As primeiras horas da família Kirk em Vulcano foram agradáveis. Jim e Spock puderam ouvir o que estava acontecendo na vida dos filhos. Amanda tinha sido promovida a tenente comandante recentemente e teve um encontro fortuito com romulanos.

—Meu capitão resolveu a questão toda, no fim das contas - ela terminou sua história - mas eu tive a oportunidade de entendê-los um pouco melhor, pôr em prática o que eu vi e aprendi todos esses anos, respeito a culturas e se pôr no lugar dos outros, mas nunca concordando totalmente com os métodos extremos deles. Estar em família agora ajuda a processar tudo melhor.

—Fico contente em ouvir isso - a mãe dela disse em aprovação - você sempre foi muito sábia, Amanda.

—Obrigada, mamãe - a moça sorriu, feliz com o elogio.

—Bom, a Mandy continua séria como sempre a conhecemos - Gina deu de ombros, ainda num tom animado - mas eu inventei um novo programa de holodeck, combina o melhor de parque de diversões que eu visitei em todas as galáxias, seria bom ir com vocês até lá.

—Guarde toda essa diversão para seus irmãos, nós mesmos acabamos de ter nossa própria aventura - Jim reconheceu que deveria recusar.

—Bem, suas irmãs contaram o que fizeram ultimamente - Spock se voltou para o filho - e quanto a você, David?

—Eu foquei na minha recuperação - ele respondeu prontamente - Saavik esteve o tempo todo me ajudando.

—Foi um tarefa um tanto... intrigante - respondeu sua amiga - ele pode ser muito teimoso, mesmo sendo um cientista e sabendo das recomendações médicas.

—Ainda assim você foi paciente comigo, vou ser sempre grato a você por isso - ele sorriu para a moça, o que fez Jim e Spock trocarem um olhar confidencial e entenderem tudo o que estava acontecendo.

Resolveram poupar David de qualquer maior constrangimento do que continuar questioná-lo se ele e Saavik estavam em um relacionamento romântico.

—É bom ouvir de vocês e estar aqui por sua causa - Spock retomou a conversa de modo mais sério - mas há outro motivo para eu estar aqui.

—Vimos a movimentação da Frota até aqui, imaginamos que isso tem a ver com vocês também - Amanda deduziu.

—Isso diz a meu respeito muito mais do que podem imaginar - a mãe deles fez uma pausa antes de continuar - acontecerá um julgamento para decidir o que será feito de um vulcano transgressor, seu nome é Sybok, ele também é filho de meu pai, com sua falecida primeira esposa.

—Você tem um irmão secreto? - a declaração espantou David e igualmente suas irmãs, que esperaram por respostas.

—Eu tenho, e lamento se esconder a existência dele de vocês os ofende de alguma forma - Spock continuou sua explicação - porém suas transgressões me envergonharam, eu não quis divulgar sua existência com ninguém.

—O que esse Sybok fez de tão grave? - Georgina perguntou.

—Ele rejeitou sua crença na lógica, obrigou outros a seguirem seus princípios emotivos sem o consentimento deles - a mãe deles explicou - e também roubou uma nave estelar, o que explica o envolvimento da Frota Estelar no julgamento.

—Está bem, isso foi... inesperado - Amanda comentou, com surpresa, pensativa - e... irá testemunhar contra seu irmão, mãe?

—Eu me direi a verdade sobre ele, sobre o que me perguntarem - Spock foi prática como sempre.

—Vocês tinham um bom relacionamento? Antes de ele se tornar o que se tornou? - David ousou perguntar.

—Ele me defendia, demonstrava compreender meu conflito, embora me provocasse vez ou outra - Spock contou suas recordações - muito como vocês fazem até hoje.

—Crianças, eu sei que isso tudo é tão novidade pra vocês quanto é pra mim, mas talvez seja bom dar um tempo para sua mãe - Jim pediu, percebendo pequenos sinais na esposa de que todo aquele assunto era um tanto desgastante.

—Claro, papai, tem razão - Amanda disse por ela e os irmãos - sei que se sairá bem no tribunal, confio que será sábia como sempre foi.

—Obrigada, Amanda - a mãe assentiu para a filha.

Os próprios irmãos Kirk e Saavik tinham muito que processar depois do que descobriram. Eles se retiraram e deixaram o casal sozinho.

—Você está bem, Spock? - Jim perguntou suavemente, chegando a segurar a mão da esposa, gesto que ela não rejeitou.

—Estou, agradeço por sua compreensão e gentileza, Jim - ela fechou os olhos e suspirou - é verdade que estou em conflito, tenho uma obrigação com o meu irmão pelo sangue, mas também tenho com o meu povo e a Frota Estelar. O que me conforta é saber que a decisão do destino de Sybok não está completamente em minhas mãos.

—Segure-se nisso - Jim assentiu.

Ela assentiu mais uma vez, precisando de um momento de meditação antes que o julgamento começasse. Jim gentilmente cedeu o espaço a ela.

Algumas horas depois, Spock estava pronta para seu depoimento. O salão principal do fórum em Vulcano estava cheio, rodeado por uma plateia ávida por ver a condenação de Sybok, com um juiz vulcano e um Comodoro da Frota ao seu lado. 

—Chamamos como testemunha Schn T'gai Spock Kirk - disse o juiz vulcano.

Spock tomou seu posto de forma séria, tentando não fazer muito contato visual com o irmão. Porém Sybok, reconhecendo o nome, tinha fixado seus olhos na irmã, observando a mulher madura que ela tinha se tornado. O que a diferenciava de suas distantes lembranças eram as expressões marcadas em seu rosto por ela estar mais velha e o uniforme impecável da Frota Estelar, mostrando a patente de capitã, o que o deixou ainda mais impressionado.

—Diga seu posto na Frota e sua relação de parentesco com o réu - instruiu o comodoro.

—Sou capitã da Frota Estelar, nomeada como oficial de ciências da Nave Estelar Enterprise - Spock disse prontamente - o réu em questão é meu irmão, filho de meu pai.

—Concorda que as ações dele nos últimos anos foram condenatórias? - indagou o juiz.

—Não acompanho a vida de Sybok há muito tempo, para ser honesta - ela disse - o que sei é o que testemunhei na minha juventude e o que me foi dito sobre seus últimos atos, certamente ele cometeu crimes de roubo e rapto de uma nave de propriedade da Frota, além de ser desrespeitoso à cultura vulcana. Pelo roubo e por desrespeitar a opinião de outras pessoas sobre as crenças dele, deve sofrer punição. Por se voltar contra a lógica, era uma opção possível.

O comentário dela trouxe um murmúrio incomum da audiência, como se sua simples resposta causasse uma comoção indesejada. James se preocupou se ela sofreria retaliações. Sybok, por sua vez, se deixou sorrir abertamente, surpreso. Em outras palavras, a irmã tinha achado uma pequena brecha para defendê-lo.

—Pode explicar melhor o que quer dizer com opção possível? - questionou o juiz.

—Certamente - Spock retomou seu discurso - cada criatura viva tem a chance e a escolha de decidir como quer viver, é claro que também cada civilização e cultura tem o mesmo direito. Se Sybok quer ser um vulcano com emoções que viva assim, mas não transgrida outros vulcanos que seguem o caminho da lógica.

A conversa sobre o depoimento dela cresceu ainda mais, o que deixou todos intrigados e à beira de não saber exatamente como proceder. 

—Teremos um breve recesso, voltaremos daqui a 15 minutos - decidiu o juiz, fazendo com que todos se dispersassem, ainda conversando sobre o que tinha acontecido.

Quando Spock deixou seu posto de testemunha, olhou para o irmão por alguns breves segundos, deixando sentir pena dele, mas um resquício ainda menor de compreensão. Os dois sentimentos seguramente reprimidos por sua disciplina vulcana. Sybok apenas assentiu para ela, com olhos brilhando de esperança e gratidão.