Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 21
Capítulo 4: A proporção de um milagre - Parte 5




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O comandante sacou a luneta e observou as lutas. Havia cinco delas acontecendo em simultâneo. Saragat lutava com Zarastu, Tell com o lobisomem, Letícia enfrentava Angá, o príncipe Rachid al Názir trocava golpes de lança com Íons e ao que tudo indicava, Rosicler Cochrane estava dando cabo do seu oponente.

O alfaraz ficou feliz de os libertadores estarem garantido uma vitória. Mirando ao fundo do campo de batalha, ele viu um enorme contingente de monstros. Todos apenas esperando um comando de seu rei.

De repente, tap-tap... passos tiraram sua concentração. Virou-se, e no corredor da muralha, lá estava ele. Os olhos encovados, as olheiras pesavam em suas pálpebras. Os soldados foram abrindo caminho. O homem tomou a luneta e vislumbrou o campo de batalha. Rosnou furioso.

— Aquele tolo coloca a sucessão do sultanato em risco. É um louco.

O militar, ao reconhecer quem estava a sua frente, ajoelhou-se no chão, subserviente.

— Meu adail. O que o senhor faz aqui se pondo em risco? Há lugares mais protegidos para que o senhor possa repousar...

— Não me chame de inválido, alfaraz impertinente. Eu unifiquei os emirados e principados do deserto numa única nação. Oásis hoje é grande, primeiro graças ao nosso deus Al Q’enba, segundo graças a mim. Além do mais, eu nunca estou só.

— Perdoe-me, meu adail. Faça a sua vontade.

O sultão encarava a vastidão do deserto. Muito daquelas areias foi irrigada com sangue de humanos e monstros na Guerra das Mil e Uma Noites. Por um momento, memórias o afligiram. Lembrou-se de Zaid, seu irmão mais novo. Ele meneou a cabeça. Era um outro tempo. Uma outra guerra.

***

Tell e o licantropo trocaram alguns golpes, até que entraram num duelo de forças. Segurando a Justiceira com ambas as mãos, o garoto impedia que as garras lupinas atravessassem o seu coração.

O general atroz não via a hora de decepar a cabeça daquele jovem. O monstro ao mesmo tempo em que o desprezava por ser um humano, filho de Taran e Crala, também o admirava, pois, apesar de ser uma criança, já era um poderoso mago. Já dominava a espada como um experiente cavaleiro flandino, um feito notável.

Como esse fedelho derrotou o general atroz Labatut? É inadmissível que alguém tão ínfimo provoque uma baixa dessas a Horda! Qual o seu segredo, moleque? O Monstronomicom te faz tão poderoso assim? Quais os seus segredos?

O neto de Taala rangia os dentes. O peso aplicado em sua lâmina fazia doer o corpo. A sua resistência se mantinha de pé. Aos poucos, uma enorme sombra começou a envolvê-los. O rapaz achou que se tratava de alguma conjuração de Saragat. Mas constatou que não.

O inimigo recuou e recolheu as garras. Ambos os combatentes olharam para o céu.

O portador do livro mágico acreditou estar presenciando um fenômeno sobrenatural.

— Um eclipse!

— Não é um eclipse, garoto tolo. Se tiver amor à vida, fuja!

E dando o aviso, desapareceu usando sua grande velocidade. Aos poucos, a sombra que cobria o sol foi ganhando forma. Era uma enorme rocha fumegante caindo do céu. Aos poucos, foi sentindo a maligna energia mágica que àquela estranha rocha emanava, a mesma de Zarastu.

Por alguns segundos, Tell assistiu à queda do Astroblema, sem saber como reagir. Ele sozinho não poderia interceptá-la, e provavelmente não teria como fugir da área de impacto.

Aos poucos, sentiu uma esperança tomando o seu coração. Um filete de sombra se conectou a sua. Ele sabia, era Saragat. Um longo braço escuro saiu de dentro da sua sombra e ascendeu aos céus se somando a outras. Ganhando a forma de uma grande mão. A rocha em chamas foi capturada, e depois destruída com uma rajada de energia escura.

Estava a salvo, ao menos por enquanto...

***

Estava sentado com as pernas cruzadas. Os olhos fechados e os ouvidos abertos. A meditação era interrompida pelo fluxo de memórias que vinham a sua mente.

Era apenas um jovem comerciante quando aquele homem se sentou ao lado do poço onde pegava água para os camelos e fez aquela proposta. Quando o nativo do deserto percebeu com quem estava falando, prostrou-se por terra. Podia ser um rei.

Mas a majestade daquele ser transcendia qualquer governante da Terra, era um deus virtuoso que o escolhia para ser o novo conjurador da justiça.

Temeu por sua vida, se disse indigno da função. Conhecia a necessidade de um novo conjurador, mas era infante e muito pobre. O deus Al Q’enba disse que ele não escolhia os preparados, ele preparava os escolhidos.

Não foi fácil convencer o seu povo de que o deus da justiça havia lhe aparecido. Caçoaram dele. Riram de suas palavras. Foi necessária intervenção divina para que acreditassem. Quando verificaram a verdade, o levaram até as portas do templo de Al Q’enba. O príncipe Zabid al Názir o convocou como conselheiro e foi preceptor de Zared e Zaid al Názir.

— Quando meus pais me perguntaram se a vida de um cego não é muito angustiante, respondi-lhes que a maior cegueira era a da alma. E que enxergava com o coração.

Uma presença diáfana preencheu o recinto. Uma energia suave, mas de forte presença.

— Retirei a visão dos meus conjuradores para que julgassem com justiça, sem se ater as aparências dos réus ou dos acusadores. Em compensação, lhes revesto com grandes dons. A capacidade de julgar pela essência, pois não há nada mais verdadeiro do que ela. Você, Amir Ibin-Sawad, é capaz de ouvir a longas distâncias, ler a texturas das coisas, um olfato apurado que pode sentir o veneno diluído em água há centenas de metros. Isso é poder na mão dos sábios.

— Eu compreendo e agradeço.

— Sua alma está inquieta. Nunca em suas orações silenciosas vi tamanha agonia e sofrimento. Algo o incomoda?

— Estava cá concentrado em minha meditação diária. Mas meus ouvidos captaram um estranho som nas muralhas. Era um grito de angústia de Zared al Názir. Me parece que nosso adail está em profunda angústia. Isso me desconcentrou e as memórias invadiram a minha consciência e não pude pensar em mais nada.

— Os seres estão fadados a sofrerem pela ausência de conhecimento, Zared al Názir é um desses homens.

Lágrimas quentes escorreram pelo rosto de Amir. Embora discordasse das ideias do sultão, ele admirava sua fibra guerreira e sua austeridade. Havia uma relação de coirmãos ali. Eram muito jovens quando dividiram a vida palaciana. O conjurador só desejava que sua alma não estivesse mergulhada em orgulho.


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