Alma escrita por Taigo Leão


Capítulo 5
V




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Ethan despertou de mau humor. Estava aborrecido, como se tivesse acordado de um sonho ruim, mas não havia sonho algum. Tudo que havia era um pesadelo, mas ele estava acordado. A começar pelo cômodo em que estava, sua casa, e a doença que possuía e o matava aos poucos.
Ele cerrou os punhos e olhou pela janela. O céu estava azul e limpo, em contraste a quem o observava, que, a desgosto, julgava aquele belo céu desejando não ter acordado.
Após jogar água no rosto, o rapaz, a passos apressados, e com o bolso cheio de notas, se adiantou ao chegar na biblioteca.
— Onde ele está?
Foi o que perguntou, de forma ríspida.
— Não está aqui. Aliás, bom dia pra você também, Ethan.
Ethan olhou em volta procurando algo, como se a pessoa que procurava estivesse se escondendo por ali, mas ao perceber que ele realmente não estava, se sentiu aliviado, e, se desculpando, cumprimentou Alexsandra, sarcasticamente comentando sobre como o dia estava bonito.
Quando retornou ao cubículo, foi chamado pelo guarda que estava na guarita.
— Hm... Ei, você. Rapaz! – O homem gordo levou as mãos ao joelho e respirou fundo, tomando fôlego após correr atrás de Ethan. – Dessa vez você não fugirá de mim... Quero dizer, vi você a pouco, mas estava tão apressado que me esqueci que necessitava de lhe interromper. Quando me dei conta, você já estava longe! Essa é a segunda vez que corro atrás de você... Veja, tenho um recado: "Quero vê-lo hoje. Certifique-se de que ele saiba disso.", foi o que disse o senhor Reiss.
— Acabei de voltar da biblioteca, mas ele não estava lá.
— Hm...? É mesmo? Bom... Não sei onde mais ele pode estar. Não sei o que ele anda fazendo. Apenas hoje eu soube que ele havia viajado para além do mar. Disse que foi à trabalho, mas voltou com uma mala a mais do que levou. O guarda noturno disse que ontem, às pressas, este velho… digo, o senhor Reiss havia chegado de viagem, acabando com a paz que tem sido esses dias; já chegou fazendo muito barulho. E mais! Dando ordens! Estamos aqui para trabalhar, eu sei... Mas... Ele apenas mandou o pobre rapaz do turno noturno levar suas malas para dentro de sua casa, e assim que elas estavam lá, o senhor Reiss o expulsou a bengaladas, dizendo que ele estava deixando a entrada desprotegida! – O guarda se pôs a rir.– Sei que é isso que sustenta minha família, mas não sei bem o que tanto devemos proteger aqui.
— Vocês protegem a fortuna do velho.
— Fortuna? – O velho se pôs a rir novamente. – Você realmente acredita nisso? Ele não vive como alguém que possui tanto dinheiro assim. Talvez esteja guardando tudo, mas ele não tem filhos, tem?
— Ele tem esse prédio inteiro. E também a biblioteca.
— Sim, sim... Tem razão. Mesmo assim...
Um barulho interrompeu a conversa. Um carro pequeno chegou na porta da entrada para o prédio. De dentro do carro, com a ajuda do motorista, saiu um homem de idade. Um velho de cabelo grisalho e com um bigode fino. Seus olhos eram pequenos e possuíam marcas que faziam parecer que ele estava bravo. Talvez realmente estivesse.
Com o auxílio de uma bengala, o homem se aproximou.
— Veja como o dia está azul hoje. É uma pena, não acha? Dias bonitos são presságios de dias cinzentos. Quando o céu está cinza, oramos para que venha um dia bom. Mas hoje, com o dia bom, para o que podemos orar? Venha, Ethan.
O homem saiu andando em direção a sua casa, que ficava no térreo, antes mesmo da escada para o primeiro andar.
Sem pestanejar, Ethan o seguiu. Embora o edifício, por fora, fosse velho e sem espírito, a casa do senhor Reiss, por dentro, parecia um local completamente diferente. Sua casa era bonita, bem cuidada, espaçosa. Era um bom lugar para se viver. Ethan achava graça disso, pois pouco acima havia um cubículo tão pequeno e sujo que parecia o inferno.
— Soube que estava doente. Às vezes me pergunto quem a morte alcançará primeiro: eu ou você.
— Sabe que faço o que posso para cuidar disso.
— Faz tudo o que pode ou o que acha que é o suficiente? Pois pra mim sempre há mais para se fazer.
— Por que me chamou aqui?
O homem se virou para sua estante cheia de livros, com os braços para trás, em cima de sua lombar.
— Ethan, Ethan... Estive viajando. Você sabia disso, não sabia? As pessoas lá fora – as pessoas importantes –, possuem algo muito... Peculiar. Imagine ter alguém para escrever coisas para você! Alguém para quem você pode ditar tudo que quiser, que essa pessoa escreverá arduamente tudo que vier a sua mente, como se fosse seus próprios braços! Cartas, documentos, o que quiser!
—...Parece algo cansativo.
— Quem liga para isso? É eficiente! Me diga, Ethan... Que trabalho não é cansativo? Ou você acha que isso não é uma espécie de trabalho?
— Sim, é trabalho. O trabalho de uma secretária.
— Não seja tolo. Esse trabalho é reconhecido. Se você o faz, se torna um datilógrafo!
— Repito a pergunta que lhe fiz a pouco. Por quê estou aqui?
— Tolo. Quero que seja meu datilógrafo!
— Não.
— Como não? Você será, sim! Eu lhe pagarei por isso, Ethan! Não seja tolo. Assim poderá trabalhar de casa. O trabalho tem fugido de você nos últimos meses, mas agora está batendo à sua porta! E não será um simples datilógrafo. A escrita será bem pouco do que você fará. Quero que trabalhe para mim; que seja meu servente. Quando eu lhe pedir, você fará o trabalho. Seja me acompanhar, buscar algo ou escrever. Fará o que eu pedir.
Ethan se viu em uma situação complicada. Ele temia que, caso recusasse a proposta, isso pudesse, de alguma forma, ameaçar sua moradia no pequeno cubículo. Era certo que um pouco de trabalho não lhe faria mal. Na realidade, seria bom para sua mente, mas saber que estava fazendo algo para aquele homem não lhe parecia uma coisa boa.
Além disso, temia que, se recusasse, o homem forçasse Alexsandra a fazer o serviço, e Alexsandra nunca recusava uma ordem do velho.
Por alguma razão, Ethan sempre o evitava ao máximo. Não possuía motivos importantes para desgostar do homem e nem via algo de terrível em sua existência, mas mesmo assim, inexplicavelmente, não gostava de estar ao seu alcance.
— Posso aceitar sua oferta.
— Você está tomando uma boa decisão. Mas... Não é algo certo. Quero que faça isso por uns dias, aí verei se me é útil ou não. Posso descartar a ideia em dois ou três dias, porém, caso o faça, lhe pagarei de acordo, fique tranquilo quanto a isso.
— Quando começarei?
— Abra a primeira gaveta da cômoda ao seu lado. Pegue a caneta e o pequeno caderno que está aí dentro. Isso. Agora carregue com você.
— O que devo escrever?
— O que eu lhe pedir, ou o que você quiser. Apenas tenha folhas livres para quando eu solicitar que escreva algo. Agora é meu funcionário. Confiarei em você, e peço que mantenha sigilo de tudo que lhe diz respeito sobre mim, pois tudo que eu lhe disser de agora em diante, não pode ser falado em voz alta novamente. Temos que ter um acordo entre nós, patrão e contratado, caso contrário, não poderei lhe designar essa tarefa.
— Não entendo o propósito de tudo isso, mas manterei o sigilo que deseja. Isso parece ter importância para ti.
— Claramente tem. Oh, antes que eu me esqueça. Está vendo que na gaveta também possui uma carta? Quero que a pegue e leve até a biblioteca. Então deixará atrás do balcão, junto do caixa, para que Alexsandra a veja.
— Não prefere que eu lhe entregue em mãos?
— Não. Se quisesse, teria pedido dessa forma. Faça exatamente como orientei.
Ethan pegou a carta e saiu da casa.
— O que ele queria...? – perguntou o guarda, que estava à paisana, próximo da porta da casa.
— Nada demais. Apenas mais baboseiras.
O rapaz saiu dali apressado, como costumava andar, com pressa de finalmente chegar em algum lugar. Quando chegou à biblioteca, a mesma estava vazia, como tem estado nos últimos dias. Alexsandra não estava à vista, talvez estivesse no andar de cima. Então sorrateiramente o homem se esgueirou até chegar ao balcão, onde colocaria a carta próxima dos livros que estavam por lá, prontos para ir para a prateleira. Dessa forma, quando Alexsandra colocasse a mão neles, notaria aquela carta, que deixava o rapaz tão suspicaz, com a semente da curiosidade plantada em sua cabeça.
Deixar a carta ali lhe parecia uma operação de extrema complexidade, pois o rapaz temia ser ligado a seu conteúdo, não importava qual fosse. O remetente da carta era um homem tão sucinto que ela poderia ser apenas contas da biblioteca, recibos de livros ou até mesmo o pedido mais intrigante de todos, de forma que nunca teria passado pela cabeça do homem que estava com ela em mãos.
Quando finalmente se sentiu apto a colocá-la em um lugar onde poderia ser encontrada, foi surpreendido pela própria Alexsandra.
— O que está fazendo aqui?
— Olá. – Ele pegou a pequena pilha de livros e a levantou, escondendo a carta no bolso de trás de sua calça.– O velho me pediu para ajudá-la em qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Então aqui estou eu. Onde coloco essa pilha de livros?
Alexsandra suspirou profundamente, relutante em aceitar aquele tipo de oferta. Por mais que tentasse disfarçar, Ethan via em seu rosto indecifrável que ela não gostava da ideia, mas entender só estava ao seu alcance porque a conhecia mais do que a si mesmo. Quando se tratava de Alexsandra, o rapaz a via como um livro. Se estava brava ou chateada, ele dizia com um olhar. Mas em relação a si próprio, nada conseguia dizer, pois não sentia-se apto para tal.
— Deixe-os onde estão. Não preciso de sua ajuda.
— Alexsandra! Estou aqui por mim mesmo, e não pelo velho. Achas que seguirei suas ordens assim, sem mais nem menos? Se me conhecesse, saberia que bem sei que eu poderia largar este trabalho de estar aqui, e nunca seria relatado, pois o Sr. Reiss não lhe questionaria sobre o trabalho aqui, e se tu não reclamar, ele nunca saberá. Bem sabemos que mesmo que aconteça um incêndio neste lugar, tu nunca será capaz de reclamar, pois é impossibilitada disso.
— Estás muito sabichão hoje, Ethan. Não está? Pois bem, me ajude. Faça o que lhe der vontade, só não bagunce tudo. Não mais do que já está. Se o fizer, então lhe tirarei daqui tão rápido que não compreenderá imediatamente nem ao menos o motivo da expulsão.
O resto do tempo que Ethan passou ali seguiu em silêncio, dessa vez orquestrado pela própria Alexsandra, que se mostrava fria e distante, incapacitada de falar de uma maneira simpática. Ela estava aérea.
Ethan notou uma bolsa feminina em cima do balcão, e tão logo soube a quem pertencia. Finalmente se pôs a disposição de terminar a missão que o levou até a biblioteca, e ordinariamente colocou a carta dentro da bolsa. Sentiu-se mal, com medo de ser pego, mas também invasivo, por estar profanando o que considerava sagrado: a privacidade da mulher que estimava tanto. Em sua cabeça, temia ser pego e julgado por isso para sempre. Temia o julgamento eterno, por mais que seu ato hediondo já tivesse expirado.
— Não seja tolo. Coloque isso rápido, antes que seja visto. Aí sim, teus pensamentos se tornarão verdade.
A voz que ouviu não veio de ninguém. Não havia mais ninguém ali. Mas Ethan a obedeceu; ele não negaria uma ordem da qual tinha a ciência de não poder discordar.
Com a missão completa, ficou envolto em uma áurea de culpa, e, para disfarçar, tentou prolongar sua permanência naquele lugar, para não fugir feito um culpado. Carregando livros, limpando prateleiras, até que não havia mais o que fazer. Não havia clientes, e não havia serviço. Alexsandra se encontrava atrás do balcão, lendo um pequeno livro de capa branca.
— Há algo que posso fazer por você?
— Até há, mas é melhor deixarmos para lá.– Alexsandra disse sem tirar os olhos do livro.
— Me diga logo.
— Você diria ser capaz de realizar qualquer um dos meus desejos? Apenas para me satisfazer? Digo, seria capaz de matar alguém por mim?
— Não consigo nem matar a mim mesmo, o que dirá outra pessoa. Mas acredito que há outras formas de se mostrar amor ou devoção a alguém ou algo.
Alexsandra perdeu o interesse que teve em manter a atenção no rapaz após dizer sua pergunta, que, a princípio, não teve uma resposta. Desnorteado, Ethan deu um passo para trás, mas logo se recuperou, pigarreando. Se não conhecesse-a bem, diria que estava falando sério.
—...Não seja tola. As pessoas, independente de tudo, merecem viver.
Alexsandra suspirou e voltou sua atenção ao livro, passando para a página seguinte.
Sem saber o que falar, Ethan achou melhor sair daquele lugar, então nada disse, apenas foi embora, deixando-a sozinha. Quando retornou ao aposento do senhor Reiss, o guarda estava se apoiando na janela, conversando com o homem lá dentro.
—...Como eu disse, ninguém entrou aqui.
— Tenho a certeza de que o deixei aqui, mas talvez minha memória esteja me enganando; posso apenas ter pensado em deixá-lo aqui. Estou ficando velho demais para me lembrar de tudo. Oh, Ethan, você voltou.
O guarda deixou o local, olhando para Ethan de canto de olho. Nenhum dos dois havia expulsado o guarda, mas ele sentiu que, com a volta do rapaz, não devia mais permanecer ali.
— Está feito.
— Pelo tempo que demorou, imagino que tenha feito um bom trabalho. Conto com seu sigilo. Espero que não comente nada que não for necessário.
— Agora estou trabalhando, então manterei total segredo, se assim for necessário. Mas... Eu não mereço saber?
— Não. Você é apenas meu ajudante, e recém contratado, o que não lhe dá o direito de saber a fundo cada aspecto de minha vida. Se abstenha e faça apenas o que eu lhe mandar.
— E o que irá mandar fazer agora?
— Faça o que quiser, mas não fique me vigiando o dia inteiro.
— Pois daqui não sairei. Não até ter um serviço. Sempre fui seu encarregado, talvez até mesmo um braço direito, e agora tenho mais um cargo: sou seu datilógrafo. Não sei em que momento lhe surgirá a idéia de algo brilhante, que necessito por documentar a todo custo, por isso digo que contratou a pessoa perfeita. Não possuo uma vida muito agitada, como bem sabe, então posso ficar aqui sem problemas nenhum. Imóvel e sem almejar nada, mas sempre ao seu alcance.
O Sr. Reiss deu de ombros, vendo que o rapaz se faria de resoluto.
— Faça como quiser.
Sr. Reiss começou a arrumar algumas coisas em sua casa, enquanto Ethan se sentou na poltrona da sala, permanecendo em silêncio, com o pequeno caderno em mãos, até que o guardou no bolso de seu sobretudo e cruzou os braços, continuando atento a todo momento.
— Diz que quer trabalhar, mas nem ao menos está com o objeto de trabalho em mãos.
— Não preciso segurá-lo a todo instante. Um policial, por acaso, segura sua arma ou sua algema a todo momento? Meu material de trabalho está ao meu alcance, então poderei pegá-lo quando for a hora.
Quando novamente se viu sozinho naquela sala, Ethan começou a reparar mais em toda a mobília da mesma. Era algo de grande estima, algo chique; bonito. Era diferente de tudo que Ethan já havia visto em sua vida, e ele sabia que não possuía condições de ter nem ao menos uma poltrona igual aquela em que se sentava, que, por sinal, era mais confortável do que o colchão de sua cama. Ele não sabia ao fundo a história de vida do Sr. Reiss, mas invejava seu modo de vida.
Isso porque, embora tivesse condições e fosse deveras inteligente, o velho era infeliz. Isso porque se sentia fracassado, pois sempre lhe faltou algo: a ambição e a coragem para largar o que, ironicamente, iria deixar para trás em um futuro próximo, mas que naquele momento em que vivia, lhe parecia ser tudo o que não podia largar. Toda a sua vida; tudo que estimava, ele agarrou com unhas e dentes, de forma que nunca pôde viver como queria. Era uma pessoa amarga, que possuía arrependimentos. Embora estivesse próximo dele a vários meses, Ethan não sabia nem ao menos se seu locador possuía filhos, família e nem ao menos quando era seu aniversário. Decorrente do que pensava ser sua função na vida, encontrou outro propósito, e a biblioteca veio como consequência disso. O velho sempre teve apreço por livros filosóficos e por toda a literatura, em geral. Ele acreditava que se uma pessoa não lesse pelo menos um livro em sua vida, ela não iria viver de uma forma adequada. "As pessoas precisam de livros para que conheçam uma outra forma de ver o mundo, além de algumas questões que elas mesmo não se viam aptas a refletir.", era o que costumava pensar. Então, inaugurou uma biblioteca, para levar a literatura para mais pessoas dentro deste pobre bairro, mas nem mesmo isso pareceu alegrar o homem. Ainda lhe faltava algo, e Ethan, por mais que tentasse, não conseguia compreender a natureza de tudo isso. Ele era alguém conciso e distante o bastante para que o rapaz nem ao menos se preocupasse em tentar penetrar essa dura casca que o separava do restante do mundo. Acreditava compreendê-lo e o respeitava, porque compartilhavam a forma com que se sentiam. Mas, embora os dois fossem, em suma, parecidos, eram bem diferentes um do outro, e suas semelhanças era o que os afastava.
— Está vendo? Sei que você viu aquele pequeno relógio de bolso que estava na gaveta junto com o pequeno caderno que ele lhe deu. E se você pegar para si? Você pode vender.
— Quem é você?
Ethan perguntou, mas não havia mais ninguém ali. A mesma voz estava atormentando-o novamente, mas sua origem ainda não havia sido descoberta. Ele apenas a escutava, e seus comentários sempre eram amargos, horríveis, de uma forma que causava certo incômodo apenas por dar ouvidos a isso, porém, curiosamente, sempre se sentia tentado a realizar suas propostas, embora seguisse relutante.
— Vai pegar ou não? Não há mais ninguém neste cômodo, pegue logo o maldito relógio! Vamos, não seja um frouxo! Esse velho nem dará por falta disso e você precisa desse dinheiro...
Ethan se levantou e se afastou daquilo, sem nem saber o que é que estava atormentando-o.
"Céus! Será que, de tanto culpar Deus por meu sofrimento, agora serei atormentado por um demônio?", Foi o que pensou.
O rapaz caminhou até a cozinha, com medo de ser seguido por aquilo, mas também tinha medo de ser pego em flagrante pelo Sr. Reiss e ser expulso do local.
— Reiss, onde está você? – Ele revelou sua localização ao perguntar em voz alta. Achou melhor desta forma, do que ser encontrado de repente e temer ser tido como um bisbilhoteiro ou ladrão.
Ethan não obteve uma resposta, então perguntou novamente, desta vez, mais alto. Ainda sem resposta, caminhou mais um pouco, até que, ao atravessar um pequeno corredor, parou frente uma porta que estava entreaberta. Olhando por ela, se deu conta de que aquele cômodo era um quarto, e lá dentro estava o Sr. Reiss, sentado em uma cadeira.
O velho não percebeu que estava sendo observado. Ele olhava para algo dentro da gaveta de sua cômoda e falava com aquilo, mas Ethan não entendia o que o velho estava murmurando. O Sr. Reiss então tomou alguns comprimidos, e, de repente, levou as mãos aos olhos, enquanto falava com aquele objeto desconhecido. Ele começou a chorar.
Estarrecido, Ethan não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Ele não sabia o motivo, mas lhe parecia impossível ver aquele homem chorando. Sr. Reiss sempre foi um homem firme e forte, que era até mesmo visto com maus-olhos por algumas pessoas ao seu redor. Ele muitas vezes parecia como um general. Intimidador. Esmagador. Mas agora estava ali, curvado e chorando. Era uma imagem que Ethan não conseguiria esquecer, e ele até mesmo se sentia culpado por estar ali, violando a privacidade do pobre homem e vendo aquilo. Com medo de ser notado, saiu caminhando na ponta dos pés, para evitar ao máximo qualquer tipo de barulho que denunciasse sua presença naquele lugar. Quando se viu livre, do lado de fora da casa, mas não sem antes se sentir obrigado a, novamente, olhar para a gaveta com o relógio de bolso, Ethan começou a caminhar mais rápido, indo em direção a biblioteca.
Alexsandra estava por trás do balcão, terminando de arrumar as coisas para fechar o lugar.
— Hm? Você voltou.
— Sim. Quero levá-la para casa hoje novamente.
— Assim me sinto como uma donzela indefesa. Mas hoje não reclamarei. Aceito sua companhia, Ethan.
— Fico feliz por isso.
— Como foi o seu dia? Esteve mais próximo dele?
— Estive, e isso é espantoso.
— Ele é uma pessoa curiosa, assim como você. Não entendo como não podem se entender.
— Na realidade não sei se ao menos uma vez tentei entendê-lo verdadeiramente.
— Pois aí está o seu erro...
— O que tens? Está tão deprimida hoje...
— Não é nada demais. Apenas um dia ruim... Desculpe se fiz com que se preocupasse comigo, mas ficarei bem.
— Me perdoe se não sou capaz de matar alguém por você. De qualquer modo quero que saiba que eu faria tudo que estivesse ao meu alcance para que você se sinta melhor.
— Ficarei melhor logo, Ethan, não preciso de um assassinato. Preciso apenas de tempo.
— Acho engraçado o teu jeito. Sabes bem a influência que tem sobre mim, e usa disso a seu bel prazer. Em um momento me pede para matar alguém por ti, mas em outro, tão rápido, já se faz por uma mulher indefesa e complexa demais para que eu consiga compreender, que não seria capaz nem mesmo de machucar uma mosca, quanto mais arquitetar uma morte.
— Não seja tolo... Nem eu mesma consigo me compreender às vezes. Quanto a isso, estava brincando, então pare de falar sobre isso. Já pensou se alguém escuta e nos delata às autoridades?
— Pelo menos seria preso ao seu lado.
— És engraçado, Ethan. Se não suporto ver sua cara ao ar livre, imagina se tivesse que vê-la todos os dias atrás das grades? Juro que o mataria em uma semana!
— Não seria capaz. Tu sentiria minha falta da mesma forma que eu sentiria a sua.
Alexsandra se apoiou nas laterais da ponte do pequeno lago e olhava para o céu.
Ethan se perguntava se ela havia visto a carta e o seu conteúdo. Ainda relutante sobre seu conteúdo.
— Acho que já vou indo.
— Tem certeza de que está bem?
— Sim, Ethan. Preciso apenas de tempo, e tu precisas de paciência. No meu tempo as coisas irão se encaixar e me sentirei melhor.
— Eu esperarei então.
Alexsandra sorriu e partiu em direção a sua casa. Ethan voltou para a sua, se lembrando da imagem do velho Reiss chorando, algo que nunca pensou que veria.


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