Os Marotos e a Marca de Salem escrita por Victor Campos


Capítulo 1
Capítulo 1: Quem tem medo do lobo mau?


Notas iniciais do capítulo

Remo Lupin sempre foi um curioso do mundo da magia, dado que nunca poderia frequentar a escola. Assim, junto de seu pai, tratou de aprender tudo o que sua idade e as leis de uso da magia permitiam, enquanto trocava de casa a cada mês e não podia se dar ao luxo de ter amigos como as crianças da sua idade. Ah, e além disso, ele ocasionalmente se transformava em uma besta maníaca que destruía tudo e todos ao seu redor.



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É um fato conhecido que a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, uma das mais conceituadas escolas de magia, tem critérios rigorosos para escolher os seus alunos. Por exemplo, um aluno cujos pais, depois de muito custo, conseguiu se mudar para a Grã-Bretanha para receber uma educação de qualidade teria sua entrada facilmente rejeitada. Ou, se por ventura, um aluno tivesse a má-sorte de ser transformado em lobisomem, seus sonhos acadêmicos seriam perdidos para sempre. Ainda, se um aluno desprezasse as regras da escola, sua varinha seria partida e ele seria tirado do mundo bruxo para o resto da vida. Claro, nada disso importaria se o aluno em questão fosse filho das pessoas certas.

Era compreensível, então, que um garoto num fundinho de um povoado bruxo ao norte da Inglaterra se espantasse ao receber a visita inesperada de uma coruja-das-neves muito pomposa e importante que lhe soltou em mãos um envelope pardo com um selo vermelho de cera e o símbolo de Hogwarts. Naturalmente, teria sido um engano, conforme pensou o garoto. Entretanto, o verso do envelope informava, em letras bordadas escritas em tinta verde-esmeralda:

Remo Lupin

Cabana na esquina das ruas Petty Gem e Soulsborne

Quarto no sótão

É claro, então, que se trataria de uma brincadeira de mau gosto dos vizinhos que já começavam a se questionar o porquê dos gritos que vinham da cabana toda vez que a lua cheia aparecia no céu — esse era o problema de povoados bruxos: eles sabiam reconhecer os sinais de lobisomens mais rápido do que os trouxas, então a estadia da família Lupin era sempre curta nesses locais, e normalmente eram motivadas por trabalhos que Lyall Lupin, um renomado nome do departamento de Aparições Espirituais Não-Humanas. A única escolha sensata, então, seria entregar a carta ao seu pai para que ele verificasse a veracidade do documento — ele mesmo havia recebido uma carta idêntica haviam poucas décadas. Mas e se ele a guardasse para si? E se abrisse e descobrisse que todos os sonhos que ele pensara terem escorrido pelas suas mãos estavam, na verdade, mais vivos do que nunca? Que mal faria uma simples espiada?

Em verdade, Remo havia lido uma inesgotável fonte de livros sobre magia para saber que todo o cuidado é pouco, e que objetos carregados de maldições são muito difíceis de serem identificados por bruxos experientes, e toda a formação que seu pai lhe dera em casa poderia não ser o bastante. Afinal, era sabido que os lobisomens sofriam um terrível estigma na sociedade bruxa — seu próprio pai arrumou alguns desacertos para sua família por ofender uma matilha deles. Esta poderia facilmente ser uma armadilha enviada de algum bruxo que descobrira a verdade.

Remo optou por compartilhar a notícia com seu pai, que para seu desprazer, teve a mesma opinião.

— Veja, Remo, esta parece ser uma carta normal — murmurava Lyall à luz de uma vela, enquanto sua varinha apontada para o envelope fazia-o flutuar em frente à chama que tremeluzia, revelando um papel menor em seu interior. — No entanto...

Lyall sabia que o professor Dippet, diretor de Hogwarts, não era dos mais aficionados em lobisomens. Na verdade, se aprendera uma coisa importante durante seu percurso na escola, é que o professor Dippet não era lá aficionado em qualquer pessoa que não viesse de uma das grandes famílias bruxas. No entanto, era de se esperar que sua fama no Ministério da Magia lhe trouxesse algumas regalias. Foi então que ele arqueou uma sobrancelha e direcionou o olhar ao garoto cujos olhos brilhavam refletindo a chama da vela, e que sabia que o que o filho sentia raramente transbordava para a superfície.

— Você confia em mim, não confia, Remo? — Perguntou o pai, com uma voz solene.

Remo não hesitou.

— Sim, papai.

— Então eu quero que você entenda que o que eu vou fazer agora é para o seu bem. Você entende, não é?

Remo fez que sim com a cabeça, mesmo que não entendesse.

Lyall, por outro lado, sabia que o envelope somente poderia ter dois remetentes: algum bruxo ou bruxa que planejava jogar outra praga em seu filho, ou uma carta que lhe era reservada desde o dia em que nasceu, mas que não contava com o fato de ter sido transformado em lobisomem e que lhe reservava um destino de ridicularização e malfeitorias por parte dos alunos e professores. Assim, com um sacolejo de sua varinha, a carta se ergueu a alguns centímetros de distância e ficou imóvel no ar, até que com outro sacolejo, todo o sótão foi iluminado pela luz da chama que consumiu o papel. Remo não ousou ter qualquer objeção, mas permitiu que uma lágrima escorresse pelo seu olho. Lyall o abraçou e beijou-lhe os cabelos.

— Eu não quero que ninguém te faça mal, Remo. Você entende, não entende?

Remo permaneceu em silêncio.

— E além disso, eu posso te ensinar tudo o que eu sei, e eu te garanto que você vai ter uma formação muito melhor que aqueles pomposos de Hogwarts, está bem?

Os dois sabiam que não era verdade, mas preferiram permanecer naquele abraço.

Qual não foi a surpresa de toda a família quando, na manhã seguinte, alguém bateu três vezes à porta da entrada da cabana. Os três Lupins foram à porta, mas quando Hope, a mãe de Remo, fez menção de abri-la, Lyall a segurou pelo braço e levou o dedo indicador à boca. Um silêncio seguiu-se, mas três outras batidas ritmadas cortaram-no. Lyall correu para o quarto e voltou em seguida com sua varinha empunhada, que desenhou no ar o formato da porta e murmurou “Revelio”. A porta se dissolveu e revelou um homem de cabelos brancos ondulados que desciam até o ombro, a barba tão grande quanto e um chapéu pontudo e vestes verde-esmeralda com estampas de luas. Parecia entretido com algum inseto que pairava sobre a sua cabeça porque ele estendia o dedo indicador para que ele pousasse. Hope acenou, sem resposta, e Lyall a gesticulou informando que o homem não conseguia vê-los — o que era estranho, porque Remo podia jurar que ele havia lhe dado uma piscadela com os olhos azuis por baixo dos oclinhos de meia-lua. Na verdade, era um tanto engraçado como ele se vestia, principalmente para Hope, que havia pouco tempo tivera contato com o mundo bruxo.

Lyall riscou o ar com a varinha e a porta voltou ao que era. Gesticulando, Lyall indicou que ele e Hope iriam ao porão: ela esconderia os artefatos que usavam para prender Remo durante a transformação, e ele remendaria as marcas de garra com a magia. Remo deveria subir para o seu quarto e não fazer nenhum barulho. Todos concordaram com a cabeça e foram para seus lugares, mas quando Remo fez menção de subir as escadas, ele ouviu um “psiu”.

O homem que estivera atrás da porta agora sentava na poltrona onde Remo gostava de passar o tempo todo lendo e tirava de seu bolso minúsculo um enorme pacote, de onde tirou algumas bolinhas de vidro.

— Você sabe jogar? — Perguntou o homem com um sorriso.

— Meu pai me ensinou — respondeu Remo, aproximando-se da figura engraçada que o encarava com um olhar amigável — mas eu não sou muito bom.

— Ah, eu sempre perco — sorriu, e chamou-lhe com as mãos.

Remo sabia que não deveria falar com estranhos — e sabia também que qualquer pessoa que não fosse seu pai ou sua mãe eram estranhos, porque ele nunca brincava com ninguém, mesmo depois de prometer aos pais que nunca contaria para nenhum amigo que era um lobisomem. Aparentemente, as chances de o segredo vazar eram menores se ele não tivesse nenhum amigo para quem contar.

— Você é muito bom, Remo — dizia o homem, fingindo uma inquietude pela derrota que Remo sabia que era mentira, mas que gostava de assistir. Passou a jogar com mais afinco e não se divertia assim havia... na verdade, não saberia dizer.

— Como você se chama?

Antes que o homem pudesse responder, Lyall apareceu com sua varinha apontada perfeitamente para a cabeça da figura, que respondeu com um sorriso.

— Lyall, Hope, que bom ver vocês!

— Eu não quero machucar você, professor Dumbledore — disse Lyall, e a mão que empunhava a varinha começou a tremer.

— Ora, isso é ótimo! Eu também não quero que você me machuque.

— Você não vai levá-lo — disse Lyall firme.

— Eu receio que essa decisão caiba ao pequeno Remo.

— Nós seguimos todos os protocolos do Ministério: o escondemos em casa, colocamos feitiços silenciadores, não deixamos que ele converse com ninguém. Ele é só uma criança, por Merlin! Ele não fez nada de errado! Você. Não. Vai. Levá-lo!

Dumbledore assistiu tudo com espanto.

— Quem é esse, Lyall? — Perguntou Hope.

— Ele foi meu professor de Transfiguração. Deve estar trabalhando para o Ministério agora, no Controle de Criaturas Mágicas.

Dumbledore abriu um sorriso.

— Fico feliz pela sua coragem, Lyall. Você é um verdadeiro membro da Grifinória. No entanto, sinto informar-lhe que eu não me alistei ao Ministério, ah, não. Na verdade, por alguma razão, eles insistiram para que eu fosse o diretor de Hogwarts.

— Então foi o senhor que mandou a carta? Vocês querem aprisionar o meu filho em Hogwarts?

— Ah, muito pelo contrário — respondeu Dumbledore, agora dirigindo um doce olhar ao garoto. — Acho que o Remo já está cansado de prisões, não é, Remo? Não, eu vim aqui para chamá-lo como aluno. Eu não vejo por que Remo não deva ter uma educação de qualidade, mesmo com sua licantropia.

— Você não me engana. Eu sei muito bem o que o professor Dipett pensa sobre isso.

— Ah, sim, eu pensei que você diria isso. Muito sagaz da sua parte, devo dizer. Um momento.

Dumbledore percorreu o interior de suas vestes com a mão, mas antes que pudesse tirar o que procurava, Lyall apertou o punhal da varinha. “Ah, claro”, disse Dumbledore, e tirou a mão vazia. “Sem joguinhos”, continuou. Então, um pedaço de papel foi conjurado em sua mão direita, que ele abriu e estendeu à frente do corpo.

— Você vai encontrar as doze assinaturas aí. Os governadores da Escola deram suas palavras que não farão mal a Remo ou a qualquer outro lobisomem em Hogwarts. Foi um pouco difícil de conseguiu, você deve imaginar, mas nada que uma boa conversa não resolva.

— Existem outros? — Perguntou Remo animado.

— Ah, claro que sim. Entretanto, como você, não cabe a mim revelar suas identidades, mas talvez você os encontre pelos corredores. E Lyall, nós preparamos um estabelecimento especialmente para Remo: uma casa enorme afastada da civilização com uma única entrada através dos terrenos da Escola e protegida por inúmeros encantamentos. Além disso, o professor Slughorn está trabalhando em uma poção para aliviar a dor excruciante do garoto.

Um sorriso percorreu o rosto de Hope. Aquilo era muito mais do que qualquer coisa que ela pudesse esperar para o filho. É verdade que ela havia feito as pazes com a ideia de que ele nunca poderia ter uma vida normal, fazer amigos ou construir uma família, mas isso era apenas porque ela nunca havia sido apresentada a qualquer outra oportunidade. Antes de Lyall responder qualquer coisa, ou antes mesmo que Remo pudesse esboçar qualquer reação, ela gritou em prantos e a plenos pulmões:

— Sim!

* * *

Remo achara por toda a vida que só poderia encostar em uma varinha quando atingisse a maioridade, e que precisaria fazê-lo sem instrução. É compreensível, então, que ele tenha comemorado ao transformar a jarra preferida do senhor Olivaras, o vendedor de varinhas do Beco Diagonal, em um relógio sem graça — felicidade da qual o vendedor não compartilhou, mas àquela altura, estava acostumado a acidentes acontecendo aos seus pertences. No entanto, comprar a sua primeira varinha não fora, nem de longe, a melhor consequência de receber a carta de Hogwarts.

No primeiro dia de setembro, pontualmente às dez e meia da manhã, Remo observava ansioso a lareira da casa que seus pais finalmente conseguiram se assentar. Estava acostumado com viagens e a nunca ficar muito tempo no mesmo lugar, é verdade, mas algo naquele primeiro dia letivo ainda fazia seu estômago embrulhar. Será que já estava velho o suficiente para que seus pais considerassem a hipótese de ele fazer amigos sem contar seus segredos sujos na primeira conversa? Afinal, até uma criança de onze anos sabia que não se devia começar um diálogo com “Oi, meu nome é Remo e eu sou um lobisomem. Quer brincar?”. Ainda assim, preferiu não externalizar suas dúvidas para os pais; era melhor pedir perdão do que permissão, afinal.

Poucos minutos depois, seu pai apareceu trajando as típicas roupas espalhafatosas do mundo bruxo, e sua mãe encarava receosa a lareira.

— Tem certeza de que não quer vir, Hope?

Ela fez que não com a cabeça e mostrou uma cara de nojo.

— Sinceramente, eu não sei como vocês conseguem. Toda vez que eu viajo pela rede de Flu, parece que meu corpo inteiro se parte e se costura a todo o tempo.

Hope caminhou em direção ao filho e abaixou-se para se igualarem em altura. Seu olhar era doce e ela tinha um sorriso satisfeito.

— Se comporte, está bem? E se divirta. Vou sentir sua falta.

Em um abraço apertado e meigo, ela se despediu, e Remo sentiu sua respiração quente e lenta em seu ombro esquerdo, e uma gota em seguida. Ele respondeu o abraço e murmurou “Pode deixar”, desvencilhando-se dos braços e encarando o pai com um sorriso.

— Pronto?

— Pronto.

Um após o outro, com os mesmos gestos atrapalhados e tímidos, pegaram uma pitada de pó em um vaso de cerâmica apoiado na lareira, soltaram a pitadinha nos troncos apagados e gritaram alto e claro: “Plataforma nove e três quartos”. Engolidos por uma gostosa chama esverdeada, a visão da casa rodopiou e deu lugar a uma enorme estação com uma locomotiva a vapor vermelha que lia “Expresso de Hogwarts” em letras douradas garrafais. Muitas famílias se abraçavam e diziam seus votos de saudades, outros recapitulavam para os amigos o que acontecera nas férias de verão, e outros aguardavam sentados em seus malões. Remo não conseguiu deixar de sorrir. Era verdade, estava mesmo acontecendo.

— Remo, você precisa sair da lareira — disse o pai entre gargalhadas. — Você está bloqueando o caminho das outras pessoas.

Enquanto as chamas verdejantes expeliam três ou quatro bruxos estressados com a demora, um som estridente cortou o céu e inundou a plataforma. Procurando a direção, os olhos de Remo encontraram uma figura que descia do céu e que, conforme se aproximava, mais se assemelhava a um motoqueiro um tanto disforme. A silhueta estranha logo se confirmou: em uma moto barulhenta a não conseguir mais, um homem descia do céu e as pessoas corriam para fora do caminho — ele não fazia qualquer menção de se desviar. Por detrás da figura corpulenta, um garoto desceu, desabotoou seu capacete e pegou sua bagagem que estava presa na carroceria, e Remo achou muito divertido o fato de as roupas do menino e do piloto serem idênticas: jaqueta de couro preto, calça jeans rasgada e os mesmos óculos de sol de aviador. Com um toque de mão, os dois se despediram e o menino sentou-se paciente mascando seu chiclete até que o motorista soltou o primeiro silvo do apito que indicava que as bagagens deveriam ser guardadas.

Dumbledore havia concedido a Remo uma cabine solitária, para que ele conseguisse se preparar melhor para lidar com a multidão. Qual não foi sua surpresa, então, quando ele encontrou o mesmo garoto de jaqueta e óculos escuros tentando forçar a entrada e a porta imóvel à espera de seu dono.

— Isso – não – quer – abrir! Arrrgh! — Gritou, agora apoiando-se na porta com um dos pés para aumentar sua força.

— Se importa? — Perguntou Remo, aproximando-se da cena.

— Eu duvido que você vai conseguir, eu aposto que algum veterano colocou uma magia forte de-

Seu queixo não poderia cair mais ao presenciar um menino muito mais baixo e magro que ele abrir uma porta com tanta facilidade.

— Tinha uma tranca — mentiu Remo, porque ouvira o estalar da porta no momento em que a tocara, mas quem o negaria uma chance de se vangloriar logo antes do início das aulas?

— Você é esperto — disse o outro garoto, que se acomodou perto da janela, tirou os óculos e estendeu-lhe a mão. — Eu sou Sirius.

— Remo.

— Que nome engraçado.


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