A Saga do Destino livro 1 - A Chave Elemental escrita por Lino Linadoon


Capítulo 3
Uma visita inesperada




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— Você tem certeza, Thomas? – Marlene perguntou pela quarta vez. – Está tudo bem mesmo?

— Sim, mãe. Só estou com sono. – Thomas disse, esperando que seu sorriso fosse o bastante para finalizar a conversa. – Eu vou dormir.

— Já escovou os dentes? – Fábio perguntou.

— Já. – Thomas respondeu na entrada do quarto. – Boa noite!

— Boa noite!

Ele fechou a porta e se jogou na cama.

Já era tarde. Thomas se sentia tão cansado.

Estava esperava que, depois de comer o delicioso espaguete de sua mãe, se sentiria revigorado, mas, não. Ele nem sabia por que estava tão cansado, mas pelo menos isso queria dizer que ia dormir com mais facilidade.

Ou talvez não.

Thomas fechou os olhos e o poema retornou, recitando a si mesmo entre seus ouvidos e o fazendo rolar na cama.

Thomas abriu os olhos e notou que não estava mais em sua cama. Ótimo, estava sonhando.

O mundo ao seu redor era escuro, com pequenos pontos de luz cá e lá; era como estar no espaço sideral. O poema ecoava como se aquele fosse o salão de uma igreja vazia, mas ele estava sozinho. Thomas respirou fundo, o máximo que podia, já que sentia como se não tivesse pulmões, nem um corpo.

De repente, um peso caiu sobre seus ombros e Thomas sentiu que não estava mais sozinho. Uma presença, parecida com a que ele sentia quando estava acordado, estava ali com ele. Mas essa era diferente. Era pesada e não parecia amigável.

Ele se virou para ver quem tinha aparecido.

Era uma coisa estranha, parecia não ter corpo, assim como ele; a única coisa que dava para ver era um objeto flutuando no meio do nada. Uma máscara. A mesma máscara que Thomas tinha desenhado mais cedo naquele dia. A forma da máscara mudou devagar, as pontas de baixo se esticando como presas pontiagudas em uma boca que não existia. Thomas tremeu com a visão.

O mundo à sua volta se moveu e ele entendeu o que estava acontecendo. O estranho estava se movendo em sua direção e rápido!

Thomas deu as costas para o objeto e correu como podia, sentindo como se lutasse contra a correnteza de um mar sem fim. O poema continuava sendo cantado em seus ouvidos e a criatura continuava a seus calcanhares.

Uma luz acendeu ao longe com um som estranho. Era mais forte que as “estrelas” e tão estranhamente aconchegante que Thomas só queria se jogar nela. Mas não importava o quanto ele nadasse, a luz sempre estava longe e a criatura cada vez mais perto.

Um peso enorme se lançou contra suas costas. Foi tão de repente! Thomas perdeu o equilíbrio mesmo sem chão e a luz se afastou como um cometa, o mergulhando na escuridão.

Thomas abriu os olhos e a escuridão continuava ali, até que ele conseguiu ver a forma de seu criado mudo e do guarda roupa.

Ele respirou fundo, sentindo pulmões e peito se moverem.

Estava acordado – não estava? – e de volta ao quarto – era mesmo seu quarto? Sim, estava a salvo. E tinha alguém o empurrando... Já era hora de acordar?

— Mais cinco minutos, mãe... – Reclamou sem virar, fechando os olhos e se remexendo. Mas os empurrões não cessaram. – Ai! Está bem... – Ele reclamou, finalmente se sentando.

Mas, fosse quem fosse que estava ali com ele, com certeza não era sua mãe. Principalmente com aqueles olhos escuros.

Thomas arfou surpreso, segurando um grito. Ele se afastou, esticando a mão para o criado-mudo, mas agarrando o nada...

De repente, ele se viu encarando o teto, com os pés pra cima. E sua nuca doía.

— Desculpe. – Disse a pessoa desconhecida, agora se inclinando na beirada da cama. – Nossa, você está bem? – Ela riu baixinho.

Thomas examinou a garota e... Ele prendeu a respiração. Cabelos escuros, curtos e lisos na altura dos ombros, rosto redondo e olhos grandes. Ela era idêntica ao seu desenho.

— Olá? – Ela chamou. – Você me entende, né?

— Quem é você? – Thomas se levantou o melhor que pode, se apertando contra o guarda-roupa, colocando uma distância entre os dois.

— Sou Édna. Édna Ariépuótí Sièn’nurb’. – Ela sorriu, com orgulho do nome. Sua voz era forte, com um sotaque quase palpável, era quase difícil entender algumas palavras. – Seu nome é Thomas, não é? – O garoto só assentiu, achando estranho ouvir uma voz nova chamando seu nome. – É bom conhecer você finalmente. Digo, falar com você, porque te conhecer, eu já te conhecia...

Thomas ergueu uma sobrancelha. Ele nunca tinha visto aquela garota antes do desenho. Pelo menos não que ele se lembrasse.

— Como você entrou aqui? – Era a pergunta mais racional a se fazer, afinal aquele era o seu quarto. Édna fez um sinal para a janela aberta. Thomas hesitou. Ele tinha a trancado, não tinha? – Ah, é claro, isso é tudo um sonho...

— Não. – Édna retrucou de modo estranho. – Se fosse um sonho, você acordaria com um beliscão! – E pulou da cama. Thomas quase nem registrou o que aconteceu, só sentiu uma mão em seu braço e uma dor repentina. Ele exclamou, pulando, e teria se afastado mais se o guarda-roupa não o impedisse. – Viu só?

Thomas afagou a área dolorida, ao mesmo tempo nervoso e irritado.

Ele se forçou a se acalmar e pensar.

Tinha uma garota estranha em seu quarto, que subiu pela janela que ele tinha – ou talvez não tinha – deixado aberta, e que, por algum motivo, era praticamente idêntica ao desenho que ele tinha feito mais cedo naquele dia.

De novo: É tudo um sonho! E um daqueles bem lúcidos..., Thomas decidiu. E é claro que um beliscão dado por alguém do seu sonho não vai servir para te acordar!, assim se resolvia o mistério, ele decidiu.

Mas, só para ter certeza, Thomas puxou um pedaço de pele e torceu.

De novo, doeu. E ele continuava no mesmo lugar, encarando a garota.

Então não era sonho...?

— O que você está fazendo aqui? – Sonho ou não, Thomas decidiu que precisava de respostas. – Você não passava de um desenho hoje de manhã... – Ele testou a garota.

— Um desenho? – Édna pareceu se surpreender e um sorriso apareceu em seu rosto. Seus dentes eram tão brancos que pareciam brilhar na leve luz que entrava pela janela. – Você me desenhou? Isso é um sinal de que--

No meio da frase, um alto crack ecoou pelo quarto.

Thomas quase pulou com o som, se perguntando se teria acordado seus pais. Como diabos ele iria explicar para eles aquela garota desconhecida sentada em sua cama? Mas se aquilo era um sonho então não tinha com o que se preocupar.

Ele já estava se sentindo confuso...

Thomas notou o silêncio estranho que tomou o quarto. Édna encarava o teto com os olhos bem abertos, como se tivesse visto algo surpreendente. Thomas acreditava que estava usando a mesma expressão.

— Isso... Não foi nada legal...

— É só a madeira da casa assentando. – Ele explicou.

— Se fosse só isso... – Édna murmurou em tom estranho, mas não parecia querer explicar o que se passava por sua cabeça. – Por favor, você precisa vir comigo!

O garoto piscou, surpreso com a mudança de assunto.

— Para... Onde? – Ele tremeu, nervoso com aquelas palavras.

— Para o Grande Reino, é claro! – Édna exclamou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Só porque os portais foram fechados para os humanos, não quer dizer que deviam ter se esquecido da gente! – Thomas não respondeu e a expressão da garota se abalou um pouco. – Você... Não conhece o Grande Reino? – O garoto moveu a cabeça negativamente. – Seus pais, ou seus avós então?!

— Eu não tenho a menor ideia do que você está falando, e aposto que ninguém mais... – Ele parou. Aquela palavra, “portais”, o fazia se lembrar de algo. – A não ser que... Você esteja falando da lenda do portal entre os condomínios... O do tapete?

O rosto de Édna pareceu iluminar o quarto.

— Sim! Exatamente! Então você sabe! – E quando Thomas notou, ela tinha agarrado suas mãos. – É exatamente por ele que vamos passar! Temos que--

— É uma lenda. – Thomas puxou as mãos para longe das de Édna, um pouco desconfortável com a liberdade que ela tinha tomado. – E lendas não são reais.

— Não são...? Ora, eu não sou real o bastante para você? – Ela parecia irritada agora. – Precisa de mais um beliscão pra--

Antes mesmo que Thomas pudesse se afastar, a casa se pronunciou, um pouco mais baixo que antes e foi Édna quem deu alguns passos para trás.

Muito obrigado, casa, você sempre será minha heroína!, Thomas tentou não rir.

— Ora! – Édna praticamente bufou. – Mas que garoto incrédulo eu fui seguir!

Thomas ligou os pontos tão rápido que seu “eu criança” ficaria com inveja.

— Então era você que ficava me observando!

— Eu mesma! – Édna sorriu como se fosse um grande feito. – Foi para você que a pedra me guiou! – Ela apertou alguma coisa em volta de seu pescoço. – Só estou surpresa que o escolhido seja alguém como você!

O garoto sentia que aquilo era um insulto, mas antes que pudesse pensar no que falar, ele sentiu uma pressão em seu peito. Thomas quase pulou para trás, sem saber o que a garota segurava, por um momento imaginando uma faca; mas era apenas uma pedra, quente e incrivelmente brilhante.

Thomas teve que fechar os olhos. A pedra brilhava em lilás, iluminando todo o quarto como um farol. Ele conseguiu ver melhor os detalhes do rosto de Édna e, pela primeira vez, ela parecia ser real e não só uma aparição coberta pelas sombras.

Mas a aparência da garota não importava agora, o que realmente lhe interessava era o que ela segurava. Um tipo de cristal longo e fino, polido e de uma forte cor arroxeada. Seu interior brilhava como se uma chama vivesse dentro dela.

Examinando a chama quase invisível lá dentro, Thomas sentiu seu medo diminuir – o sentimento ainda estava ali, em algum lugar no canto de sua mente, mas dessa vez era mais fácil de ignorar, por algum motivo.

— O que... É isso? – Thomas perguntou, fascinado.

— A pedra de Maes, da família Maes. – Édna levantou os olhos para o garoto com uma expressão indecifrável. – Você realmente não sabe de nada?

Thomas deu de ombros, sem tirar os olhos da “pedra de Maes”. Ele ergueu a mão para o cristal, com um pouco de medo, mas ele precisava sentir a pedra em suas próprias mãos. Édna não se afastou, então ele foi em frente.

Um calor aconchegante o envolveu. Thomas sentiu seu corpo e sua mente relaxando como se estivesse no meio de uma meditação.

— De onde veio isso? – Ele tinha que saber.

— Do Grande Reino, assim como eu. E vai ter que voltar para lá. – Édna abriu a palma da mão. O garoto hesitou, mas devolveu o cristal. – Será que você pode me ouvir agora? Isso é muito sério!

Thomas só assentiu, desviando os olhos da pedra contra sua vontade.

— Precisamos de você no Grande Reino. – Édna apertou o cristal contra o peito e a luz se apagou, os deixando no escuro de novo. – Adraúde se ergueu com toda sua força e precisamos de ajuda! Já faz um bom tempo que estou procurando por você...

Thomas tinha muitas perguntas, mas decidiu se focar na mais importante:

— Porque eu?

— Você foi o escolhido de San Iak. Esse cristal pertencia a ele e foi o que me guiou até você! Vê? – Ela apontou a pedra para o garoto e a chama brilhou lilás de novo. – A pedra não reage assim com qualquer um. Procurei por vários outros garotos e garotas como você para te encontrar.

Garotos e garotas como ele?

— Você é nosso guerreiro.

Thomas hesitou, literalmente arrepiado ao ouvir aquela palavra.

— Eu? Um guerreiro? – Soava ainda mais ridículo quando ele falava. – Eu sou só um garoto normal.

— Garoto normal?

— Sim, completamente normal, com uma vida normal. – Ele disse, tentando ignorar a parte dele que dizia que algumas coisas não eram assim tão normais em sua vida.

— Acho engraçado você dizer isso. – Édna retrucou, seu sotaque ficando mais forte e pesado. Havia um sorriso em seu rosto, mas não parecia exatamente feliz. – Porque, pelo que eu vi desse mundo, a sua vida não é do tipo que eu chamaria de normal...

Thomas tinha que concordar com aquilo. Normal era um tema muito subjetivo. Mas eles não estavam discutindo sobre aquilo.

— Tem razão, mas o caso é... – Thomas voltou ao tema. – Que eu nunca fiz nada para poder me chamar de guerreiro. Eu não sei lutar, eu não sei me defender fisicamente, eu nem sequer sei jogar futebol!

Édna apenas assentiu.

— Mas pode aprender...? – Ela disse de forma tentativa. Havia um tom estranho em sua voz ao dizer aquilo.

Thomas hesitou, sentindo as bochechas se esquentarem. Se ele nem sequer conseguia dar uma cambalhota numa aula de Educação Física, imagine lutar igual aos guerreiros que assistia em seus filmes favoritos.

— Talvez...?

Édna o olhou de modo estranho, mas não chegou a falar nada. A casa rangeu alto e devagar, como um animal acordando, e Édna apertou os lábios, parecendo nervosa.

— Por favor... O Grande Reino precisa de ajuda... – Ela murmurou, quase baixo demais para ouvir. Era como se estivesse com medo. – Olha, você pode vir comigo e se realmente não for quem eu procuro... Eu te trago de volta! Eu prometo!

Thomas pensou.

Ele queria ir, queria ajudar no que fosse preciso, ele gostava de ajudar. Mas ao mesmo tempo ele queria manter os pés no chão e não fazer besteira.

Sem contar que aquilo estava acontecendo rápido demais! Se Édna existia de verdade, era melhor correr para o quarto de seus pais e avisar que uma estranha tinha invadido seu quarto.

Mas, se era um sonho...

Porque não tentar ajudar?, pensou consigo mesmo. Eu posso não ser um guerreiro na vida real, mas num sonho eu posso ser, não é?

É claro que pode.

A vozinha estava sendo legal dessa vez.

Ele suspirou, decidindo o que fazer. De repente algo caiu com um baque alto, sendo seguido por um gritinho abafado de Édna.

— Não precisa ter medo! É só a casa! – Thomas retrucou revirando os olhos.

— Tem alguma coisa nessa sua casa, Thomas. – Édna falou com seriedade. – Uma força ou algo assim...

Thomas sentiu um calafrio ao pensar naquilo

— Thomas? – O garoto quase pulou ao ouvir a voz de seu pai vindo do corredor. – Está tudo bem? O que foi isso?

— Ah, sim, pai! Foi só... – Thomas desviou os olhos para a janela que agora estava fechada. – Foi só a janela! Eu esqueci aberta e o vento fechou!

— Ah, certo... – Fabio resmungou alguma coisa que não deu para ouvir. – Então tranque essa janela e vá dormir! Já é tarde.

— Tudo bem, pai. Boa noite! – Os dois jovens ficaram em silêncio, ouvindo os passos pesados se distanciando pelo corredor até que a porta do outro quarto fechou com um som surdo. – O que foi isso sobre uma entidade?

— Eu não sei. – Édna deu de ombros. – Mas sei muito bem o que é uma casa assentando. E isso com certeza não é... – Ela se virou, focando os olhos no relógio na escrivaninha de Thomas. E quase pulou como um sapo. – Oh, Ângâm Mértap! Já são quase onze horas!

— Sim... Está bem tarde... – E por algum motivo eu continuo sem sono...?

Édna se virou para Thomas com as mãos apertadas, suplicante.

— Está sim! Por favor! Venha comigo! Agora! – E nem sequer esperou por uma resposta, simplesmente agarrou a mão do garoto e o puxou.

Thomas tentou ignorar o sentimento estranho da mão quente em seu pulso e também o estalar alto da madeira da casa, mas ele não achou forças para parar a garota. Édna habilmente abriu e pulou a janela como se já tivesse feito aquilo milhares de vezes antes.

— Você promete me trazer de volta? – Ele quis ter certeza, incomodado com a voz no fundo de sua cabeça que o mandava dar meia volta e se enfiar nas cobertas quentinhas e a outra que dizia para ir em frente. Sempre indeciso...

— Eu prometo. – Édna deu um sorriso, simples e doce.

O garoto suspirou, fazendo sinal para a garota esperar. Primeiro colocou a blusa verde, depois calçou os tênis escuros e finalmente se juntou à Édna, pulando a janela.

E, enquanto seguia Édna, ele sentia lá no fundo que estava fazendo uma coisa idiota.

Mas aquilo era um sonho afinal, que mal faria?


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Notas finais do capítulo

Curiosidade:
A principal inspiração para essa história veio de um livro infantil chamado "O Rei maluco e a Rainha mais ainda", por Fernanda Lopes de Almeida e ilustrado por Luiz Maia. Ele conta a história de Heloísa, que acompanha uma formiga para um outro mundo completamente le-lé da cuca. Eu costumo chamar o livro de "Alice no País da Maravilhas, mas versão BR", porque é praticamente isso. Ele é ainda um dos meus livros favoritos!



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