Girls and Blood — Crepúsculo Reimaginado escrita por Azrael Araújo


Capítulo 20
XIX - ávida por...




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809208/chapter/20

Okay, ela conseguia dirigir bem quando mantinha a velocidade razoável. Como em muitas coisas, parecia não exigir esforço nenhum. Ela mal olhava a estrada, e, no entanto, o carro sempre ficava perfeitamente centralizado na pista. Ela dirigia com uma só mão, porque eu estava segurando a outra dela entre nós. Às vezes, ela olhava o sol poente, que cintilava na pele dela em brilhos de tom de rubi. Às vezes, olhava para mim, olhava nos meus olhos ou para nossas mãos entrelaçadas.

Ela ligara o rádio em uma estação de música antiga e cantava uma canção que eu nunca tinha ouvido. A voz era perfeita, como tudo nela, indo um oitavo acima da melodia. Ela sabia toda a letra.

— Gosta de música dos anos 1950? — perguntei.

— A música dos anos 1950 era boa. Muito melhor do que a dos anos 1960, ou dos 1970, ugh! — Ela estremeceu. — A dos anos 1980 era suportável.

— Vai me dizer um dia qual é a sua idade?

Eu me perguntei se minha pergunta atrapalharia o bom humor dela, mas ela só sorriu.

— Isso importa muito?

— Não, mas quero saber tudo sobre você. — dei de ombros.

— Eu me pergunto se vai perturbar você. — Ela refletiu para si mesma. Ficou olhando diretamente para o sol; um minuto se passou.

— Você pode tentar — sugeri, por fim.

Ela olhou nos meus olhos, parecendo se esquecer completamente da estrada por um tempo. O que quer que tenha visto a encorajou. Ela se virou para olhar os últimos raios vermelho-sangue do sol poente e suspirou.

— Nasci em Chicago em 1900. — Ela parou e olhou para mim pelo canto do olho. Meu rosto estava cuidadosamente composto, sem surpresa, esperando pacientemente pelo resto. Ela deu um sorrisinho e continuou. — Carine me encontrou em um hospital no verão de 1918. Eu tinha 18 anos e estava morrendo de gripe espanhola.

Ela ouviu meu arfar e olhou nos meus olhos de novo.

— Não lembro muito bem. Foi há muito tempo, e a memória humana vai acabando. — Ela pareceu perdida em pensamentos por um minuto, mas, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, prosseguiu. — Mas lembro como foi quando Carine me salvou. Não é fácil, não é uma coisa de que se possa esquecer.

— E seus pais?

— Eles já haviam morrido da doença. Eu estava sozinha. Foi por isso que ela me escolheu. Em todo o caos da epidemia, ninguém perceberia que eu tinha desaparecido.

— Como foi que ela... salvou você?

Alguns segundos se passaram, e, quando ela falou de novo, parecia escolher as palavras com cuidado.

— Foi difícil. Não há muitos de nós com o controle necessário para conseguir isso. Mas Carine sempre foi a mais humana, a mais compassiva de todos nós... Não acredito que se possa encontrar alguém igual a ela em toda a história. — Ela hesitou. — Para mim, foi apenas muito, muito doloroso.

Ela firmou o maxilar, e consegui perceber que não falaria mais nada sobre o assunto.

— Ela agiu por solidão. Este em geral é o motivo por trás da decisão. Fui a primeira da família de Carine, embora ela tenha encontrado Earnest logo depois. Ele havia caído de um penhasco. Levaram-no diretamente para o necrotério do hospital mas, de alguma forma, seu coração ainda batia.

— E Eleanor e Royal?

— Carine trouxe Royal à nossa família em seguida. Só bem mais tarde percebi que esperava que ele fosse para mim o que Earnest é para ela. Ela era cautelosa com os pensamentos perto de mim. — Ela revirou os olhos. — Mas ele nunca foi mais do que um irmão. Apenas dois anos depois ele encontrou Eleanor. Ele estava caçando, estávamos nos Apalaches naquela época, e encontramos um urso prestes a acabar com a vida dela. Ele a levou para Carine, mais de 150 quilômetros de distância, com medo de não conseguir fazer. Mal consigo imaginar como a viagem deve ter sido difícil para ele.

Ela me lançou um olhar penetrante e ergueu nossas mãos, ainda entrelaçadas, para afagar meu rosto.

— Mas ele conseguiu.

— Conseguiu. Ele viu alguma coisa no rosto dela que lhe deu forças. E eles estão juntos desde então. Às vezes, eles moram separados de nós, como um casal. Mas, quanto mais jovens fingimos ser, mais tempo podemos ficar em um determinado lugar. Forks é perfeita de muitas formas, então todos nos matriculamos no colégio — ela riu. — Imagino que tenhamos que ir ao casamento deles daqui a alguns anos, de novo.

— Archie e Jessamine?

— Archie e Jessamine são duas criaturas muito raras. Os dois desenvolveram uma consciência, como dizemos, sem nenhuma orientação externa. Jessamine pertencia a outra... família, um tipo muito diferente de família. Estava deprimida e começou a vagar sozinha. Archie a encontrou. Como eu, ele tem certos dons.

— É mesmo? — interrompi, fascinada. — Mas você disse que era a única que podia ouvir os pensamentos das pessoas.

— E é verdade. Ele sabe outras coisas. Ele vê coisas, coisas que podem acontecer, coisas que estão chegando. Mas é muito subjetivo. O futuro não está gravado em pedra. As coisas mudam.

Seu queixo travou quando ela disse isso, e os olhos dispararam para meu rosto e se desviaram tão rapidamente que não tive certeza se havia só imaginado.

— Que tipo de coisas ele vê?

— Ele viu Jessamine e entendeu que ele procurava antes de saber de sua existência. Ele viu Carine e nossa família, e eles se uniram para nos encontrar. Ele é mais sensível a não humanos. Sempre vê, por exemplo, quando outro grupo de nossa espécie está se aproximando. E qualquer ameaça que possam representar.

— E existem muitos de... sua espécie? — Fiquei surpresa. Quantos deles podiam estar andando entre nós sem ser detectados?

Minha mente travou em uma palavra que ela disse. Ameaça. Era a primeira vez que ela dizia qualquer coisa que indicasse que o mundo dela era perigoso não só para humanos. Isso me deixou nervosa, e eu estava prestes a fazer uma nova pergunta, mas ela já estava respondendo minha primeira.

— Não, não são muitos. Mas a maioria não se acomoda em um lugar. Só os que são como nós, que desistiram de caçar pessoas — um olhar malicioso em minha direção — podem viver junto dos humanos por um determinado tempo. Só descobrimos uma família como a nossa em uma pequena aldeia do Alasca. Moramos juntos por um tempo, mas éramos tantos que ficamos visíveis demais. Aqueles de nós que vivem... de forma diferente tendem a ficar juntos.

— E os outros?

— Nômades, em sua maioria. Todos nós vivemos desse jeito por alguns períodos. Fica tedioso, como qualquer outra coisa. Mas nos deparamos uns com os outros de vez em quando, porque a maioria de nós prefere o norte.

— Por que isso?

Agora, estávamos estacionados na frente da minha casa, e ela desligou o motor. Estava muito silencioso e escuro; não havia luar. A luz da varanda estava apagada, então eu sabia que meu pai ainda não chegara.

— Você estava de olhos abertos esta tarde? — zombou ela. — Acha que eu poderia andar pela rua à luz do sol sem provocar acidentes de trânsito?

Pensei que ela era capaz de parar o trânsito mesmo sem toda a pirotecnia.

— Há um motivo para que tenhamos escolhido a península de Olympic, um dos lugares mais desprovidos de sol do mundo. É bom poder sair à luz do dia. Você não acreditaria em como pode ser cansativo viver à noite por oitenta anos.

— Então é daí que vêm as lendas?

— Provavelmente.

— E Archie veio de outra família, como Jessamine?

— Não, e isso é mesmo um mistério. Archie não se lembra de nada da vida humana. E não sabe quem o criou. Ele despertou sozinho. Quem o criou desapareceu, e nenhum de nós entende por quê, ou como, ele pôde fazer isso. Se Archie não tivesse aquele outro sentido, se não tivesse visto Jessamine e Carine e soubesse que um dia se tornaria um de nós, provavelmente teria se transformado num completo selvagem.

Havia tanta coisa em que pensar, tanto que eu ainda queria perguntar. Mas meu estômago roncou. Eu estava tão interessada que nem havia notado que estava com fome. Percebi então que estava faminta.

— Desculpe, estou impedindo você de jantar.

— Eu estou bem, verdade.

— Nunca passo tanto tempo com alguém que se alimenta de comida. Eu esqueço.

— Quero ficar com você. — Era mais fácil dizer isso no escuro, sabendo que minha voz me trairia, trairia meu vício irremediável nela.

— Não posso entrar? — perguntou ela.

— Gostaria de entrar? — Eu não conseguia imaginar isso, uma deusa sentada na cadeira da cozinha do meu pai.

— Sim, se você não se importar.

Eu sorri.

— Não me importo.

Saí do Tracker e ela já estava lá, mas saiu correndo e desapareceu. As luzes se acenderam lá dentro.

Ela me encontrou na porta. Era tão surreal vê-la dentro da minha casa, emoldurada pelos detalhes físicos chatos da minha vida prosaica. Lembrei-me de um jogo que minha mãe fazia comigo quando eu tinha uns quatro ou cinco anos. Uma dessas coisas não é como as outras.

— Deixei a porta destrancada?

— Não, usei a chave que estava embaixo da calha.

Eu achava que não tinha usado aquela chave na frente dela. Lembrei que ela encontrou  chave do meu Tracker e dei de ombros.

— Você está com fome, certo?

E foi na frente para a cozinha, como se tivesse frequentado minha casa um milhão de vezes antes. Acendeu a luz da cozinha e se sentou na mesma cadeira onde tentei imaginá-la. A cozinha não parecia mais tão sem graça. Mas talvez fosse porque eu não conseguia olhar para mais nada além dela. Fiquei ali por um momento, tentando absorver a presença dela no meio do mundo comum.

— Coma alguma coisa, Bella.

Eu assenti e fui procurar. Havia sobra de lasanha da noite anterior. Coloquei um quadrado no prato, mudei de ideia e acrescentei o resto que estava na forma, depois coloquei o prato no micro-ondas. Lavei a travessa enquanto o micro-ondas girava, enchendo a cozinha com o aroma de tomate e orégano. Meu estômago roncou de novo.

— Hummm — disse ela.

— O que foi?

— Vou ter que me sair melhor no futuro.

Eu ri.

— O que você poderia fazer melhor do que já faz?

— Lembrar que você é humana. Eu devia ter levado alguma coisa para um piquenique hoje.

O micro-ondas apitou e eu peguei o prato, depois coloquei rapidamente na bancada quando queimou minha mão.

— Não se preocupe.

Peguei um garfo e comecei a comer. Eu estava com muita fome. A primeira garfada queimou minha boca, mas continuei mastigando.

— Está gostoso? — perguntou ela.

Engoli.

— Não tenho certeza. Acho que queimei minhas papilas gustativas. Estava gostoso ontem.

Ela não pareceu convencida.

— Você sente falta de comida? De sorvete? De creme de amendoim?

Ela balançou a cabeça.

— Nem me lembro direito de comida. Não saberia nem dizer quais eram as minhas favoritas. Não tem cheiro... comestível agora.

— Isso é meio triste.

— Não é um sacrifício tão grande — falou, com tristeza, como se houvesse outras coisas na mente, sacrifícios que eram enormes.

Usei o pano de prato para levar o prato até a mesa e me sentar ao lado dela.

— Você sente falta de outras coisas da vida de humana?

Ela pensou por um segundo.

— Não sinto falta de nada, porque eu teria que me lembrar para sentir falta, e, como falei, é difícil me lembrar da minha vida humana. Mas há coisas de que acho que gostaria. Acho que você poderia dizer que há coisas das quais sinto inveja.

— Como o quê?

— Dormir é uma delas. A consciência infinita fica tediosa. Acho que eu gostaria de um apagamento temporário. Parece interessante.

Comi um pouco e pensei no que ela disse.

— Parece difícil. O que você faz a noite toda?

Ela hesitou e repuxou os lábios.

— Você quer dizer em geral?

Eu me perguntei por que ela pareceu não querer responder. Era uma pergunta vaga demais?

— Não, não precisa falar de um modo geral. Tipo, o que você vai fazer hoje depois que for embora?

Foi a pergunta errada. Consegui sentir meu ânimo começar a murchar. Ela teria que ir embora. Não importava o quanto a separação seria breve, eu a temia.

Ela também pareceu não gostar da pergunta, e primeiro achei que fosse pelo mesmo motivo. Mas ela virou os olhos para o meu rosto e depois para longe, como se estivesse pouco à vontade.

— O quê?

Ela fez uma careta.

— Você quer uma mentira agradável ou uma verdade possivelmente perturbadora?

— A verdade — respondi, rapidamente, embora não tivesse certeza absoluta.

Ela suspirou.

— Vou voltar para cá depois que você e seu pai dormirem. Faz parte da minha rotina ultimamente.

Eu pisquei. E pisquei de novo.

— Você vem pra ?

— Quase todas as noites.

— Por quê?

— Você é interessante quando dorme — disse ela casualmente. — Você fala.

Meu queixo caiu. Calor subiu pelo meu pescoço até meu rosto. Eu sabia que falava dormindo, claro; Lauren pegava no meu pé por isso. Eu não achei que fosse uma coisa com a qual eu precisasse me preocupar ali.

Ela observou minha reação com apreensão debaixo dos cílios.

— Está com muita raiva de mim?

Estava? Eu não sabia. O potencial de humilhação era alto. E eu não entendia; ela ficava me ouvindo falar dormindo de onde? Da janela? Eu não conseguia entender.

— Como você... Onde você... O que eu...? — Eu não conseguia concluir nenhum dos meus pensamentos.

Coloquei a mão dela na minha bochecha. O sangue nos dedos dela pareceu ferver em comparação à mão fria.

— Não fique chateada. Eu não tive má intenção. Juro que fiquei muito controlada. Se eu achasse que havia perigo, teria ido embora na mesma hora. Eu só... queria estar onde você estava.

— Eu... Não é com isso que estou preocupada.

— Com o que você está preocupada?

— O que eu disse?

Ela sorriu.

— Você sente falta da Lauren. — ela não olhava nos meus olhos — Quando chove, o barulho a deixa inquieta. Você costumava falar muito da sua cidade, mas agora é menos frequente. Uma vez, você disse: “É verde demais.” — Ela riu baixinho para não me ofender ainda mais.

— Mais alguma coisa? — perguntei.

Ela sabia aonde eu queria chegar.

— Você disse meu nome — admitiu ela.

Suspirei, derrotada.

— Muito?

— Defina “muito”.

— Ah, não — resmunguei.

Como se fosse fácil, natural, ela passou os braços ao redor dos meus ombros e apoiei a cabeça em seu peito. Automaticamente, meus braços subiram e a envolveram. Para segurá-la ali.

— Não fique constrangida — sussurrou ela. — Você já tinha me dito que sonha comigo, lembra?

— É diferente. Eu sabia o que estava dizendo.

— Se eu pudesse sonhar, seria com você. E não tenho vergonha disso.

Acariciei o cabelo dela. Acho que, no fundo, eu não me importava. Eu não esperava que ela seguisse as regras humanas normais mesmo. As regras que ela criou para si mesma já pareciam bastar.

— Não tenho vergonha — sussurrei.

Ela fez um zumbido, quase um ronronar, minha bochecha no lugar onde deveria estar seu coração.

Nessa hora, nós duas ouvimos o som de pneus na entrada de carros e vimos os faróis lampejarem nas janelas da frente, descendo pelo corredor até nós. Dei um pulo e baixei os braços enquanto ela se afastava.

— Você quer que seu pai saiba que estou aqui? — perguntou ela.

Tentei pensar rapidamente.

— Hã...

— Em outra ocasião, então...

E eu estava só.

— Edythe? — sibilei.

Ouvi uma risada espectral, depois mais nada.

A chave do meu pai girou na porta.

— Querida? — chamou ele.

Eu achava isso engraçado antes; quem mais poderia ser? De repente, não parecia tão despropositado.

— Aqui.

Minha voz estaria agitada demais? Comi outra garfada de lasanha para estar mastigando quando ele entrasse. Os passos soaram barulhentos demais depois de eu passar o dia com Edythe.

— Você pegou toda a lasanha? — perguntou ele, olhando para o meu prato.

— Ah, desculpe. Aqui, tome um pouco.

— Não tem problema, Bells. Faço um sanduíche.

— Desculpe — murmurei de novo.

Charlie fez uma barulheira na cozinha para pegar as coisas de que precisava. Continuei comendo meu prato gigantesco de comida com a maior rapidez humanamente possível sem morrer engasgada. Estava pensando no que Edythe tinha acabado de dizer: Você quer que seu pai saiba que estou aqui? Que não era a mesma coisa que Você quer que seu pai saiba que estive aqui?, no passado. Isso queria dizer que ela não foi embora? Eu esperava que sim.

Com o sanduíche na mão, Charlie se sentou na cadeira à minha frente. Era difícil imaginar Edythe sentada no mesmo lugar minutos antes. Charlie combinava. A lembrança dela era como um sonho que não podia ter sido real.

— Como foi seu dia? Fez tudo que queria?

— Hã, não exatamente. Estava... um dia bonito demais para ficar dentro de casa. Os peixes morderam a isca?

— Morderam. Eles também gostam do tempo bom.

Raspei o resto da lasanha em uma garfada enorme e comecei a mastigar.

— Tem planos para esta noite? — perguntou ele de repente.

Eu balancei a cabeça, talvez enfaticamente demais.

— Você parece meio agitada — comentou ele.

Claro que ele prestaria atenção logo esta noite.

Eu engoli.

— É mesmo?

— É sábado — refletiu ele.

Não respondi.

— Acho que vai perder o baile de hoje...

— Como eu pretendia.

Ele assentiu.

— Mas talvez semana que vem... você pudesse levar a garota Biers para jantar, quem sabe. Para sair de casa. Socializar.

Pisquei, surpresa.

— Riley? — lancei-lhe um olhar suspeito — Achei que não gostasse dela.

Ele tossiu, parecia meio constrangido. — Essa não é a questão... Querida, ela só... Vem de uma família um pouco complicada, sabe? Mas não acho que seja uma má garota.

O encarei, confusa, por um segundo. Por fim, dei de ombros. Riley e eu na mesma frase, não iria rolar.

— Eu e ela não estamos nos falando muito.

Ele franziu a testa, mas permaneceu em silêncio.

— Então você não vai sair hoje? — perguntou ele de novo.

— Não tenho para onde ir — respondi. — Além do mais, estou cansada. Vou dormir cedo de novo. Eu me levantei e levei o prato para a pia.

— Aham — disse ele, mastigando e pensando. — Nenhum dos garotos da cidade faz seu tipo, é?

Eu dei de ombros enquanto lavava o prato. Como eu explicaria que nenhum garoto fazia o meu tipo?

Consegui senti-lo olhando para mim e me esforcei para impedir que o sangue subisse ao pescoço. Eu não sabia se estava conseguindo.

— Bom, acabei aqui. Vejo você de manhã.

— Boa noite, Bells. — Bells?

Tentei fazer com que meus passos parecessem lentos e cansados ao subir para o quarto, como se eu estivesse exausta. Perguntei-me se ele tinha caído na minha atuação ruim. Eu não menti para ele nem nada. Não estava mesmo planejando sair naquela noite.

Fechei a porta com um barulho alto o bastante para que ele ouvisse, depois corri na ponta dos pés até a janela. Eu a abri e me inclinei para a noite. Não consegui ver nada, só as sombras das copas das árvores.

— Edythe? — sussurrei, sentindo-me uma completo idiota.

A resposta baixa e risonha veio de trás de mim.

— Sim?

Eu girei tão rápido que caí de bunda, com um baque no chão.

Ela estava deitada em minha cama, as mãos na nuca, os tornozelos cruzados, um sorriso enorme cheio de covinhas no rosto. Tinha a cor de gelo na escuridão.

— Ah! — sussurrei, esticando a mão para me apoiar na mesa.

— Desculpe — disse ela.

— Me dê um segundo para reiniciar meu coração.

Ela se sentou devagar, como fazia quando estava tentando agir como humana ou não me assustar, e passou as pernas pela beirada da cama. E bateu no espaço ao lado dela.

Andei oscilante até a cama, acariciando meus glúteos e me sentei. Ela colocou a mão na minha.

— Como está seu coração?

— Me diga você, sei que o ouve melhor do que eu.

Ela riu baixinho.

Ficamos sentadas ali por um momento em silêncio, as duas ouvindo meus batimentos desacelerarem. Pensei em Edythe no meu quarto... e nas perguntas desconfiadas do meu pai... e no meu bafo de lasanha.

— Posso ter um minuto como ser humano?

— Certamente.

Eu me levantei e olhei para ela, sentada toda perfeita na beirada da cama, e pensei que talvez estivesse tendo uma alucinação.

— Você vai estar aqui quando eu voltar, não vai?

— Não vou mexer um músculo — prometeu ela.

E ficou completamente imóvel, uma estátua de novo, empoleirada na beirada da cama.

Peguei meu pijama na gaveta e corri para o banheiro, batendo a porta para Charlie saber que estava ocupada.

Escovei os dentes duas vezes, depois tomei banho rapidamente. Eu sempre usava um moletom azul marinho para dormir, com uma estampa com meu nome e o número 97 em detalhes brancos — presente de Lauren, ela tinha um igual com seu nome.

Fiquei me perguntando o que ela acharia daquilo... Ele não cobria muito bem minhas pernas... Mas não esperava convidados, e devia ser besteira me preocupar. Se ela vinha para cá à noite, já sabia o que eu usava para dormir. Escovei os dentes mais uma vez.

Quando abri a porta, tive outro pequeno ataque cardíaco. Charlie estava no alto da escada. Quase esbarrei nele.

— Ah! — falei, puxando a barra do moletom pra baixo para cobrir a calcinha.

— Ah, desculpe, querida. Não queria dar um susto em você.

Eu respirei fundo.

— Estou bem.

Ele olhou para o meu pijama e pigarreou, como se estivesse surpreso.

— Também vai dormir?

— É, acho que vou. Vou sair cedo amanhã de novo.

— Tudo bem. Boa noite.

— Boa noite.

Entrei no meu quarto, feliz de a cama não ser visível de onde Charlie estava, depois fechei a porta com firmeza.

Edythe não havia se mexido nem um milímetro. Sorri, e seus lábios tremeram; ela relaxou e voltou a ser humana. Ou quase. Fui me sentar ao lado dela de novo.

Ela se virou para me olhar, puxou as pernas e as cruzou.

— É de algum time em que você jogou? — disse ela. A voz soou tão baixa que não precisei ter medo de Charlie nos ouvir.

Neguei com a cabeça. — Foi presente... De uma amiga.

— A dona dos olhos de esmeraldas? — Ela esticou a mão e passou os dedos pela estampa do número. Minha pulsação disparou, mas ela ignorou educadamente. — Você costumava falar nas primeiras noites.

Eu tive que sorrir, mas ela não me olhava nos olhos.

— Essa é a Lauren. — dei de ombros e estiquei a mão para segurar a dela.

— Ela parece ser importante pra você. — ela me encarou, os olhos queimando. Engoli em seco pela intensidade que me pegou de surpresa.

— Hã... Sim... — eu balbuciei — A Lauren foi... Por um tempo, ela era tudo que eu tinha.

Ela assentiu, uma pequena ruga surgindo em sua testa.

— Charlie acha que você talvez vá sair escondida — disse ela, repentinamente.

— Eu sei. Aparentemente, pareço agitada.

— E está?

— Um pouco mais do que isso, eu acho. Obrigado. Por ficar.

— Era o que eu queria também.

Meu coração começou a bater... não exatamente mais rápido, porém mais forte. Por algum motivo que eu jamais entenderia, ela queria ficar comigo. Movendo-se em velocidade humana, ela descruzou as pernas e  me puxou, colocando as minhas ao redor de si. Em seguida, se encolheu contra o meu peito, de forma que eu ficasse em seu colo — nessa posição, ela continuava alguns centímetros mais alta que eu — e ela com o ouvido no meu coração, que estava reagindo provavelmente mais do que o necessário. Passei os braços em volta dela e apertei os lábios no seu cabelo.

Respirei fundo, tentando ignorar o fato de que o moletom havia subido o suficiente para que a parte interna das minhas coxas entrasse em contato com a sua pele gélida.

— Humm — murmurou ela.

— Isso... — murmurei no cabelo dela — ... é muito mais fácil do que eu achei que seria.

— Parece fácil para você?

Pareceu que ela estava sorrindo. Ela virou o rosto para cima, e senti seu nariz traçar uma linha fria pela lateral do meu pescoço.

— Bem... — falei, sem fôlego. Os lábios dela estavam roçando meu maxilar. — Parece mais fácil do que esta manhã, pelo menos.

— Humm — disse ela.

Oh, pelo amor de Deus, parede de gemer!

Meus braços deslizaram pelos seus ombros e envolvi seu pescoço.

— Me beije. — eu sussurrei, olhando em seus olhos.

Ela me encarou por um segundo, os olhos brilhando em um fogo ardente, e desceu os lábios contra os meus.

Foi devagar, movendo-se suavemente enquanto espalmava as mãos frias pelo meu rosto — eu desejava que ela não pudesse sentir a umidade que se concentrava na minha calcinha. Eu me afastei para respirar, mas ela me pegou de surpresa quando pressionou sua boca contra a minha novamente, com força, deslizando as mãos pelas minhas coxas nuas. Eu me apertei contra ela, sentindo minha pele aquecer e pressionar a sua, desejando mais contato. Passei a língua pelo seu lábio inferior, sentindo o gosto e a textura macia.

Dessa vez, foi ela que se afastou, me beijando delicadamente uma última vez enquanto eu toquei sua testa na minha e tentava voltar a raciocinar.

Ela roçou os lábios no meu ouvido.

A mente domina a matéria — sussurrou ela. Olhei-a confusa, sem entender o que ela queria dizer com aquilo.

Concentrei-me em seu rosto, observando enquanto o desejo abandonava seus olhos lentamente, em como sua respiração se normalizava, enquanto ela aspirava meu cheiro como se fosse o melhor perfume francês da história.

Um tremor percorreu meu corpo. Ela congelou, depois se afastou cuidadosamente. Uma das mãos roçando na pele da minha coxa.

— Você está com frio? — disse ela. Consegui sentir os arrepios surgirem debaixo das pontas dos dedos dela.

— Estou bem.

Ela franziu a testa e deslizou pra longe, mas suas mãos ficaram em meus quadris.

— Seu corpo todo está tremendo.

— Acho que não é de frio — falei.

Nós nos olhamos por um segundo na escuridão.

Ela franziu a testa. — Gostaria de conversar com você sobre algo.

— Claro. Sobre o quê?

Ela tensionou o rosto e desviou os olhos de mim.

— Sobre Riley Biers e... A noite em que ela a beijou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Girls and Blood — Crepúsculo Reimaginado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.