Sabe, eu vivi muito tempo presa dentro de um quarto

A porta, tão pequena, era impossível sair

Eu gritava alto, mas ninguém ouvia

E mesmo que estivessem ouvindo

Eu tenho a certeza

Que ninguém tentaria

O meu corpo preso em um quarto azul

Um quarto tão pequeno, como um cubo

Eu não conseguia me mexer

Abraçada em meus joelhos, com as costas doendo

Vendo a janela que eu havia desenhado, aos poucos

Derretendo

A atmosfera quente fazia a tinta pingar

Se era mesmo tinta, não sei, mas pra que duvidar

Meu desejo era só um: o de desaparecer

Sumir daquele quarto, começar o segundo ato

Eu me alimentava de insetos

Aranhas, centopeias e baratas

No início foi difícil

Mas com o tempo, eu me acostumava

E aos poucos meus dentes foram apodrecendo

As gengivas sangravam, placas se formavam

A cor amarela era nítida, mesmo para mim

Que vivia enfurnada em um quarto sem espelho

Perturbada pelo amolecimento de meus dentes

E o calor do hálito ruim

Como eu iria sair daquele quarto?

Passar pela porta pequena, minúscula

Com a minha cabeça apoiada nos joelhos

Chorava em desespero

E em vez de encontrar uma solução

Me sentia cada vez mais presa no cativeiro

Talvez a solução, fosse a dissolução

De meu próprio corpo

Talvez me cortar em pedacinhos

Era a única saída; mas seria eu capaz?

De me destruir em meu próprio quarto

Só para encontrar paz?

Será que valeria a pena?

Naquele estado em que eu me encontrava?

Já havia me tornado um monstro

Até os insetos eu dilacerava

Eu, dentro do quarto

Sem nenhum desfecho

Quando finalmente saí

Me senti da mesma forma

Será que valeu a pena?

Talvez esteja na hora de voltar, agora