Crise de fé - Avatrice escrita por KodS


Capítulo 5
Depressão




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Yesterday I died, tomorrow is bleeding

Fall into your sunlight

The future’s open wide beyond believing

To know why hope dies

Losing what was found, a world so hollow

Suspenses in a compromise

The silence of the sound is soon to follow

Somehow sundown

 

E no quarto dia, Beatrice acordou para a escuridão mais densa e assombrosa que já havia experimentado. A falta completa de esperança e de fé. Como podia? A fé havia sido a sua vida por mais tempo do que podia se lembrar e, de repente a abandonava assim.

Era como se parte de si mesma houvesse partido. Como se estivesse morta para o resto do mundo, como se o tempo apenas passasse por ela.

Nuvens escuras e pesadas cobriam o céu do lado de fora de sua janela e a chuva criava uma cortina contra o vidro. Beatrice não teve coragem de colocar os pés no chão e sair da cama, não tinha certeza se teria coragem de fazer isso. Não depois de tudo que havia acontecido, não depois de tudo que havia perdido.

Sua cabeça ainda martelava a história de Lilith, a total ausência de algo do amigável do outro lado do portal, a forma como havia sido empurrada para fora e para longe, o local hostil e arenoso que apenas a queria fora.

E se estivesse certa? Se Reya quisesse mesmo acabar com Ava, tomar o arco dela. Jilian havia dito que não havia morte ou sofrimento do lado de lá, e era um fato que Micheal voltou, mas havia voltado como uma bomba de divinium, com a única função de morrer por um bem “maior”.

Beatrice já não acreditava em um bem maior.

Desde que entrara naquela escola de freira e depois para o convento, sua educação se pautou em sacrifício. Essa era a base da Igreja, o que havia separado o catolicismo primitivo das outras religiões da época.

Deveria sentir orgulho, Ava havia sido uma grande heroína, como Cristo antes dela, mas Beatrice não queria que a namorada fosse um novo messias. Tudo o que queria era que Ava voltasse para ela, que fosse dela apenas.

Ava havia lhe dito que escolheu o sacrifício para que Beatrice pudesse viver a dela, mas como poderia viver? Que vida havia sem Ava?

Se pudesse voltar no tempo, nunca teria dito aquelas palavras, nenhuma delas. Nunca teria dito que as coisas mudavam quando percebia que o mundo não girava ao redor dela, que estavam adiando o inevitável. Porque, agora, o mundo de Bea era Ava. Porque sempre havia sido.

 

And finding answers is forgetten

All of the questions we call home

Passing the graves of the unknown

 

Um terço antigo e pesado de madeira pendiam da cabeceira de sua cama, mas estava cansada demais de rezar.

A base de sua vida era o mistério que rodeava a sua religião. Eram questões que não precisavam de resposta, não haviam respostas. Eram justamente aquelas questões que davam sentido a tudo, que levavam as pessoas para Deus. Por isso a criação da Arca de Jillian havia sido uma heresia, por isso nunca havia buscado respostas.

Mas agora precisava de todas elas, precisava entender cada parte daquela terrível  jornada que as levou até ali. Porque Ava? 

Se fosse Lilith ela jamais teria questionado, se fosse ela mesma poderia morrer sem pensar naquela dor, sem nunca ter pensado que algo assim poderia acontecer. 

 

Reason clouds my eyes, with splendor fading

Illusions of the sunlight

A reflection of a lie keep me waiting

with love gone for so long

 

And this day’s ending is the proof of the time killing all the faith I know

Knowing that faith is all that I hold

 

Haviam passado horas desde que se virou na cama e decidiu não levantar naquela manhã chuvosa. Agora a chuva já havia parado de vez, as nuvens negras tinham aberto lugar para o sol, e mesmo assim ainda não conseguia distinguir a luz das sombras. 

Ainda se sentia presa naquela conversa com Lilith e, a cada minuto, mais acreditava que sua fé era uma ilusão. Ava não iria voltar, não havia nada nem ninguém do outro lado se importando com ela, com as outras irmãs ou com os sentimentos que tinham. Não havia nada pelo que lutar, nada pelo que morrer.

Tudo havia sido em vão.

 

And I’ve lost who I am, and I can’t understand

Why my heart is so broken rejection your love

Without, love gone wrong, lifeless words carry on

But I know all I know that the end’s beginning

 

Quando ela havia chorado pela última vez? Se lembrava das lágrimas quando contou sobre sua sexualidade para Ava, se lembrava das lágrimas quando a viu cair e daquelas que escorreram quando a Arca a levou embora e isso parecia mais constante, mais dolorido. 

Queria que já não houvessem lágrimas para chorar, mas seu travesseiro estava úmido outra vez e ela podia sentir as trilhas molhando seu caminho pelo rosto. Aquilo nunca foi ela. 

Quando se juntou a OEC, Shannon já era a irmã guerreira há algum tempo, mas isso não diminuía a morte a sua volta. Beatrice sempre teve facilidade em compreender que a vida e a morte eram partes de uma mesma coisa, dois lados de uma mesma moeda com que a qual jogavam cara e coroa a cada missão. 

Então porque agora ela se sentia tão quebrada? Por que isso era diferente?

Talvez precisasse recomeçar. Se reencontrar.

 

Who I am from the start, take me home to my heart

Let me go and I will run, I will not be silente

All this time spent in vain, wasted years, wasted gain

All is lost but hope remains and this war’s not over

 

Suzanne tinha os cabelos para fora do hábito, trançados para a lateral como usava todos os dias após depois que Ava a trouxe de volta. Aquela havia sido a primeira vez que viu a Madre Superiora descontraída, algo que se tornou mais comum.

Os tempos eram outros. 

Claro que ainda mantinha a postura rígida em frente as noviças, mas todo o amargor havia desaparecido de suas feições. 

Uma imagem de Ava e Beatrice estava emoldurada sobre a sua mesa. Uma foto que haviam mandado da Suíça para Camila, poucos dias após a Irmã Guerreira cortar os cabelos.

Bea se lembrava desse dia, como Ava e Camilla não paravam de trocar mensagens, um relatório informal sobre a instalação das duas na casa nova. Beatrice nunca viu as mensagens que trocavam, estava mais ocupada subindo escadas com caixas nas mãos, diferente das outras pessoas, não possuíam roupas ou louças, mas sim armas e tecnologia para caso de emergência. 

Quando Ava agarrou a caixa e a deixou sobre a mesa, antes de voltar para o seu lado.

— Ava!

Ela se lembrava de protestar quando sentiu os braços a envolverem pela cintura e a câmera apontada para elas.

— Sorri, Bea! — Ava pediu, cutucando a lateral de seu estômago.

Borboletas voaram até o seu peito e, por mais que quisesse brigar, seus olhos encontraram o rosto de sua melhor amiga e sorriu por instinto. Não conseguia evitar, esse era o efeito que Ava tinha sobre ela. 

Na foto, o amor que havia dentro dela, parecia transbordar por seu olhar e teve que olhar para cima para evitar as lágrimas que se prontificaram a escorrer. 

Baixou a moldura.   

Suzanne não pareceu se importar, ela apenas tocou a mão de sua pupila mais antiga naquele convento, naquela nova vida.

— Eu sinto muito, Bea! — Suzanne tentou sorrir, mas não chegou aos seus olhos. — Todos sentimos saudades dela. — Pegou a moldura e a fechou em uma gaveta ao seu lado. — O que você precisa?

 

There’s a light, there’s a sun. Taking all the shattered ones

To the place we belong and his love will conquer

 

Quatro dias. Quatro dias haviam se passado, Ava não sabia calcular quanto tempo foi no outro lado da Arca, mas sabia que seriam anos, mesmo assim, não mostrava nenhum sinal de passagem de tempo, como se o halo a tivesse protegido naquele outro espaço. 

Tudo que importava para si, era reencontrar Beatrice.

 

Who I’m from the start, take me home to my heart

Let me go and I will run, I will not be silent.


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