmo um cumprimento de sua família, quem dirá ser bem cuidada por eles. 

"Melhor eu descansar", pensou ela, caminhando cuidadosamente até a cama. 

A luz do luar era a única coisa que iluminava aquele quarto, era forte o suficiente para ela conseguir enxergar todo o local. Caminhando em passos lentos, foi até a cama e seu corpo pulou quando sentiu ele afundar no colchão.

— É tão… macio… — sussurrou ela, surpresa.

A cama em que antes dormia era dura e fria como pedra, acostumou-se com aquela sensação de desconforto que sentia todas as noites quando ia dormir, por isso reagiu de forma estranha quando sentiu a maciez do colchão. Se alguém a visse agora, iriam a confundir com uma criança descobrindo as coisas pela primeira vez em sua vida. 

Hesitante, sentou-se na cama e quando se acostumou com a sensação de aconchego, deitou-se e permaneceu imóvel por alguns minutos, antes de começar a se virar para aproveitar mais daquele sentimento bom. Acabou dormindo com o tempo, estava cansada por tudo que passou hoje e foi inevitável não cair em um sono profundo.

Enquanto ela dormia, um homem de cabelos negros surgiu da janela do cômodo, a qual estava aberta. Usava roupas leves e tinha um livro em suas mãos, queimaduras faziam parte de grande parte de sua pele e sua expressão era um tanto neutra… Há quanto tempo ele estava ali?

"Hum… se eu não me engano, hoje era o meu casamento, não?" pensou o homem, cruzando os braços com uma expressão pensativa no rosto. 

Ele era Toya Todoroki, o filho mais velho do duque que era conhecido como "o mago maldito"; também o homem que não compareceu ao próprio casamento, algo que ele nem mesmo lembrava. 

— Bom, tanto faz. — disse ele, andando até a cama e observando melhor a garota que estava dormindo. — Parece que o palácio me deu um adorável cachorrinho abandonado. — Toya sorriu ao proferir aquelas palavras.

[...]

Pela primeira vez na vida, Ophelia teve uma boa noite de sono, acordando apenas quando a luz do sol invadiu o quarto e a incomodou. A sensação de aconchego ainda era muito permanente, como se estivesse dormindo em uma nuvem e isso a fazia querer continuar dormindo.

"Se bem que é uma nuvem bem dura…"

Com aquele pensamento, ela abriu os olhos lentamente e quando se acostumou com a claridade, deu de cara com o peitoral de um homem, assustando-se e recuando imediatamente. A nova integrante da família Todoroki quase caiu da cama quando viu o homem deitado ao seu lado, com um livro aberto cobrindo seu rosto. 

"Quem…!" 

Embora estivesse confusa, não precisou de muito para adivinhar quem era aquela pessoa, suas queimaduras foram o suficiente para entregar-lhe a resposta correta. Ela não esperava por isso, não esperava que seu marido pudesse aparecer assim, tão de repente.

Olhando ao seu redor, imaginou que esse pudesse ser o quarto dele e observando mais cuidadosamente, havia muitas estantes de livros, afirmando realmente que ele era um mago de verdade, que adorava ler e buscar conhecimento.

— Não entenda errado — disse ele, a fazendo estremecer. — Eu não li nem uma porcentagem desses livros. 

Toya tirou o livro que cobria seu rosto, revelando sua face para sua nova esposa.

— Então… — Era seu primeiro diálogo com o seu marido, não sabia como ele era até segundos atrás e era impossível para ela não sentir-se nervosa no momento. — Você não gosta de ler…?

— Eu odeio, apenas leio quando estou sem sono, isso me faz dormir rápido.

Era uma imagem totalmente diferente que esperava de um mago, logo percebendo que ele não podia ser comparado com um mago qualquer. Ophelia viveu trancada em seu palácio em ruínas, por isso nunca viu nada desse vasto mundo e muito menos um mago de verdade, apenas lhe restava imaginar como eles eram graças aos livros que sempre estiveram consigo.

— Não me recordava que o casamento era ontem… — comentou ele. 

A jovem ficou perplexa com as palavras dele, era possível alguém esquecer do próprio casamento?! 

— De qualquer forma, irei voltar a dormir. Poderia fechar as cortinas? 

Seu tom era suave e preguiçoso, logo Toya voltou a colocar o livro em sua cara e a morena levantou-se, fechando as cortinas como ele havia pedido. De todas as formas que imaginou que pudesse conhecê-lo, nunca imaginou que pudesse ser assim, tão… tão casual assim.

"Não me dar bem com ele podia ser uma vantagem, mas vendo como ele é fácil de lidar… posso tirar proveito disso também", pensou ela. 

Ophelia tinha planos e pensamentos profundos, ela precisava inicialmente de alguém para apoiá-la e a família do Duque caiu como uma bandeja cheia de guloseimas em seu colo, vindo de brinde sua liberdade. Se livrar da família real foi um sonho feito realidade, agora tudo que ela tinha que fazer era colocar em prática o que planejou desde pequena.

"Mamãe… Sinto que estou mais próxima da minha salvação" 

A Todoroki fechou os olhos, lembrando-se de uma mulher de aparência fraca e cabelos negros; uma imagem vaga que com o tempo foi perdendo seu brilho, restando apenas uma serviçal sem rosto para trás. 

— Está acordada, senhora? 

A morena saiu de suas lembranças ao escutar alguém bater na porta e depois chamar por ela, certamente eram as empregadas que vieram a atender. A mulher de cabelos longos andou até a porta e a abriu, assustando as moças. 

— S-Senhora, você não…

— Meu marido está dormindo. — disse ela, com uma voz baixa, deixando as serviçais atordoadas.

— Seu marido…? 

Demorou para a ficha delas caírem e logo taparam a boca para não soltarem nenhum ruído, afinal, estavam tão chocadas com o que ouviram que certamente um grito iria sair de alguma delas. Olhando para a cama, era possível ver que tinha realmente alguém dormindo lá, elas não podiam acreditar que seu senhor — que não havia comparecido ao próprio casamento — havia compartilhado o quarto com sua nova esposa. 

— E-Eu não sabia que isso podia acontecer. — disse uma das jovens, depois de se recuperar da surpresa. — Se soubesse, teria arrumado melhor a senhora.

— Ah… 

Era verdade, agora que eram marido e mulher, era de se esperar que ambos pudessem cumprir com seus deveres na cama. Tal pensamento, deixou com que Ophelia sentisse arrepios por toda parte de seu corpo, pois ela era uma princesa abandonada que nunca teve contato com o sexo oposto, entretanto, para que seu plano fosse dar certo, ela não se importava em sacrificar seu corpo também. 

 — Precisamos arrumá-la, o duque ordenou que toda a família se reunisse agora. — informou a outra jovem. 

Na cerimônia, ela não teve muito contato com a família Todoroki, mas parecia que agora ela seria introduzida oficialmente a família.

"Preciso conhecer a família que vai tornar meus objetivos bem mais fáceis"

Ophelia Todoroki tinha planos e pensamentos profundos, mas isso continuaria assim ao longo do tempo? Qual impacto essa família poderia ter para ela?