Dinastia 3: A Rainha de Copas escrita por Isabelle Soares


Capítulo 23
Capítulo 23




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— Por que está chorando? – William perguntou a Esme

A rainha apertava a mão de seu sobrinho com força e não conseguia tirar os olhos dele. Era a primeira vez em três anos que não o via e a saudade era imensa. Ver Harry ali materializado em sua frente era muito diferente de ouvir a sua voz ao telefone ou vê-lo meio embaçado na vídeo chamada. Sentia a falta do seu menino. Queria poder abraçá-lo e assegurar que estava tudo bem.

— São lágrimas de saudades. – respondeu.

— Eu estava com muitas saudades, tia. Prometo não passar tanto tempo sem vê-la.

Queria que essa promessa se cumprisse. Gostava do fato de ter os seus filhos próximos pelo fato de que se algo acontecesse, eles estariam ali junto dela, pintinhos no ninho. Harry estava à milhas de distância. Claro que não poderia pedi-lo para largar a sua vida na Inglaterra para voltar a morar em Belgonia. Isso não fazia qualquer sentido, só queria estar mais perto daquele que foi por muito tempo muito mais que um filho para ela.

— Por favor. – pediu com a voz rouca.

— Primeiro, Harry, quero dizer que é um prazer em conhecê-lo. Não pudemos nos conhecer no meu casamento com Renesme.

— É um prazer! – Harry falou apertando a mão de William. – Lamento por poder não ter vindo. Sei que dessa vez a escolha foi acertada de minha prima.

— Obrigado. – William corou. – Agradeço também por aceitar ceder essa entrevista por livro.

— Não teria como não aceitar. Também faço parte dessa história.

Esme sorriu. Queria muito que os acontecimentos tivessem sido de outra forma.

— Eu estou tão feliz por poder estar com você no seu aniversário novamente e poder ter essa conversa contigo. – apertou ainda mais a mão de Harry. – Estou com quase 90 anos e queria poder ter a chance de te dizer coisas que talvez eu nunca tenha lhe dito.

— tia, por favor...

— Não, é sério. O sentimento que eu tenho por você é diferente do que eu tenho pelos meus filhos. Parece óbvio, eu sei, mas é um amor mais que incondicional. É um carinho, cuidado, proteção. Era como eu sempre quisesse te guardar em algum lugar dentro de mim para nunca nada acontecer com você.

— Eu sei, tia. Sou muito grato por tudo que você fez por mim.

— Você foi à única coisa que restou das minhas raízes. Meus filhos vieram de mim, mas você é a ligação que eu tenho com o meu passado, com a minha família.

Agora ela sentia o coração acelerar. As lágrimas já escorriam. Era impossível não lembrar de tudo que aconteceu quando olhava para Harry e todo esse sentimento de cuidado voltava. Tinha prometido a Lily naquela noite que cuidaria dele e a si mesma que o amaria como ele merecia ser amado.

— É a mesma coisa que sente pela sua tia, Harry?

— Nunca vi por essa forma. Ela é minha mãe. Pelo menos, é uma das que eu conheci. Eu era muito pequeno para lembrar dela, então eu sempre olhava para Esme como aquela que me deu a vida e era exatamente isso que ela estava fazendo. Me dando uma nova vida.

— Eu sabia que você sentiria a falta deles. Eu era órfã na época e me sentia como se houvesse um grande abismo dentro de mim, imagine uma criança que ainda estava em crescimento.

— Não teria sido fácil. Ainda não é, na verdade. Às vezes, eu fico me perguntando como teria sido tudo caso eles não tivessem falecido... Poderíamos estar todos juntos agora.

— Lily estaria tão orgulhosa. Imagino a voz dela dizendo: “Essie, vamos comemorar o aniversário do Harry. Que tal uma surpresa?”. Seu pai acabaria lhe contando por que ele era uma “boca de sacola”.

Riram. Mas era um riso triste.

— Como foi ter mais essa perda depois de tantas outras? – William perguntou.

Esme respirou fundo. Olhou para as próprias mãos trêmulas. Tinha guardado essa dor por muito tempo. Tinha colocado sua família dentro de uma caixa e nunca tinha aberto mais até aquele momento. Fez isso por que na era fácil. Nunca seria, pelo visto, mesmo depois de muitos anos. Harry estava completando 58 anos, fazia 57 da morte de sua irmã e de seu marido, mas parecia que tinha sido ontem. Doía da mesma forma.

— Foi como uma grande pisa do destino. Eu olhava para o céu e perguntava: “por que? De novo não!”. Me sentia culpada por ter dado a ideia para eles saírem naquela noite para se divertirem. Podia eles terem ido dormir e acordado bem. Harry teria os seus pais e eu teria minha irmã.

— Mas tem um propósito, não é? – Harry afirmou. – Acho que as coisas são o que tem que ser. Passei muito tempo me fazendo essa mesma pergunta: “Por que eles?”, “Por que duas pessoas tão jovens.”. Isso me consumiu muito. Me tornei advogado criminalista por causa deles e revirei muito todo o caso. Isso me machucou. Me tirou noites de sono, me deu ansiedade e isso não é bom. Não é para ser uma história de dor.

— É uma história de amor. – William falou e ambos olharam para ele sem entender. – Um amor de um casal, de uma tia por um sobrinho, de uma irmã que fez tudo por justiça, de um filho pelos seus pais. De encontros e desencontros.

Esme olhou para Harry com carinho e beijou a sua mão.

— Bom, acho que é isso mesmo. Tudo não passou de uma história de amor.

Esme: Sua Verdadeira História – Capítulo 23: Encontros e Desencontros

— Eu não acredito, Essie, que você vai acreditar numa bobagem dessas? – Lily no auge dos seus 15 anos me falou enquanto tentava me acompanhar.

— Por que não? Ela escolheu você, não foi? – falei sorrindo e ainda mais ao vê-la irritada.

— Ela só queria o nosso dinheiro e você fez exatamente isso. – falou emburrada. – Espera só quando eu contar à mamãe que você gastou dinheiro com isso.

Apenas sorri. Era 1975, estávamos em Belgravia. Eram tempos difíceis ainda, na verdade, desde que sairmos de Orland não houveram dias em que podemos dizer que estava tudo bem. Mas era uma tarde que não esquecerei nunca. Havia um circo perto da pracinha de nossa casa. Tínhamos nos dado o luxo de nos divertir um pouco. Rimos com os palhaços, nos surpreendemos com as mágicas e abrimos e fechamos as nossas bocas várias vezes com a inteligência dos bichos nas apresentações. Quando o espetáculo acabou, uma senhora puxou a mão de Lily e ficou a observá-la por alguns minutos. Ficamos assustadas e nada fizemos.

Não vou lembrar as exatas palavras dela, pois já faz muito anos, mas ela disse para minha irmã que faria grandes feitos na justiça, a linha do amor dela estava forte, encontraria sua alma gêmea, porém até que o romance se concretizasse iria demorar, por que eles iriam discutir bastante e sua vida seria curta.

Um arrepio correu na minha espinha. Não tinha o que dizer, fiquei impressionada. Dei algumas moedas para ela e saímos dali. Porém, aquilo nunca saiu da minha memória. É claro que Lily não deu atenção a tudo aquilo. Minha irmã sempre usou muito a razão, só acreditava no que os olhos podiam ver e mais nada. Era analítica, cética, o verdadeiro oposto de mim.

Porém, grandes histórias de amor são sempre assim, feitas do inesperado. O romance entre duas pessoas é místico, cheio de encontros e desencontros. Se assim não fossem, não chamaria tanta atenção. As pessoas sonham com o mundo que não podem ter. Precisam de magia em suas vidas para seguirem com esperança na vida. Para terem uma dosagem de leveza em seus dias.

Lily sempre me disse que não precisava de nada disso. Era uma menina independente que sabia bem o que queria e como conseguir. Tinha uma autossuficiência única e parecia um forte, onde nada abalaria. Porém, com um coração gigante. Tinha compaixão pelas pessoas, principalmente para aqueles injustiçados. Ela tinha essa balança social atiçada. Acho que por que sabíamos bem o quanto era ruim ser injustiçado por ter poucas posses e como os benefícios e as oportunidades não chegavam tão facilmente nas mãos de quem tinha pouco. Por isso, no fundo, Lily queria mostrar que podia, mesmo com as condições adversas.

— Eu quero ser advogada. Quero ajudar as pessoas a terem mais justiça.

Era o que ela sempre dizia e assim traçou todo o seu caminho. Nunca duvidei que ela conseguiria. Deus deu a ela uma inteligência única. Era anos luz mais astuta que eu, não precisava muito para obter boas notas e passar no vestibular para direito e conseguir uma bolsa na universidade de Belgonia. Eu tinha certeza que ela seria uma excelente advogada.

Foi lá que ela conheceu não só a teoria das leis, mas o cara que iria mudar a sua vida. Alex era o típico homem que ela não suportava. Bom vivã, popular, que estava sempre cercado de muita gente, parecia que sempre atraia todos ao seu redor, e para completar, com um certo tom de arrogância.

Lily era a típica “nerd”, sua companhia eram os livros. Detestava seguir a multidão, por isso estava sempre fora de moda. Assim como eu, não seguia os padrões sociais. Tinha os cabelos ruivos e rebeldes. Óculos que lhe tapavam boa parte de sua bela face e nada importava se a julgavam por isso. Não precisava da opinião de ninguém. Eu sempre quis ser como ela, desprendida de julgamento alheio.

Seu melhor amigo e confidente era Arthur, que como ela, também era “rejeitado” pela sociedade. Tímido, cabelão, inteligente como ela. Os dois se conheceram quando nos mudamos para Belgravia. Ele era nosso vizinho, vivia lá em casa. A atração deles foi instantânea. Tanto que achávamos que dali sairia um romance, mas ambos sempre declaravam que se amavam como irmãos. Inclusive, foi por causa dele que Lily pegou “ranço” de Alex. Os amigos dele sempre o escolhia como objeto de chacota. Ela corria cheia de raiva e o defendia com muita força. Foi exatamente assim, que Alex pôs os olhos nela pela primeira vez.

Havia alguma coisa nela que despertava a sua atenção. Não sabia se era a força que ela emanava, a sua coragem, o fato dela ser totalmente diferente das mulheres que o cercava. Não entendia o que sentia, mas tinha certeza que ela mexia com alguma coisa dentro dele. Para a sua sorte sorte, ela era a sua colega de classe. Ele também sempre soube que seria advogado, porém diferente de Lily, o direito era um sinal de status. Queria brilhar, sonhava que todos o admirassem. Era filho único e foi acostumado a ter as atenções para si e almejava o mesmo em sua profissão. Sua habilidade de se comunicar e boa lábia, o fazia um aluno tão aplicado quanto ela.

Quando Lily me contava ao telefone o quanto Alex a enchia de raiva, eu sabia que haveria algo mais. Parecia que ele gostava de provocá-la para ter a atenção dela. Os dois sempre se envolviam em debates acalorados nas aulas e competiam com absolutamente tudo. E quanto mais embates haviam, mais ele se sentia atraído por ela.

Porém, no meio do caminho, ele acabou namorando Ellen, a amiga de Lily. Segundo o próprio Alex, ele precisava esquecer e deixar morrer o sentimento que tinha pela minha irmã. Mas ao mesmo tempo não conseguia ficar longe dela e Ellen proporcionava essa aproximação. Lembro que Lily tinha raiva do fato da amiga ter o escolhido. Afinal, ele não era homem para ela e para quem era? Acabaram se afastando e pouco depois, Alex se separou de Ellen também. Não mais o interessava, estava certo que tinha sentimentos por Lily.

Porém, a chave dela só veio mudar quando Arthur foi vítima, mais uma vez, do bullying dos amigos de Alex e dessa vez foi algo realmente perigoso. Lily foi atrás de seu amigo e encontrou o seu rival o ajudando. Ele tinha ido contra os seus amigos para defendê-lo por que não achou aquela atitude certa. Admitiu que vinha sendo um verdadeiro idiota. Arthur acabou se aproximando dele e isso se tornou uma amizade.

Lily não conseguia entender por que seu amigo gostava de Alex. O que ele tinha de bom? A atitude dele perante a Arthur tinha sido apenas um ato de heroísmo que ele sempre queria demonstrar. Mas em contrapartida, ouvia de seu amigo que ele tinha um lado bom. Ela não entendia, mas começou a enxergar certas brechas que não via antes quando começou a conviver com ele fora da sala de aula.

Alex era excitante. Fazia o seu sangue tremer. Era o seu completo oposto. A fazia vivenciar situações que jamais viveria. A fazia se sentir livre, podia sorrir levemente e sem querer ao lado dele. Ia a lugares inimagináveis para a sua rotina. Então, com ele pôde descobrir uma outra Lily, assim como outro Alex. Mas ela não podia admitir que estava começando a gostar dele. Seria ir contra todos os princípios que traçou para si.

Até que ele a convidou para o baile de fim de ano em 1986. Tínhamos acabado de perder a mamãe. Lily só aceitou acompanhá-lo por que se sentia destroçada e queria algo que pudesse distraí-la pelo menos um instante. Alex fez de tudo para fazê-la sorrir. Ela gostava disso. Ele vinha se mostrando mais maduro naquele período final da faculdade. Ganhava o carinho que precisava dele no processo, principalmente naqueles últimos meses difíceis.

No meio do baile, Alex estendeu-lhe a mão e ela olhou para os seus dedos brancos. As veias saltadas de seu pulso. Por que não ceder uma dança? Estava cansada de estar sempre no controle, na defensiva. Pegou a mão dele e ambos foram para o meio do salão. Eles dançavam desajeitados. Lily até sorriu. Pensava que ele era um bom dançarino pela fama que tinha. Mas ali parecia apenas um adolescente indefeso. Alex estava nervoso, dava para sentir o suor em suas mãos. Olhava para ela com intensidade. Aspirava os seus cabelos e ela sabia, onde isso iria levar e não sabia bem se queria aquilo. De repente, os olhos de ambos se encontraram, e instantaneamente os seus rostos foram se inclinando, como um imã, as suas bocas se uniram num beijo. Parecia que um raio tinha cortado ambos. Não sabiam explicar, mas a sensação era de encontro, de paz, de desejo.

Porém, Lily não queria aquilo. Por mais que tivesse gostado daquele beijo não podia se distrair de sua missão. Não podia estar apaixonada, não era certo. Saiu correndo dali e Alex não sabia se ia ao encontro dela ou não. Ela chorava e foi até Arthur para pedir um conselho e ouviu um “siga em frente”. Mas aquilo não lhe parecia o suficiente. Parecia que estava perdendo algo de si.

Me lembro que estava embalando Edward ainda pequeno quando ouvi dela toda a história. Pra mim estava nítido que ela gostava dele, mas tinha medo de amar, de se decepcionar, de perder a si mesma. Não a julgava. Alex não tinha tido um bom histórico.

— Acho que você deve se arriscar pelo menos uma vez em sua vida, irmã. Sempre teve tudo sob o controle de sua mão, se permita a fazer algo não planejado. Mas vá com calma. Descubra-o de verdade.

Assim ela fez. Pra falar a verdade, nunca a vi tão feliz. Os olhos dela brilhavam quando vinha me visitar. Tinha um sorriso bobo quando falava sobre as suas aventuras com Alex, era radiante vê-la tão apaixonada. Fiz questão de marcar uma noite para nos conhecermos. Deixamos as crianças com Maria e seguimos eu e Carlisle para um restaurante bacana. Lembro de meu marido falar sobre como era engraçado os opostos se atraírem. Achei Alex simpático, bem ambicioso, mas não uma pessoa ruim. Na verdade, tudo que fizesse Lily feliz, me fazia também. Minha irmã merecia um momento de paz depois de tantas trevas.

Quando ambos se formaram, resolveram montar um escritório juntos. Embora Lily seguisse insistindo trabalhar no ministério público. Naquela época, não haviam advogados para aqueles que não podiam pagar. Ela bem sabia o quanto os honorários eram caros. Então seguiu estudando e foi aprovada. Lá dentro, junto com os chefões do mundo do direito, mostrou quanto uma mulher poderia ter bastante voz e ser brilhante.

— Você tem que ver, Essie. – Lily falava com entusiasmo enquanto brincava com Alice, ainda pequena. – Eles vêm pra mim com aquela cara de desdém e eu nem ligo. Sou mais eu. Basta apenas um pouquinho para eu desmoralizá-los.

— E você deve se sentir a própria mulher maravilha.

— Com certeza. É incrível que num lugar como aquele, onde tudo devia funcionar bem pelo bem de todos, é um verdadeiro recinto de incompetentes.

— Eu sempre soube que conseguiria fazer qualquer coisa, Lily.

Não gosto de dizer que é necessário um homem para uma mulher evoluir, mas confesso que eu via muito a confiança de Alex em Lily e isso foi bom para a segurança no que ela conseguir. Os dois se ajudavam muito. Eram uma parceria incrível! Tenho certeza que ele a incentivou muito a seguir com os planos para a defensoria pública. Lily junto com uns colegas tinham um plano de humanizar mais o ministério. Tinham ideias ótimas e consistentes. Queriam que o direito fosse algo para todos. Lutaram bastante para isso. Discussões acaloradas que teve um final feliz, mas infelizmente ela não pode ver se concretizar.

Não era só o lado profissional que ia bem, o pessoal também. No dia dos namorados de 1988, Alex pediu Lily em casamento. Lembro de estar em casa brincando com as crianças ao lado de Carlisle quando o telefone tocou. Ele fez o sinal para que eu não me levantasse, afinal de contas, minha barriga estava enorme ainda da gravidez de Alice.

— É Lily. – falou pra mim. – Parece apreensiva. – Gelei e fiz um esforço gigantesco para chegar ao telefone, mas precisava. Podia ser algo grave. Rezei para que não fosse.  

— Oi Lily.

— Alex me pediu em casamento.

— O que?

— Foi agora a pouco. De repente, ele se ajoelhou diante de mim e falou aquelas palavras todas.

— O que você disse.

— Nada. Sai correndo para ligar pra você.

Gargalhei. Como Lily poderia ser tão inteligente para umas cosias e outras parecer uma completa leiga.

— O que você gostaria de dizer a ele?

— Eu não sei.

— Você o ama?

Ela respirou fundo do outro lado.

— Sim.

— Então não tenha dúvidas. Siga o seu coração.

O resultado foi um casamento simples e romântico no verão daquele ano. Nunca me emocionei tanto como naquele dia. Ver a minha irmã ali, linda, feliz, apaixonada, era mais do que eu poderia esperar para ela. Era a concretização de uma felicidade a muito esperada. Abracei-a muito, enquanto ela se arrumava para a sua lua de mel, e desejei a melhor vida possível. Eu tinha certeza absoluta que nossos pais, onde estivessem estavam muito satisfeitos com o rumo que a vida nos levou.

Daquele casamento sairia Harry. Lily engravidou no outono de 1989 e o teve em julho de 1990. Ficamos mais próximas do que nunca naquele período. Cuidei de toda a gravidez dela, quase como se fosse a minha própria. Sabia o quanto era difícil ter o primeiro filho. A insegurança bate, as mudanças do corpo assustam, mas ela, como sempre parecia estar preparada para tudo. Lia pilhas e pilhas de livros e eu dizia a ela que boa parte daquilo não adiantaria. Maternidade era puro instinto e quando tivesse o seu bebê nos braços, saberia o que fazer.

A única situação que ela parecia não estar preparada foi na hora do parto. Eu tinha um bip preparado para me comunicar com ela para qualquer coisa que precisasse. Recebi o anúncio do trabalho de parto quando estava numa inauguração. Nem pensei duas vezes em largar tudo e seguir para a maternidade. Alex parecia que ia ter um treco. Estava suando e vermelho. Lily se remexia de dor. Harry estava em uma posição difícil para o parto normal e era necessário uma cesariana. Assim foi. Alex estava tão nervoso que resolveu esperar do lado de fora. Entrei com Lily para a sala de cirurgia e a todo instante apertei a sua mão, sussurrando em seu ouvido palavras de incentivo. Ao mesmo tempo rezava pra Deus para tudo ocorrer bem.

Até aquele momento, eu nunca tinha acompanhado uma cesariana de perto. Todos os meus filhos tinham nascido por parto normal. Carmen teria Irina também por cirurgia, mas seria após Harry, então, eu também tinha meus motivos para estar apreensiva. Graças aos céus, que Lily estava grogue o suficiente para não perceber. Seus olhos só focaram quando ouvimos um chorinho insistente e fofo. Era o nosso menino que gritava para o mundo.

Fui a primeira a segurá-lo. Era tão pequeno e se encaixava tão bem aos meus braços. Quando olhei para ele pela primeira vez, minhas lágrimas desceram. Senti algo tão grande, tão forte que não sabia explicar. Eu amava aquele pequenino como se fosse meu também. Entreguei- o para Lily e ela também chorou. Era a cena mais linda do mundo. Mais ainda ao ver a família toda reunida. Alex era o pai mais bobão e Lily a mãe mais zelosa. Harry teria muita sorte.

Tudo parecia ir muito bem. Arthur e eu formos agraciados para sermos os padrinhos de Harry. A família seguia tranquila. Alex e Lily iam bem em suas carreiras. Tudo parecia se alinhar. No primeiro ano do meu afilhado, cheguei a comentar com a minha irmã o quanto o pequeno se parecia com o pai e certamente tão popular quanto. Na sua festinha, ele tinha todas atenções. As crianças queriam brincar com ele e sua simpatia o levava para todos os braços. Era um garoto sorridente. Alex contava a todos os planos que tinha para o filho. Parecia que toda a linha da vida dele já havia sido traçada.

Porém, as histórias de amor mais lembradas não são aquelas que têm um final feliz. Pelo contrário, o drama parece ser a receita e o trágico emana mais a memória do que temos um fim completo e harmonioso. Não é a toa que Romeu e Julieta ainda é um grande clássico.

Nunca esquecerei a noite do dia 31 de outubro de 1991. Estávamos todos reunidos na casa que havia sido dos meus pais. As crianças brincavam juntas. Carlisle e Alex dividiam uma cerveja enquanto conversavam um monte de causos. Lily e eu remexíamos na memória alguns momentos bons.

— Você lembra daquela cigana que leu a minha mão?

— Como posso esquecer? Você ficou com tanta raiva.

— Fiquei mesmo.... Sabe que eu estava pensando nela esses dias.

— É mesmo?

— Ela me falou que eu conheceria minha alma gêmea e iria brigar muito com ela. Acha que pode ser Alex?

— Quem sabe, não é?

— Ela falou que eu teria uma vida breve. Tenho tanto medo disso. Agora que tenho Harry, temo que eu possa deixá-lo sozinho nesse mundo. Não quero isso.

— Isso não vai acontecer. Pare com isso!

Ela parou um pouco e ficou olhando para Harry que brincava com Alice animadamente.

— Olha, deixei um testamento pronto no cofre lá em cima. Quer dizer... Não está todo pronto. Falta oficializar tudo. Mas é o meu desejo e de Alex caso aconteça alguma coisa comigo e com ele.

— Não vai precisar de nada disso agora. Você verá. Estaremos aqui comemorando os 60 anos de Harry.

— Deus queira!

Senti um arrepio com aquela conversa toda. Mudei logo de assunto. Longe de mim se quer supor que algo de ruim aconteceria com a minha irmã. Mas ela tinha um quê premonitório. Sempre teve um sexto sentido afiadíssimo desde que éramos crianças. Eu sabia bem disso naquele momento, porém não queria acreditar que algo aconteceria a duas pessoas tão jovens e cheias de vida. Balancei a minha cabeça jogando esse pensamento para longe.

Seguimos a noite, jantamos todos juntos e rolou um papo sobre esticar a noite. Eu sabia que depois que Harry nasceu, Alex e Lily mal tinham um momento a sós de verdade. Então, Carlisle e eu nos oferecemos para cuidar dele por uma noite. Alex parecia animado com a ideia. Não demorariam muito, seria apenas um momento para dançarem um pouco e logo voltariam para casa. Lily estava meio hesitante e eu insisti para que ela fosse. Assim foi.

Peguei as coisas do meu pequeno afilhado e o coloquei no braço. Lily me acompanhou até a porta, beijou a cabeça do filho e olhou no fundo dos meus olhos.

— Cuida bem do meu bebê.

Assenti. Foi à última vez que a vi viva.

 Era um pouco mais de onze da noite, quando formos acordados com o telefone tocou. Pensei que fosse Lily ligando para pedir para buscar Harry apenas pela manhã. Já estava pronta para aceitar. Afinal, seria uma grande maldade tirar um bebê adormecido do berço aquela altura do sono. Mas a voz que ouvi do outro lado não era dela e sim de um policial. Me perguntou se eu era parente de Lily e eu disse que sim, então ele falou que havia tido um acidente grave. Um carro na contramão que estava sendo conduzido por um homem embriagado atingiu eles de cheio. Alex havia morrido no local e Lily havia sido levada com urgência ao hospital.

Sem demora, sai com Carlisle às pressas para lá. Foram os minutos mais longos da minha vida. Eu rezava, chorava, pedia para encontrá-la viva. Queria que alguém me falasse que tudo não passava de um grande pesadelo. Mas não era. Ainda tinha mais para suportar.

— Infelizmente, não conseguimos salvá-la. Ela teve uma hemorragia interna grave e só um milagre a deixaria viva.

Senti meu mundo desabar. Fui caindo no sofá aos pouquinhos. Carlisle segurava a minha mão. Eu não conseguia enxergar mais nada em minha frente. Pensava nos meus pais, pensava em Harry ainda tão pequeno e já era órfão, como eu, só que com uma diferença, ele não teria os seus pais ao seu lado para vê-lo crescer. Isso era a maior injustiça do mundo.

Ao longe, ouvi a médica dizendo que eu poderia me despedir dela antes que o corpo fosse encaminhado para os preparativos do funeral. Assenti e segui até onde estava Lily como um zumbi. Não sabia bem como me sentia. Parecia que eu estava no automático. Quando abri a porta, voltei a mim. Ela estava ali. Ferida, ensanguentada, fria como o cadáver que era. Aquela não poderia ser a minha irmã.

Enquanto eu me aproximava dela. Várias memórias vieram na minha mente. A primeira lembrança que tenho dela. Lembrei-me de nossa infância, adolescência, de nossas perdas, dos nossos sorrisos. Eu não podia suportar mais aquela dor. Era demais!

Estiquei as mãos em direção a ela fui acariciando o seu rosto frio. Me amaldiçoei naquele momento por não ter ouvido a intuição dela e por ter insistido para que fosse para aquela maldita noitada com Alex. Ela poderia estar viva. Harry ainda teria seus pais.

Depois tive um insight. Meu Deus! Harry estava em minha casa naquele momento. Eu tinha que cuidar dele. Havia sido a última coisa que ela havia me pedido. Eu não podia estar ali sofrendo. Ele precisava de mim. E assim me aproximei devagar do ouvido de Lily e sussurrei as minhas últimas palavras para ela:

— Vá em paz, querida. Eu cuidarei do nosso bebê.

Depois disso me despedacei. Daquele momento, só me lembro de poucas coisas. Acho que estava no modo automático. Uma das poucas recordações que tenho é de balançar Harry adormecido em meus braços enquanto ele chorava. Eu pensava sobre o porquê de tudo. Me sentia sozinha, todos aqueles que estiveram comigo enquanto eu crescia, que eram o meu porto seguro, simplesmente estavam mortos. Era algo inaceitável pra mim! Me agarrei mais ao meu sobrinho e fiz uma promessa que ele jamais ficaria sozinho. Eu seria tudo aquilo que ele precisasse, o protegeria, mimaria, seria a minha única ligação com o meu passado.

Desde que me despedi de Lily no hospital, eu sabia que Harry ficaria comigo. Ele tinha um padrinho dedicado, o amigo de Lily, Arthur, que eu a conhecia de muitos anos, e seus avós paternos que já eram idosos naquele momento e moravam na Suécia. Quando os conheci no dia do enterro, não falamos sobre a guarda da criança. Não era o momento, mas uma semana depois, Arthur veio me procurar para falar sobre isso.

— Tenho certeza que Lily e Alex queriam que Harry ficasse com você. Os avós dele são boa gente, mas já estão idosos, não podemos arriscar que Harry fique sozinho novamente.

Então me lembrei do que minha irmã havia falado sobre ter feito um testamento. Era isso! Lá estava a resposta. Porém, naquele momento eu não tinha estômago para entrar naquela casa. Ela tinha tantos significados pra mim, mas quando eu lembrava dela, me vinha dor. Já tinha posto numa caixa todas as fotos e lembranças que eu tinha dos meus pais, de Lily e Alex para não mexer ainda mais na ferida. Nunca havia aberto até agora.

Depois disso, foram meses de processos. Precisávamos punir o responsável pela morte deles. Foram dias de procura, até que a polícia identificou o culpado: Thomas Riddle. Ele dirigia embriagado naquela noite. O juiz lhe concedeu 12 anos de prisão. Isso depois de muita luta e exposição do caso na mídia. Afinal de contas, nunca até aquele momento, um membro da família real tinha estado num tribunal e nem havia legislação de transito que punisse crimes como esse, tão brutal.

O segundo processo e o mais longo foi pela guarda de Harry. Não fazia nem um mês do acontecido quando eu decidi que iria recorrer à guarda do meu sobrinho. Os avós paternos de Harry também pediram a guarda dele e daí deu início à briga no júri. Foram meses e meses de disputa que se encerrou com a nossa vitória. A juíza nos deu a guarda por causa do esboço do testamento feito por Lily declarando que em caso de sua morte e de Alex, Harry deveria ficar conosco. Um belo voto de confiança e uma previsão estranha dela. Dalí, ganhamos mais um filho e nossa família ficara completa.

Ao contrário do que circulou na mídia na época, não houve nenhuma discussão com Steven e Elyse por causa de Harry. O acordo foi cumprido e todos nós nos dávamos muito bem. Até por que o nosso garoto não precisava de mais conflitos e problemas em torno de si. Por isso, colaborávamos de bom grado. Ele passava as férias de verão e as festas de fim de ano com os avós, enquanto Arthur o levava para a diversão aos fins de semana e feriados, estando aos nossos cuidados por todo o período letivo.

Harry, apesar do que muitos comentam, era para nós um filho como os outros, principalmente para mim. Ele sempre foi amado por todos nós e tratado por igual. Tivemos sorte de poder criá-lo. Ele era um menino incrível, ativo e especial que só veio a contribuir com a nossa grande família.

***

— Felicidades Harry e Rosie! – todos os desejavam depois de muitas palmas e comemorações acaloradas. Ambos assopram as velas do bolo e se abraçaram.

Esme olhava para cena e de repente sentiu os seus olhos desfocarem. Lembrou-se de algo de muitos anos. Parecia algo como um Déjà vu. Ela segurava um Harry de dois anos e ele batia as palminhas animado.

— Parabéns, meu amor! – Ela o desejou enquanto beijava suas bochechas rosadas.

— Obrigado mamãe. – ele falou enquanto olhava bem em seus olhos.

A então duquesa olha para o seu marido e ele lhe dá um olhar como se dissesse: “Deixe estar”. Mas ela não podia. Não era certo com a memória de Lily.

— Sua mãe virou estrelinha, meu anjo. Ela está te olhando lá de cima. – O menino apenas acompanhou o seu dedo com o olhar.

Alice toda espevitada correu para abraçar o primo antes mesmo de todos o fazerem. Era assim desde que eram pequenos. A sua filha via o primo como um irmão mais novo, um brinquedo que ela podia manejar.

— E esses cabelos brancos? – perguntou ela enquanto tocava os fios pretos, agora mais acinzentados.

— A idade chega para todos. – respondeu.

Agora ambos eram crianças novamente. Esme olhava horrorizada para o seu sobrinho. Seu rosto estava coberto de maquiagem e vestia roupas de Alice, com uns saltos seus enormes.

— O que é isso?

— Ele não está bonito, mamãe? – perguntou Alice, como se tivesse mostrando uma obra de arte.

Esme balançou a cabeça irritada. Não podia dar as costas um minuto que acontecia uma presepada dessas.

— Alice! Seu primo não é a sua boneca Barbie!

Harry foi até a sua esposa, Emma, tocou-lhe as mãos e beijou-lhe ternamente. A rainha lembrava do dia em que se casaram. Era um dia de verão, nada melhor do que um matrimônio na praia. Os dois se conheciam desde crianças e eram muito amigos. De repente, descobriram que a amizade pode levar a um romance e permaneceram juntos desde então, vindo três filhos dessa união.

Esme ajeitava a gravata de Harry, que ele simplesmente não conseguia dar o nó com suas mãos trêmulas. Afinal, aquele era o dia mais feliz de sua vida.

— Vai dar tudo certo. – ela falou.

— Sei disso, mas não sei como fazer o meu coração entender.

— Diga pra ele que logo vai ter uma companheira para a vida toda.

Harry pegou no peito e sorriu.

— Está ouvindo, não é?

Esme beijou a testa do sobrinho, já sentindo os olhos arder.

— Sua mãe deve estar muito orgulhosa lá de cima.

— Queria que eles tivessem aqui.

— Eu também.

Harry olhou para o sol que entrava pela janela como se estivesse fazendo uma prece, assim como Esme, que esperava que sua irmã agora encontrasse o seu caminho de luz, sua promessa havia sido cumprida. COMENTEM POR FAVOR!


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