Céus Azuis escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
Céus Azuis (Capítulo Único)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura

Por favor, leia também as notas finais.



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Nápoles, orla da praia – 17:15 hrs

 

“Céus azuis.

 

Céus azuis indo e voltando.

 

Eu tinha uma vida miserável. Uma vida com um estado de espírito deplorável, onde era difícil respirar, enquanto a vida ia passando nos rostos que me cercavam. A cada dia que passava, pareciam mais cansados…

Levei o gargalo até a boca, tomei o último gole e deixei o meu corpo vazio de alma apodrecer em qualquer canto da minha casa fria e cinzenta. As contas atrasadas levaram a água, o calor e a luz daquele lugar escuro, me deixando sozinho naquele quarto, munido apenas de uma vela, um estilete, vinho, cigarro e pensamentos perturbadores. Não há ninguém aqui… nenhuma garota… nenhum grande amor… apenas esses pôsteres de modelos olhando pra mim. Olho em volta e vejo a camada translúcida e esbranquiçada de uma geada se formar no vidro obscurecido da minha garrafa, sinal de que a temperatura logo cairia mais e em breve eu morreria de hipotermia. Por fim, olho para o espelho à minha frente e encontro um homem perdido… um homem perdido nesse mundo enorme… perguntando-se se, um dia, eu te veria novamente. Puxei os meus cabelos longos e comecei a cortá-los, mecha por mecha.

 

E então você veio.

 

Meus fios acinzentados caíam como plumas por todo lugar. Meus pulsos sangravam com a falta de alguém que se importasse. Você me chamou, e eu não te atendi. Você insistiu… conseguiu entrar na minha casa, subiu as escadas e me encontrou naquela situação deplorável. A vela iluminava os meus olhos vazios, o preto da pintura escorria com as minhas lágrimas. Eu olhei o reflexo do espelho e vi minhas pupilas contraírem de surpresa quando percebi que você havia voltado. Tínhamos nos visto somente uma vez, quando você me fez a proposta para formar uma equipe, e eu realmente não estava muito interessado, sequer perguntei do que se tratava, mas havia alguma coisa nos seus olhos e na sua voz que não saíram da minha memória… e eu queria ver aquilo de novo, antes de padecer na minha dor.

 

— O que você está fazendo?!

 

Você parecia tão preocupado. Eu nunca vi alguém zelar por outro que mal havia conhecido. Eu entrei na corporação da polícia esperando atitudes como aquelas… mas eu encontrei no coração de um homem marginalizado pelas pessoas. Você correu até mim, viu as gotas de sangue no metal daquele estilete, lançou todos aqueles objetos fora e manteve apenas a vela para iluminar os nossos rostos. Minhas mechas repicadas… você passou os dedos por elas, buscando uma forma de reverter aquela situação.

 

— Por que você quer algo comigo…? Olhe pra isso… que patético. Eu sou fraco.

 

— Olhe pra mim — ele olhou para o espelho e nossos olhares se cruzaram no reflexo. — É por você ser fraco, que eu te quero. Na sua fraqueza, você encontrará sua força.

 

Pela primeira vez, senti que alguém estava falando comigo, e não com a minha carcaça pútrida e fracassada. Você se afastou… começou a xeretar as minhas coisas como se fosse um policial fazendo uma vistoria. Retornou com alguns pertences… cuidou dos meus ferimentos e os enfaixou.

 

— Está apertado?

 

Eu neguei com um movimento de cabeça. Você voltou a vistoriar minhas coisas, até encontrar uma máquina que pudesse cortar o meu cabelo. Assim, você o fez. Pouco a pouco, outra imagem se formava diante do espelho, e o meu olhar, iluminado pelo seu, voltou à sua profunda escuridão.

 

— Pareço o homem do meu passado…

 

Você entendeu. Meus cabelos curtos entregavam aquele que eu queria apagar da minha vida. Mas, num terno sorriso seu, vi a sua essência se manifestar em um ser de cor azul, majestoso.

 

Sticky Fingers.

 

Essa foi a primeira vez que eu ouvi falar do seu stand, e também o dia que eu também descobri ser um usuário de um. Não que isso me importasse muito… eu estava mais interessado em descobrir o que era aquilo que se movia com tanta agilidade. Em poucos instantes, ele recolheu todos os meus fios, caídos no chão, e os fixou na minha cabeça com um zíper que sumiu no momento seguinte.

 

— Pronto. Isso irá durar até que o seu cabelo cresça. Assim, você se sentirá um pouco melhor com o que está vendo no espelho…

 

Eu suspirei e permaneci no meu lugar. Senti quando você se aproximou, era perto o suficiente para que eu pudesse sentir o calor da sua respiração tocar a minha nuca; aquilo fez os meus olhos se fecharem automaticamente, eu inibi minha visão para potencializar os meus outros sentidos.

 

— Gostaria de morar comigo? Eu não vejo como esse lugar escuro possa ajudar na sua recuperação. E eu quero você por perto…

 

Como eu poderia negar aquele pedido…? Eu estava tão inebriado pela sua voz, cada vez mais enfeitiçado pela sua presença, que eu poderia obedecer a qualquer desejo seu.

Seguimos em direção ao seu carro, e, olhando pela janela, identifiquei rastros de alguma cor. O meu mundo ainda parecia cinza… mas o céu parecia azul. O frio, a geada nos vidros dos carros e na calçada das ruas, tudo isso parecia azul. Olhei para o alto, vi as nuvens indo embora (ou nos seguindo… a bebida que eu havia tomado estava deixando as coisas mais difíceis de se observar).

 

Falando nelas, era engraçado, contudo…

As nuvens pareciam falar comigo. Diziam para confiar em você e que tudo daria certo. Eu confiei no que elas me disseram… e não me arrependo nem por um segundo. Do céu, eram as únicas que não tinham cor, mas os seus movimentos, indo e vindo, e a forma como se desfaziam me fez perceber que elas também eram parte daquele céu que nos cercava… e que, no fim de suas existências, também eram azuis.

 

Céus azuis.

 

Chegamos na sua casa. Era grande e opulenta, o que também não me interessava, pois a sua presença não me permitia pensar em outra coisa. Você me deixou tomar um banho, me deu roupas novas, me alimentou. Eu queria agradecer, mas não saíam palavras da minha boca. Resolvi olhar nos seus olhos e esperar que compreendesse a minha gratidão, e então eu percebi… que eles também eram azuis. De um intenso vívido azul cobalto, uma cor de autoridade e respeito. Eu fui paralisado por aqueles olhos… eles me encarceraram nos meus pensamentos. Senti seus dedos tocarem o meu queixo, chamando minha atenção.

 

— Está tudo bem…?

 

Você sorriu novamente, e eu lembro porque jamais esqueceria o seu sorriso. Estávamos na sala de jantar, eu não consegui terminar minha refeição (eu não estava com fome de qualquer maneira). Assenti, então você relaxou os ombros e se afastou. Você não notou, mas te olhei de longe por longos instantes… instantes que, pra mim, pareciam curtos. Você mexeu com os meus pensamentos naquele dia… mexeu como ninguém nunca havia feito. Você lembra… sei que lembra… quando me levantei, por impulso, e chamei sua atenção novamente.

 

— Eu… — não sabia sequer o que dizer, mas improvisei. — Qual o seu nome?

 

Você se virou para mim e se aproximou em passos lentos.

 

— Bucciarati. O seu é Abbacchio, não é? Eu andei pesquisando sobre você…

 

— Bucciarati… — me aproximei até ficarmos próximos o suficiente, e até eu perceber como sou mais alto que você. — Me deixe dar a minha vida pela sua causa. Eu quero seguir você.

 

— É isso que eu quero de você. Venha, preciso lhe deixar ciente de algumas coisas…

 

Você segurou a minha mão e me levou para outro cômodo.

Aquilo me incomodou muito, porque foi a partir daqui que eu fiz o que você queria, e que em nenhum momento fiz o que eu queria. É por esse motivo que eu escrevo essas coisas. Eu queria viver nos seus olhos azuis, queria levar minhas mãos ao seu rosto, jogar uma daquelas mechas escuras por detrás da sua orelha e beijar o canto mais quente do seu pescoço. Eu queria descobrir o gosto da sua boca, o toque da sua língua, e ouvir os sons embevecidos dos seus gemidos. Eu queria tirar lentamente cada peça daquelas vestes e ser aquele o capaz de aquecer o seu corpo. Queria conhecer os seus pontos de deleite, descobrir o sabor do seu prazer na minha boca, sentir o arrepio da sua pele corada em contato com a minha; queria aproximar os meus lábios no seu ouvido e te mostrar qual é o som que o seu amor faz o meu corpo emanar…

 

Eu queria que soubesse, desde aquele dia, que eu te amo. Não como um amigo, não como um irmão, não como um pai… eu te amo da forma mais pecaminosa que existe. Foi desde aquele dia, desde aquele bendito dia, desde o dia que as nuvens falaram comigo e que o meu mundo cinza ganhou uma cor, que não há espaço para mais ninguém no meu universo frio, senão para você.

 

Naquele dia, o meu mundo monocromático ficou um pouco mais azul.”

 

Ao terminar de ler aquele pequeno pedaço de papel que encontrei nos seus pertences, a primeira coisa que fiz foi olhar para o céu e buscar as nuvens da história dele.

 

Nunca pensei que, um dia, olhar para o céu significaria tanta dor. Ainda era frio, mas a orla da praia parecia bem menos atingida por essa sensação térmica. Escondi as lágrimas no calor do meu echarpe, que dançava com a força do vento, e segurei o pedaço de papel com força, não queria perdê-lo e nem rasurá-lo de jeito nenhum. Eu li e reli cada uma daquelas palavras… e me arrependi de todas as vezes que cogitei não ser amado por ele da mesma forma que eu o amava.

 

Abbacchio… estou nesse mundo enorme sem você. Olhei para o céu e as nuvens não falaram comigo. Todavia, concordamos em uma coisa…

 

Céus azuis.

Desde que você se foi, tenho assistido…

 

céus azuis indo e voltando.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido até aqui.

Essa é uma história de capítulo único. Se você gostou desse tipo de história e quer ver mais, por favor me siga no Spirit e me mande uma mensagem falando que veio por aqui, vai ser realmente importante pra mim ter esse feedback porque irei desativar o meu perfil do Nyah devido às baixas interações e eu preciso saber se esse tipo de história é de interesse das pessoas ou não.

É bem desanimador se dedicar em algo que ninguém diz pelo menos o que não gostou pra o autor melhorar...

Enfim, se quiserem me dar esse apoio, agradecerei bastante. O link da minha conta no Spirit está no meu perfil do Nyah. Eu também tenho uma conta no Wattpad, mas tudo leva a crer que eu irei desativar ela também.

Obrigada mais uma vez pela atenção ♥



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