Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 11
Capítulo 2: Vigiados, testados e punidos - Parte 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808906/chapter/11

Tell ergueu a cabeça. Ao seu redor estavam Saragat, Rosicler, Letícia e Rachid. Todos eles esperavam o menino acordar. Ele não sabia o motivo de estar ali. Pareceu tudo um sonho. Havia sido atacado ao sair do castelo. Mas ficou feliz, todos estavam bem.

— Por um momento eu pensei ter sido atacado por monstros.

O alfaraz sentou-se na cama e pousou uma mão no ombro de Tell. E disse:

— Não foram monstros, foram homens do os assassinos de elite que servem a casa real.

— Porque mandou que nos atacassem, onde está o Index?

Rosicler apontou para o Monstronomicom. Ela disse que a criatura se refugiou no livro quando os assassinos chegaram.

O filho de Taran apertou as cobertas com força. Havia sido derrotado de modo tão fácil.

— Eles me capturaram, foi tão rápido, eu... fui fraco.

— Você não foi fraco, Tell, esses manos é que são covardes, usam veneno pra anestesiar as vítimas.

Rosicler deu de ombros e saiu da enfermaria. Ela era a mais chateada.

Saragat pigarreou dando um olhar para Letícia. A alquimista fez um gesto de sim com a cabeça e falou o motivo do ataque ao jovem.

— Não fique assim, Tell, foi apenas um teste. Estamos prestes a lutar numa guerra que já parece perdida para nós. Temos que estar preparados para ela. Eliminar as nossas fraquezas e...

O flandino deu um salto do leito e ergueu um dedo no rosto da mulher.

— Então pra vocês eu sou a fraqueza?

— Eu não quis dizer isso, não coloque palavras na minha boca.

— Qual dos outros dois foram derrotados como eu?

Rachid entrou na frente de Tell e disse com voz pacífica:

— A elegante dama pediu-me para que os assassinos fizessem um teste com você, Saragat e Rosicler. O conjurador conseguiu capturar os oasianos de maneira rápida. Já o confronto de Rosicler deu um empate, ela derrotou os seus dois captores, mas acabou envenenada. Você foi o único capturado, tecnicamente falando.

— Não valeu! Fui pego a traição.

— Os monstros não seguirão regras, Tell de Lisliboux.

O jovem ficou sem palavras por alguns estantes. Depois um sorriso brotou em seu rosto. Saragat já previa o que ele iria fazer.

— Eu o desafio para um duelo.

O príncipe fingiu levar aquilo tudo a sério e bradou:

— As canas!

***

Tell mal podia andar com o peso da armadura. Com algum esforço, Index tentava ajustar o capacete pontudo. Mas a cabeça do garoto era pequena demais, e ele teimava em ficar torto.

Mais trabalho ainda foi subir no cavalo. Letícia e Saragat tiveram que empurrar. O vento do deserto era mais forte naquele local. Os muros que volteavam o lugar não permitiam saber se o QG dos assassinos ficava dentro ou fora de Oásis.

Ao redor, perfilados como soldados prontos ao combate, todos os agentes do Esquadrão Assassino Secreto. O Jogo das Canas era simples, consistia numa justa entre dois cavaleiros montados. O objetivo era investir num galope e derrubar o outro da montaria. Diferente da justa, era usada a cana-de-açúcar e um escudo de madeira.

Em outrora o Jogo das Canas era um método de treinamento dos antigos alfarazes. Em tempos atuais era usado como diversão entre os cavaleiros em dias de festa religiosa.

— Porque só eu estou usando armadura?

— Assim o corpo e os golpes do Tell ficam mais pesados, né, príncipe Rachid?

— Nobre filho de Taran, excepcional Guardião do Monstronomicom, a armadura é para protegê-lo. O meu treinamento me faz apto a receber estes golpes sem ônus algum.

Tell e Index se entreolharam, nada daquilo parecia certo ou justo. O rapaz alisou o pescoço do cavalo. Parecia manso, mas não sabia cavalgar, como faria para ele galopar?

— Saragat, hei, Saragat, como é que eu faço o cavalo andar!

Os olhos do servo de Nalab brilharam como dois cometas. Splan, o tapa na anca do cavalo fez com que o corcel empinasse e desse um tremendo galope.

— Saragat, EU VOU ACABAR COM VOCÊ!

O ginete do outro lado também fez o mesmo e ajeitou a cana embaixo da axila do braço direito. Rachid há muito tempo não se divertia assim.

O mago-espadachim havia desafiado o nobre oasiano sem levar em consideração a força do inimigo. Era muito jovem para fazer esses julgamentos. Para preservar o garoto, fez uso do Jogo das Canas, era um modo de aceitar o desafio sem feri-lo de modo grave.

Pada-pada-pada, os cavalos já estavam próximos. Só uma pequena mureta de pedra os separava. Tell estava tendo dificuldades em erguer a cana e usá-la como uma lança. O escudo de madeira era pesado, e se equilibrar em cima de um cavalo tão veloz estava dificultando ainda mais as coisas.

Eu sou melhor com a espada.

Foi rápido como um raio. Ele lançou a cana e armou-se do escudo com ambas as mãos. A cana de Rachid esfarelou-se com o impacto. O jovem caiu ao chão, se não fosse pela proteção da couraça, com certeza estaria morto.

Letícia revirou os olhos, e junto com Saragat, pôs o jovem de pé. Com poções de Água Benta, ela curou Tell.

Do outro lado, Rachid comemorava a vitória. Todos debochavam de Tell, só Index compartilhava de sua indignação.

— Parem de rir de mim!

Rachid saltou da montaria e veio cumprimentá-lo. Mas o garoto esbofeteou a sua mão.

— Não foi justo.

Saragat e Letícia vieram até ele e puseram as suas cabeças em cima do ombro do jovem que cruzou os braços. Estava irritado com a derrota.

— Não seja mal perdedor, Tell.

— Você precisa treinar mais.

— Não, eu preciso derrotar o príncipe Rachid.

— Meu caro mago-espadachim, não haja de modo imprudente.

Mas o neto de Taala já havia desembainhado a espada Justiceira. O nobre estava desarmado. O clima de tensão estava insuportável.

— Vamos ao domo, assim poderemos terminar está contenda.

***

O domo era uma estrutura circular com cobertura. A ventilação adequada garantia que a estrutura estivesse sempre refrigerada. O aproveitamento da luz natural mostrava o quanto a arquitetura oasiana era desenvolvida.

Possuía milhares de arquibancadas com assentos de concreto revestida com argamassa. Nos assentos mais baixos, estavam os assassinos. Milhares deles. Todos vestiam um uniforme negro e usavam bandagens e máscaras para ocultar os seus rostos.

Letícia estava lá, parada, observando os dois desafiantes. Ela previa uma luta intensa, mas com desfecho esperado. De braços cruzados, a militar mantinha a postura firme.

O quanto você cresceu, Tell?

Saragat estava curioso para ver o príncipe em ação e ver a extensão das habilidades de um alfaraz. Nalab havia lhe contado sobre a forças desses cavalariços do deserto. Estava entusiasmado. Pretendia saber com quem lhe dava nessa guerra, tanto inimigos quanto aliados.

O nobre provavelmente não travará uma luta mortal, mesmo que o garoto o pressione. Qual a técnica mais forte, a esgrima flandina ou a lança oasiana? Não posso pensar assim. Eles não estão no mesmo nível, garoto, você faz coisas irritantes, às vezes.

Index estava sentado em cima do livro, ao lado de seu desafeto. Ele não se importava, só olhava para o jovem na arena, o seu grande amigo. Torcia de modo frenético, com dancinha extravagante e jingle repetitivo.

Tell, dá uma surra nesse pastel! Tell é o maior, Tell é o melhor!

Rosicler estava afastada de todos, com uma calma assustadora. Seus olhos transmitiam compenetração, mas o sorriso cínico dizia outra coisa.

No centro do domo, na arena de treinamento, um tablado quadrado aguardava um feroz duelo. O neto de Taala, livre da armadura, girava os braços e fazia algumas torções nos pulsos, um aquecimento improvisado. O peito não doía mais. Estava inteiro de novo.

Do outro lado, o aristocrata se despira de sua armadura e usava apenas um traje militar comum. Uma camisa de manga longa era recoberta com um colete marrom. As calças brancas eram uma bombacha e botas de cano longo.

Os cabelos cacheados caíam pelos ombros. Mesmo na simplicidade, mantinha sua nobreza. Nas mãos, uma lança oasiana feita em prata reluzente.

— Se desejar retirar-se do combate, fazei agora. Não pegarei leve só porque é um infante, flandino.

— Não precisa pegar leve, e meu nome é Tell, Tell de Lisliboux, filho de Taran e Crala. Meu avô me ensinou a magia e Dumas a esgrima flandina.

— Uma ótima origem para um perdedor.

Os assassinos começaram a sorrir. Mas dessa vez o garoto não se manifestou, estava concentrado demais para revidar qualquer provocação.

Letícia não aguentou a prepotência do alfaraz e berrou da arquibancada:

— Você adora cantar vitória antes do tempo, príncipe Rachid, não fale, lute.

— Prometo-lhe que esse duelo terminará da mesma forma que começou, minha cara donzela. Quando terminar, dar-te-ei um ósculo.

— Um óculos? Não precisa, enxergo bem.

— Oh, dama evasiva!

Rachid bateu a ponta da lança no chão e deu-lhe um chute a fazendo girar. Num movimento rápido, estava em postura de combate. A lança era maior que Rachid, e o príncipe tinha uma estatura de 1,80 m. A ponta da lâmina era diferenciada. Terminava numa meia-lua, como uma longa foice.

O mago-espadachim analisou a arma e a postura de luta do seu oponente.

Uma lâmina em formato de lua! Ele deve utilizá-la para defesa e rápidos contra-ataques. Ele com certeza vai usá-la para me agarrar ou me lançar, que arma perigosa.

Do outro lado, o desafiado fazia o mesmo. Era um jovem, mas não um comum.

Um garoto... mas não apenas um garoto. Ele derrotou um general atroz, como isso é possível? Al Q’enba que me conceda a resposta. Mas não posso perder para um reles menino. Seria uma ofensa e me desmoralizaria na frente do Esquadrão Assassino Secreto.

Tell sacou a Justiceira. A lâmina refletiu um raio de sol. Tell assumiu a postura de uma mão. Como uma espada bastarda, ele podia esgrimir com uma ou duas mãos. Quando usava apenas a mãos direita, investia na velocidade e golpes de estoque, já as duas mãos eram para aumentar a força do corte em ataques horizontais e transversais.

Ficaram a se encarar por alguns segundos. Em completa sinergia. No silêncio do domo, o sangue dos dois guerreiros estava em ebulição.

— ESTÁ PRONTO, GAROTO?

— JÁ NASCI PRONTO!

Ambos investiram num primeiro ataque. Ninguém poderia esperar pela iniciativa do oponente. Seria um erro.

Tell pareceu ser mais rápido. Mas a defesa de Rachid foi ainda mais veloz. Svlinz, as lâminas rasparam. O alfaraz e o mago-espadachim ficaram de costas um para o outro, para num rápido giro, trocarem mais um golpe.

Dessa vez o impacto fez o jovem recuar. O oasiano não lhe deu chance para respirar. Investiu num golpe horizontal. O seu adversário se abaixou e serviu-se de uma rolagem por debaixo de suas pernas.

Index pulou de alegria. E iniciou uma ridícula dancinha da vitória.

— Uhuuu! Trollagem estilo Tell!

Saragat pegou o seu cajado e deu um golpe na cabeça da criatura, que caiu desacordada.

— Não faça barulho perto de mim, seu inútil.

O Tell está na defensiva. Mas se o príncipe continuar a dar as cartas, essa luta terminará logo. Os métodos evasivos da esgrima flandina não vão garantir sua vitória, garoto, pense rápido!

O mago-espadachim arfava num canto da arena. Rachid mantinha a postura. Nem sequer suara.

A cada espadada que desferia, o jovem sentia o peso da lança inimiga. Era muito mais pesada que a espada de chumbo do seu treinamento.

— Como alguém consegue, arf-burf, manusear uma arma tão pesada numa luta, arf?

— Fico feliz que tenha observado. Essa é a Raio do Luar, uma lança feita especialmente para mim. A lança é a arma predileta de nossas tropas. Somos cavaleiros, não nos moldes dos espadachins de Flande, ou dos cavaleiros reais de Lashra. Nossa casa é a sela de um corcel e nosso destino é o campo de batalha. Os alfarazes são milenares, é a tropa militar organizada mais antiga do mundo. Sou herdeiro de seu orgulho e tradição.

— Não sei nada de orgulho e tradição, arf, mas eu tenho um sonho, encontrar o meu avô Taala. Isso me, urf, motiva todos os dias. A memória do, arf-arf, meu avô é o meu orgulho e minha tradição.

— Então somos iguais. Venha a mim Tell, ou então, irei derrubá-lo dessa arena.

— Não se eu te derrotar primeiro.

De um salto, Tell deu um golpe com as duas mãos. Pondo a lança horizontal, Rachid defendeu a lâmina do desafiante. Girando ela como uma hélice, ele fez o garoto retroceder.

Mas uma tentativa, o alfaraz defendeu-se com um contra-ataque transversal. O garoto não se deu por vencido. Deslizou pelo chão e deu um golpe perfurante. O oasiano desviou-se e o jovem passou direto.

O flandino pareceu indefeso. Com o cabo da lança, o nobre tentou bater nas costas do rapaz. Mas ele abaixou-se a tempo. Rachid girou a lança e com a lâmina curvilínea, agarrou a gola da camisa de Tell e o lançou ao ar.

Vush, e lá estava o rapaz nas alturas. O garoto ascendeu vários metros de altura do solo. Todos os expectadores estavam com a cabeça direcionada para ele.

Rachid estava lá embaixo, segurando a sua arma como um mastro. Se caísse ali, seria espetado como um porco. Tell respirou fundo e deu uma pirueta no ar. Pôs as pernas para cima e inclinou o abdômen para baixo, ficando de ponta a cabeça.

Segurando o cabo da espada com ambas as mãos, ele direcionou a sua energia mágica para a espada. A lâmina brilhou com uma ondulação azulada. Parecia um cometa caindo do céu. Mas não liberou a carga, desceu com ela presa a espada.

A magia concentrada na lâmina começou a girar em volta da espada.

Mas que tipo de coisa é esta? Magia e esgrima unidas numa mesma técnica, eu acho que subestimei esse infante.

Tell caiu sobre o inimigo. Ele calculou o impacto, mesmo com a defesa, Rachid seria mandado para longe.

— Flux Lux!

Zinsh, o alfaraz conseguiu uma defesa no último instante. Girando a lâmina, o nobre oasiano criou um vórtice no alto da cabeça. Girando a lança, a espada do garoto criava um atrito intenso, sem conseguir perfurar a barreira. Tell insistiu, mas foi em vão.

— Droga, argh!

— Desista, menino, foi um erro me desafiar. Suas técnicas são fortes, mas a sua experiência comparada a minha é nula. Escudo da Lua Minguante!

E apoiando a outra mão no giro da lança, aumentou a força ainda mais.

Foi tanta energia acumulada, que a energia mágica ao redor da lâmina se dissipou e o flandino foi mandado longe. Thump, o filho de Taran caiu no tablado. Por alguns instantes, todos pensaram que estivesse desacordado. Mas o jovem continuava a segurar a espada, decidido.

— Vejo que a teimosia é um defeito comum aos cavaleiros flandinos.

Tell ergue-se com algum esforço. Diversos hematomas marcavam a sua pele negra. O suor pingava de seu cabelo crespo. Limpou o canto da boca com o dorso da mão.

— Na verdade, príncipe Rachid, a determinação em vencer nosso oponente é a nossa maior qualidade.

Mas que garoto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Reino de Monstros Vol. 4" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.