Melhores amigas escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 1
Capítulo único - Melhores amigas


Notas iniciais do capítulo

Essa one-shot se passa entre as ones (também minhas) "Sobrevivência" e "Criança da Quarta-Feira".



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Melhores amigas

De Dani Tsubasa

Wandinha abriu os olhos, curtindo a sensação prazerosa de perder o sono no meio da noite. A lua estava cheia pela primeira vez desde o início do semestre daquele ano letivo em Nunca Mais, ainda reajustando sua agenda. Um raio de luz entrava pelo seu lado da janela, iluminando Mãozinha, que estava atento no chão, observando Enid se revirar debaixo dos cobertores, e a Addams deduziu imediatamente o que estava acontecendo, embora nunca tivesse visto pessoalmente. Não era difícil descobrir com os uivos insistentes vindos de longe do lado de fora da janela.

Garras longas e coloridas surgiram momentaneamente entre as cobertas. Rosnados suaves ecoaram pelo quarto, e por fim uma lobisomem de olhos gentis emergiu a cabeça entre o travesseiro e o cobertor, olhando para Wandinha como um filhote curioso. A gótica sentiu algo extremamente perturbador por não conseguir negar para si mesma que achou isso fofo. Mas bem, é isso que Enid mais sabia ser depois de alegre. Ela tinha lhe dito que não conseguia controlar a transformação perfeitamente ainda, aos poucos aprendia a manter, fazer ou não fazer o que queria, como a cor de suas garras.

— Você está bem? – Wandinha perguntou, sendo respondida com um rosnado e um olhar confuso.

A morena suspirou, e sentou-se na cama.

— Temos que combinar alguns códigos e condutas pra noites como essa assim que você conseguir falar de novo.

Enid gruniu, parecendo assentir. Seus olhos claros se voltaram para Mãozinha, que saltou para cima da cama após aparentemente receber o consentimento da amiga, e afagou o topo de sua cabeça, tingido por pelo cor de rosa. Enid gruniu de satisfação e pareceu sorrir, fechando os olhos e se esparramando na cama como um cão ao ser afagado por seu humano favorito. Mas logo seus olhos voltaram a se abrir e encarar Wandinha. Que bom que amanhã era sábado, ou seria muito complicado se manterem acordadas nas aulas. Não culpava sua melhor amiga, ela não podia fazer muito mais agora.

Mãozinha fez alguns sinais para a gótica. Vamos lá, fale com ela, qualquer coisa que a distraia pra passarem o tempo. Wandinha olhou para baixo, habilidades sociais eram algo que ela nunca fez questão de desenvolver, mas, embora se recusasse a admitir em voz alta, no fundo sabia que agora faria quase qualquer coisa por Enid.

— Nas nossas férias forçadas – ela começou – Xavier me convidou pra irmos ao cinema.

Enid rosnou com animação.

— Aquele filme que te falei, o mais cruel que os cineastas de hoje deram conta de lançar do gênero terror. Eu disse a Xavier que me recusava a termos um encontro num lugar tão enjoativo quanto um shopping, mas foi até bom. Antes do cinema, nos esgueiramos por áreas bloqueadas ainda em construção, clandestinamente, claro.

Ela fez uma pausa, respirando fundo para continuar, e recebendo uma indicação de Mãozinha de que estava indo muito bem.

— Quando saímos do cinema, tinha uma música pop irritante tocando numa loja colorida de itens fofinhos. Isso me fez lembrar de você.

O olhar de Enid agora brilhou de tal forma que Wandinha se perguntou se lobisomens conseguiam chorar.

‘Você trouxe?’ Mãozinha sinalizou para ela.

Levantando-se para caminhar até o pequeno closet de seu quarto, Wandinha viu, pelo canto dos olhos, Enid se sentar como um cachorro curioso na cama para observá-la, com Mãozinha empoleirado em sua cabeça. Vasculhando rapidamente entre suas coisas, encontrou o pacote azul claro brilhante, amarrado com um laço rosa, e o levou para a amiga lobisomem, que dessa vez chorou como um filhote, em seguida seus dentes afiados formando o que parecia um sorriso.

— É a sua cara. Quando Xavier me mostrou achei que tinha que ser seu. A funcionária não ficou muito feliz em ter que pegá-lo na última prateleira, mas mudou de ideia quando me encarou na intenção de sugerir outro item.

Enid lhe deu aquele olhar de quando a amiga falava agora cruel, mas que agora a loba sabia que não era realmente sério.

— Você quer que eu abra? Ou prefere fazer isso você mesma pela manhã?

A lobisomem se agitou novamente, com um sorriso ainda maior.

— Creio que isso seja um sim?

Mãozinha confirmou, sendo muito mais capaz do que ela de compreender Enid, tendo estado lá para ajudá-la em sua primeira transformação.

Enquanto desfazia o laço, Wandinha ainda mal acreditava que tinha sido capaz de transportar tal objeto por todo esse tempo sem morrer de alergia. Mas a expressão de Enid ao ver o lobo de pelúcia branco e cor de rosa com olhinhos castanhos, compensou tudo isso. Ela estendeu as patas para tentar pegar o objeto, conseguindo fazê-lo com a ajuda da amiga. Foram longos segundos de observação e de olhos verdes brilhando cada vez mais. A loba cuidadosamente colocou o bichinho na cama e se atirou na direção de Wandinha, encaixando a cabeça no ombro da amiga, como uma espécie de abraço. A Addams ficou em choque por alguns segundos, sendo tirada de seu transe por Mãozinha, e envolvendo os braços ao redor do pescoço da amiga. Isso durou alguns segundos até Enid se afastar com um sorriso e voltar a olhar com admiração para o presente. Wandinha sentou em sua cama, se perguntando sobre o que fazer agora, até notar um olhar sugestivo de sua melhor amiga, e esse olhar ela conhecia muito bem.

— Foi só um passeio no cinema. Não há nada acontecendo.

Estamos aqui, e não vamos contar, você sabe, Mãozinha sinalizou, agora em cima da cabeceira da cama.

— Cuidem das vidas de vocês.

Enid riu, a sua forma, mas parecia que ela estava rindo. A resposta de Wandinha disse tudo que ela e Mãozinha queriam confirmar.

— Como você está com o Ajax?

A expressão feliz da amiga deixou Wandinha tranquila. O górgona estava se saindo bem.

— Não vai se juntar aos outros lobos lá fora?

Enid olhou para a janela em dúvida, depois voltou a se deitar na cama.

— É melhor tentarmos dormir. Você pode me falar pela manhã.

Wandinha voltou a se deitar, vendo Mãozinha ajudar a amiga a se cobrir.

— Não quero dizer com isso que gostaria de você longe daqui, só que acho que seria uma boa experiência interagir com outros como você. Você parecia preocupada com isso quando nos conhecemos.

Enid virou a cabeça em sua direção, seus olhos brilhando de felicidade outra vez, e se fechando em seguida. Apesar dos uivos lá fora, os três conseguiram dormir.

******

— Eu quero fazer isso, mas não ainda. Prefiro me adaptar sozinha primeiro. E quero deixar claro pro Ajax que não tô dando um fora nele só porque saí com amigos lobos uma noite ou outra – Wandinha escutou a loirinha dizer, e abriu os olhos, vendo-a já vestida para o dia enquanto tagarelava.

— Por que acordou tão cedo?

— Perdi o sono de novo agora há pouco, mas não tô cansada. Deve ser coisa de lobo, ou da minha adaptação. Espero não ficar caindo pelos cantos depois.

— Então volte e durma mais se precisar. Hoje é sábado. E minha promessa de atirar no Ajax se ele quebrar seu coração ainda está de pé.

— Aquilo foi só um mal entendido, Wandinha.

— E eu estava muito ocupada na época. Agora, no entanto...

Enid apenas deu um olhar que misturava súplica e advertência à amiga, vendo a gótica se levantar e arrumar a cama, depois dando bom dia a ela e Mãozinha e indo trocar seu pijama negro por outras roupas, igualmente escuras, mas com um toque de branco nos detalhes dessa vez.

Antes de saírem para o refeitório, os três foram surpreendidos por uma batida vacilante na porta, e ouviram murmúrios tanto de Xavier quanto de Ajax, numa conversa confusa do lado de fora. As duas garotas se entreolharam, e quando Wandinha abriu a porta, Ajax já tinha sumido.

— Bom dia, Xavier – Enid falou – Pensei ter ouvido a voz do Ajax.

— Bom dia – o garoto falou parecendo nervoso – É, ele tava aqui, mas voltou pro quarto pra terminar de se arrumar antes de vir ver você.

— Por que? Ele nunca ligou muito pra isso.

— É que ele me arrastou até aqui antes mesmo de terminar de trocar o pijama.

— E por que a pressa? – Wandinha finalmente falou.

— Ele... – Xavier suspirou, confirmando seu nervosismo – Disse que... Era melhor eu falar com você enquanto tô empolgado – disse para a Adams – Não que eu não fosse falar depois...

As duas garotas trocaram um olhar confuso, e Mãozinha fez um gesto para o rapaz, pedindo que falasse de uma vez por todas.

— É que... – Xavier enfiou as mãos nos bolsos do casaco, e olhou momentaneamente para cima, praticamente tremendo, mas então respirando fundo e encarando Wandinha.

A Adams praticamente podia sentir Enid escondendo um sorriso e se segurando para não gritar e pular atrás dela.

— Bem... Nossa situação na Rave’N ano passado... Foi um desastre – Xavier admitiu em voz alta.

— Sua sinceridade me agrada – Wandinha disse simplesmente.

— Fico feliz em saber disso, mas eu vim aqui porque... – ele puxou as mãos dos bolsos, gesticulando enquanto escolhia as palavras – A festa do primeiro semestre. Vai ser em breve, daqui mais de um mês na verdade, mas logo todos vão começar a falar disso, incluindo os professores. E eu quero saber se você quer ir comigo.

Wandinha congelou enquanto seu cérebro processava a informação, e ela tinha certeza que Enid e Mãozinha estavam trocando gestos discretos de extrema felicidade agora.

— Sem Hydes, sem crimes, sem investigação... Tudo isso passou, eu espero – Xavier continuou – Então será só uma festa pra nos divertirmos juntos, escrever algo melhor por cima daquelas lembranças.

Dessa vez Wandinha conseguiu ouvir o pulo de alegria de Enid, e viu Xavier trocar um rápido olhar com ela. A loba estava radiante ao vê-lo tocar num dos pontos fracos de Wandinha, mesmo como alusão, escrever era algo que a Adams amava talvez até mais que a própria vida.

— Tudo bem, irei com você. Aprecio seu pedido direto. E gostaria de me redimir.

— Sério?! – Xavier sorriu.

Wandinha apenas o encarou firmemente, decidindo poupá-lo de suas respostas irônicas a isso. Mesmo assim o sorriso radiante de Xavier continuou ali, e ela jamais admitiria o quanto estava começando a acha-lo bonito assim.

— Enid gostou do presente? – Ele perguntou de repente, agora leve e claramente relaxado.

— Sua sugestão foi perfeita – Wandinha respondeu.

— Sim! Wandinha me contou de como vocês encontraram – disse, apontando o lobo de pelúcia me cima da cama – Eu amei! Vou dormir com ele todas as noites a partir de agora.

— Fico feliz – Xavier sorriu, e pelo longo olhar que lançou à Adams, Enid tinha certeza que avançaria e a beijaria agora se estivessem sozinhos, ou no mínimo tentaria um abraço, apesar dos riscos a sua integridade física.

Mas o Thorpe não fez isso, apenas respirou fundo, relaxou o corpo para se conter, e manteve o sorriso, depois se despedindo dos três e indo procurar Ajax. Todo o silêncio de Enid durante o a estadia de Xavier foi compensado de uma vez então. A loirinha gritou e pulou junto com Mãozinha enquanto os dois comemoravam e Wandinha olhava o surto com indignação.

— Eu sabia! Eu sabia! Ele gosta de você!

— É só uma festa.

— Só uma festa? Eu não estaria tão certa. Não diz que não percebeu o jeito que ele te olhou antes de sair e como ele tava se segurando pra não te abraçar, que eu não acredito! Inclusive, ponto pra ele. Respeitou sua vontade, isso é valioso num parceiro.

— Enid...

— Primeiro ele te visita e te dá um desenho de presente, depois te convida pro cinema, e agora isso? Logo nós duas teremos namorados, amiga! Eu já tenho o Ajax, só falta você.

Wandinha olhou para Mãozinha, que gesticulou indicando que nada podiam fazer, e que também estava feliz por ela. A morena se virou, fingindo arrumar suas coisas para o dia, e escondendo o sorriso pela felicidade dos dois amigos que agora tinham voltado a conversar na cama de Enid, e por algo perturbador que ela vinha sentindo na presença e com o pensamento de Xavier. Não podia ainda afirmar que entendia o que era, mas a perturbava, de uma forma que não gostava, e esse enigma interno a deixava satisfeita por enquanto. Na verdade, ela sabia. Era parecido com o que aconteceu com Tyler, agora com dúvidas, inseguranças, mas também algo que as outras pessoas talvez chamassem de intuição. Parecia um terreno seguro agora, e só queria não estar errada de novo. Mas se estivesse, seus treinos de sobrevivência durante as férias recentes serviriam para alguma coisa.

— Obrigada – Enid cortou seus pensamentos de repente – Por cuidar de mim durante a noite. Isso significa muito.

— Eu não faria diferente – Wandinha respondeu, oferecendo um pequeno sorriso à amiga.

— Você sorriu! Ainda tá voando por causa do Xavier – Enid brincou, sorrindo.

— Eu estava apenas sendo recíproca a sua amizade. Quando vai esquecer isso? Não há nada entre Xavier e eu.

— Vou fingir que acredito até você aceitar.

‘Ela ama você, e está feliz por sua felicidade. E eu estou aqui, pra qualquer coisa.’ Mãozinha sinalizou ao lado da loirinha.

Wandinha apenas olhou para os dois, mas era a única resposta que precisavam. Pensando nisso, sua incerteza e aquela sensação boa com a qual seu lado sombrio ainda brigava voltaram a entrar em conflito. Era um início de manhã agradável para uma Adams.


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