Antes do Imprinting (JACOB BLACK) escrita por thaisdowattpad


Capítulo 2
1x02: Desjejum.




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   Com um livro em mãos, Rory estava sentada na poltrona embutida à janela e sua mente estava distante no mundo da leitura. Ler era o único momento que acalmava sua mente sempre tão agitada, que sempre queria adiantar para o agora as coisas que eram somente para depois.

   E no momento queria adiantar algo que não poderia ter, mas ainda assim queria: pular para sua maioridade e ficar naquela casa não ser mais uma decisão de sua mãe, e sim sua própria decisão. Só que sabia que faltava bastante tempo e era justamente isso que estava despertando sua ansiedade.

   A ansiedade mexia com seu estômago e tirava qualquer sinal de fome, então até mesmo o cheiro delicioso de pizza recém assada que alcançou seu quarto vindo do andar inferior acabou perdendo qualquer encanto. Mas não era só isso que evitava sua descida para jantar com a família, como também a grande possibilidade de Arnold enfim dar as caras.

   Apesar de saber que estaria protegida de qualquer fingimento graças ao seu sarcasmo e sinceridade, achou melhor não fazer parte do teatro da família feliz e perfeita. Era outra coisa que queria adiar para dias futuros.

— Comemos muito cedo e tenho certeza de que já está faminta. Mas como você não desceu e sei que não pretendia mesmo descer, trouxe algo para você comer. — Isobel apareceu de repente, tendo uma bandeja em mãos com fatias de pizza e refrigerante.

   A mulher parecia menos chateada do que horas atrás, mas mesmo que a atitude de falar tenha vindo dela, ainda não parecia tão feliz e o rosto estava sério, bem diferente do costume.

— Estou mais cansada do que com fome. Então entre comer e dormir, eu prefiro mesmo dormir. — Rory fechou o livro e o deixou de lado, se levantando e indo tirar a toalha que estava enrolada em seu cabelo úmido.

— Coma um pouco. Meryl é uma excelente cozinheira, os temperos dela são deliciosos e a pizza dela ficou melhor do que a que geralmente compramos fora! — a mais velha insistiu e fechou a porta com o quadril, depois foi para perto de uma das mesinhas nas laterais da cama e repousou a bandeja.

— Não quero comer nada, mãe. — a Newton permaneceu com uma carranca inevitável no rosto, então estendeu a toalha no encosto da cadeira diante da penteadeira e começou a mexer em sua necessaire até encontrar uma escova de cabelo.

— Lorelai, orgulho não enche barriga! — Isobel demonstrou sua impaciência no tom de voz, mas logo em seguida se autocontrolou — Eu só não quero que você passe mal por ficar tanto tempo sem comer, não quero que fique doente. — continuou.

— Se eu ficar doente, não tem problema pois você é médica e provavelmente vai cuidar muito bem de mim. — os ombros de Rory se moveram uma vez e ela assumiu uma expressão indiferente no rosto.

— Só saio daqui quando você comer ao menos uma fatia de pizza! — a mulher continuou a insistir em tentar controlar sua paciência; foi até a cama e se acomodou a fim de esperar ser obedecida.

— Não é problema meu se vai passar a noite acordada e acabar perdendo a hora para sua entrevista de emprego amanhã! — desdenhou a adolescente, ainda de humor afetado.

— Eles marcaram entrevista em pleno sábado, então provavelmente estão ansiosos demais para minha chegada e não conseguiram esperar até segunda. Então me esperariam em caso de algum imprevisto. — gabou-se a Newton, um semblante despreocupado enquanto encarava suas cutículas — Sem falar que se eu não conseguir o emprego, não vai ter como você redecorar ao seu gosto esse quarto! — acrescentou.

— Não tem importância, não quero ficar aqui mesmo. — novamente desdenhou e ainda mexeu os ombros para cima e para baixo algumas vezes.

   Dessa vez não veio nenhuma resposta. O silêncio percorreu pelo cômodo durante todo o tempo em que a nova dona do quarto desatava os nós de seu cabelo. Enquanto isso, Isobel manteve um olhar distante e estava visivelmente pensativa.

   A adolescente aproveitou a distração para encarar de volta através do espelho. Observou o cabelo loiro de sua mãe preso em um coque desajeitado, evidenciando o rosto arredondado, o mesmo formato que Rory havia herdado. Por já haver anoitecido, os olhos da adulta ficaram mais escuros, enquanto mais cedo estava em um tom de azul tão claro que lembrava vidro. Olhos muito bonitos e chamativos, mas sendo mais uma pessoa da família que irritava Rory por não ter olhos castanhos comuns como os dela. Se parecia tanto fisicamente com a mãe, não era justo ter logo os olhos como exceção.

— Rory, eu não tenho culpa das suas mágoas antigas. Você sabe que eu fui tão atingida quanto você... A família toda foi. Ninguém tem culpa de sua rixa com o Arnold, então não machuque as pessoas erradas. Eu não moldei seu caráter dessa forma! — advertiu Isobel, agora encarando a filha com um olhar muito sério.

— A sua culpa começa quando sabe o que eu sinto e mesmo assim me obriga a estar aqui perto de quem me faz mal! — o sermão irritou Rory a ponto de fazê-la se alterar e ficar com os olhos marejados.

— Minha filha, você é muito nova para guardar tanto rancor dentro de você. Isso me preocupa bastante! — com a reação da garota, a mais velha se levantou rapidamente e se aproximou de onde ela estava.

— Se preocupa tanto, que me obrigou a estar aqui em vez de dar o meu próprio tempo para decidir quando é a hora de perdoar alguém que me magoou tanto quando eu ainda nem tinha idade para saber lidar com isso. Se preocupa tanto comigo, que está fazendo de tudo para apoiar alguém que te abandonou, em vez de me apoiar, porque eu sim sempre, sempre, estive ao seu lado! — a voz se alterou um pouco mais enquanto as lágrimas deixavam de ser apenas um acúmulo de líquido nos olhos e caíam pelas bochechas.

— Querida... — a mais velha tentou tocar na filha, mas esta se esquivou e se refugiou na cama.

   O motivo pelo qual Rory tentou ao máximo evitar cair em sua nova realidade era que ela já previa que não seria nada fácil. Já imaginava que ficaria irritada com sua família inteira, só não contava que fosse desabar tanto ao ter que entrar no "assunto Arnold" sabendo que eles agora estava sob o mesmo teto e que poderia tentar entrar em contato com ela a qualquer momento.

   Rory não queria ter aquela conversa.

   O avô deveria ter pensado em se explicar anos atrás, quando ela ainda tentava lidar com a tristeza. Desde que passou a substituir a dor pela raiva, lidava tão bem com seus sentimentos que era desesperadora a ideia de alguém tentar estragar isso.

— Vem aqui. — Isobel tocou as mãos da filha e a puxou para si à medida que também se acomodava na cama, abraçando-a mesmo sob recusas — Prometo a você que um dia vou te fazer me perdoar por estarmos aqui, porque sei o quanto dói em você. Só tenha um pouco mais de paciência e me ajude a passar por isso também, porque não está menos difícil para mim, eu também tenho minhas mágoas e a dificuldade de lidar com elas. Se lembra que somos uma pela outra e que sempre foi assim? Então preciso do seu apoio mais uma vez e juro que muito em breve vou te apoiar de volta! — prometeu, sendo completamente sincera.

— Não quero que ele tente falar comigo, então já comece o avisando disso! — Rory enfim conseguiu conter sua crise de choro para impor as suas condições.

— Como quiser, querida. — a adulta concordou e usou as mãos para tirar um pouco do excesso de lágrimas acumuladas no rosto da filha.

   Aliviada em ver que o assunto incômodo parecia ter sido finalizado, Rory abraçou a mãe novamente, que retribuiu e ainda depositou um beijo no topo da cabeça da mais nova.

— Quer que eu seco seu cabelo? — perguntou a Newton mais velha, enquanto desapertava o abraço e mexia no cabelo úmido da filha.

— Não precisa, mãe, pode ir descansar. Tem sua entrevista no Hospital amanhã cedo, não quero que corra o risco de se atrasar. — a mais nova respondeu e logo após passou as mangas do pijama para secar o rosto.

— Eu sei, mas estou um pouco nervosa, não sei se vou conseguir pregar os olhos hoje. A fama do antigo médico é tão boa que tenho medo de não estar à altura e não conseguir o emprego! — se levantou e caminhou até a penteadeira, onde deu uns tapinhas no assento da cadeira para que a filha viesse se sentar.

— A senhorita não está merecendo elogios, mas... acho que conseguirá ser ainda melhor do que ele. O hospital daqui será sortudo por te ter na equipe! — a garota demorou, mas acabou indo se sentar no lugar indicado pela mãe.

— Não passei na entrevista ainda... — Isobel deu de ombros uma vez e pegou o secador de cima da penteadeira para ligá-lo na tomada ali perto.

— Quem marca entrevista em pleno sábado? Ninguém. Então acredito que o hospital abriu exceção para te ter na equipe o mais rápido possível, antes que a concorrência saiba sobre sua disponibilidade. E pare de fingir ser modesta, dona Isobel, isso não combina com esse seu nariz em pé! — Rory se virou para encarar e riu.

— Sou a humildade em pessoa! — brincou de volta e piscou para fazer graça — Espero de verdade superar expectativas, pelo tempo que estivermos aqui. — voltou a ficar séria, seu semblante demonstrando o nervosismo e insegurança.

— Então temos prazo aqui? — esperançosa com o que achou ter entendido, a garota se virou para encarar.

— Provavelmente. — a adulta abriu um sorriso triste, mas que tratou de disfarçar antes de ser questionada — Não sei se vamos conseguir nos adaptar a tanto frio e chuva, já que vivemos tantos anos em companhia constante do sol. Mas digamos que se eu conseguir a vaga no hospital, acho que em breve vamos poder começar a procurar casas mais perto do centro... — acrescentou.

— Por que não disse logo? E deixou que eu ficasse nessa agonia toda de que eu viveria no inferno pelos próximos anos! — a caçula dos Newton reclamou e em seguida deu um pulinho da cadeira, indo em direção a bandeja de pizza — De repente minha fome até voltou! — soltou uma risadinha, antes de pegar um dos pedaços de pizza e dar algumas mordidas.

— Mas já adianto que não vai ser algo de imediato, primeiro preciso que a corretora venda nossa antiga casa e então vou usar o valor para a nova. Talvez seja rápido, talvez demore. — Isobel ocupou a cadeira da penteadeira enquanto esperava a filha terminar de lanchar.

— O importante é que aqui não é algo definitivo. Isso já me dá uma nova perspectiva em ter que viver aqui. — o sorriso animado da adolescente se manteve por alguns segundos, até reprimi-lo de repente — Mãe, sobre hoje cedo... — começou.

— Não se preocupe. Eu sei a cobrinha que eu criei, então sei que só estava tentando me tirar do sério. — parecendo com receio de acabarem entrando naquele assunto, ela riu brevemente e se virou para mexer na penteadeira.

— Foi exatamente isso, confesso. Mas de qualquer forma, me desculpa. Eu fui uma completa babaca em falar sobre alguém que nunca se importou sobre minha existência. Você é a minha única base, quem realmente importa em minha família e vou tentar valorizar mais isso, mesmo eu sendo uma cobrinha criada. — Rory se desculpou e soltou uma risadinha breve no final.

— Fico feliz de ouvir isso, meu bem. — a Newton mais velha voltou a encarar a filha e sorriu de volta.

— Com licença? — a voz de Mike foi ouvida do outro lado da porta, seguida de batidinhas tímidas.

— Entre, Mike. — apesar de não ser a dona do quarto, Isobel obviamente o convidou.

— Boa noite, tia. — o garoto cumprimentou a mais velha e depois voltou-se para a prima — Lorelai, só vim te avisar que, se você quiser, vamos sair amanhã de manhã. Parece que você deu sorte e a previsão não estará tão ruim, então eu e meus amigos combinamos uma coisa de última hora, que inclui você. — avisou.

— Qual é o plano? — as feições de Rory se tornaram mais leves após a possibilidade de passar o dia longe dali.

— Amanhã você saberá. Mas inclui roupa de banho em sua mochila e, se quiser, um Long John por precaução caso a previsão tenha nos enganado. — um sorriso misterioso se abriu nos lábios do garoto, que acabou sendo acompanhado pelas duas parentes — Boa noite, moças! — se despediu, sumindo tão rápido quanto apareceu.

・ 彡

   Rory abriu os olhos de repente e observou a escuridão que ainda envolvia seu novo quarto, provavelmente ainda estava longe do amanhecer. Ela passou as mãos pelo rosto e recolheu um punhado de suor, que a fez suspirar pelo contato com as mãos que no momento estavam frias.

   Erguendo o corpo e puxando os edredons para o lado, a Newton percebeu que o quarto também estava gelado, ou apenas não estava tão quente quanto ela estava acostumada em sua vida na Califórnia, o que não fazia sentido para o suor no rosto.

   Uma inquietação incomodou Rory minutos mais tarde, a fazendo pular para fora da cama. Ela sentiu a temperatura fria do piso mesmo através de suas grossas meias de lã, olhou de volta para a cama e não conseguiu manter o foco ali, pois sentia uma necessidade repentina de ir em direção à janela mesmo sabendo que não haveria nada para ver a não ser a escuridão dos terrenos do Haras.

   Ao se aproximar, porém, quase engasgou com a própria respiração ao ver a silhueta de alguém parado lá embaixo, mais precisamente na direção de sua janela. E devido à escuridão não foi possível identificar o rosto, o que a deixou mais inquieta ainda.

— Rory... Venha para mim. — o pedido ecoou pelo quarto.

   O chamado familiar e tão perto foi suficiente para Rory tomar um novo susto, tão maior que o de minutos atrás. O susto tirou sua visão, deixando tudo escuro de vez, até que ela percebesse que na verdade estava de olhos fechados. E ao abri-los de novo, seu quarto estava mais claro e estava de volta a sua cama, envolvida em edredons e com o rosto quente e úmido de suor outra vez.

   Passados alguns minutos da confusão de alguém que havia acabado de despertar, a Newton acabou percebendo que havia sonhado outra vez. Ouviu a mesma frase do primeiro sonho, a mesma frase enigmática dita por uma voz mais misteriosa ainda, voz de alguém ainda sem identidade para ela. Apenas o cenário estava diferente. Ela não conseguia imaginar o motivo e sabia que seria em vão tentar pensar em qualquer teoria, por mais que tivesse a mente tão fértil na maior parte do tempo.

   Enquanto apreciava o silêncio do casarão, o olhar de Rory vagou até a janela. Ela ficou algum tempo apenas observando, antes de tomar coragem e sair da cama.

   Com passos lentos e muito receio, ela foi se aproximando da janela enquanto sentia sua respiração ir se tornando mais rápida e o coração batendo acelerado no peito. A novata prendeu a respiração assim que chegou perto e ainda demorou alguns segundos antes de ter coragem de olhar para baixo.

   Até que o fez.

   Um suspiro alto de alívio escapou de sua garganta ao não encontrar nada a encarando de volta, no chão havia apenas a grama e outras plantas que enfeitavam a frente da casa.

   Outra coisa que tomou sua atenção foi um sol tímido no céu, que parecia travar uma árdua batalha contra as nuvens para ter o papel de destaque naquele dia. Rory sorriu ao ver que, pelo menos naquele instante, as nuvens cinzas e a chuva não estavam levando a melhor.

   Animada e ansiosa ao se lembrar do passeio com Mike, ao mesmo tempo que tendo um turbilhão de pensamentos com temas distintos, a Newton percebeu que mesmo sendo tão cedo, voltar para a cama seria perda de tempo, não conseguiria mais dormir. Então optou por começar os preparativos para seu dia.

・ 彡

   Além de ler livros, outro passatempo que Rory considerava seu refúgio sempre que estava ansiosa e inquieta era ir para a cozinha e passar horas preparando refeições. Sempre conseguia se distrair durante os preparativos, com todo o cuidado para colocar a quantidade exata dos ingredientes para a receita sair impecável.

   Conforme a prática, havia conquistado o direito de se gabar por ser ótima na cozinha. E justamente por ser ótima e estar ansiosa, Meryl poderia ter algum descanso ao não precisar preparar o café da manhã, pois sua hóspede já havia posto a mesa e preparado todas as refeições típicas do desjejum.

   Enquanto cookies, sua última receita, assavam em seus minutos finais no forno, Rory estava sentada na mesa lendo um jornal do dia anterior e bebendo uma enorme xícara de chocolate quente. As notícias velhas para os moradores antigos eram novas para a recém-chegada. Uma das notícias que atraiu sua atenção foi a menção do nome de Arnold Newton como um dos maiores patrocinadores da festividade de aniversário da cidade.

— Mas é claro que ele precisava ser bajulado! — a Newton comentou sozinha, a expressão tornando-se irritada enquanto jogava o jornal de lado.

   O ranger do piso de madeira a fez olhar imediatamente para a porta para ver quem estava chegando, aproveitando também para apoiar a xícara de volta na mesa.

   Levando em consideração que havia bagunçado tanto a cozinha, temeu pela chegada de Meryl. Por mais que fosse limpar depois de terminar de cozinhar, ainda assim o cenário estava horrível o suficiente para assustar a dona da casa. Tinha medo de não reagir bem a uma possível chamada de atenção e acabar iniciando uma discussão, pois se conhecia o suficiente para saber que sua maior dificuldade era segurar a língua mesmo nas vezes em que estava errada.

   Passados alguns minutos, começou a suspeitar que permaneceria sozinha ali, ninguém havia se revelado. Ou apenas estava paralisado no mesmo lugar em estado de choque ao ver tanta bagunça.

— Meryl? — sugeriu e se levantou, caminhando até a entrada do local, onde não obteve resposta assim como também não encontrou ninguém.

   Barulhos de passos continuaram a ser ouvidos não muito longe dali, o que atraiu a curiosidade da garota. Ela seguiu os ruídos com passos apressados, até chegar de frente à escadaria e encontrar quase chegando ao topo um homem grisalho se movendo com auxílio de uma bengala.

   O reconhecimento acabou fazendo Rory prender a respiração de forma involuntária. Sentiu que suas pernas estavam moles demais para conseguir se mover do lugar e foi obrigada a enfrentar aquela possibilidade, mas não sem deixar de rezar o tempo inteiro para que ele não olhasse para trás.

   E Deus pareceu ouvir e atende-la de imediato, já que o anfitrião desapareceu sem nem cogitar olhar para trás. Ou ele apenas sabia que não deveria encarar de volta.

   Recuperada do susto, Rory enfim conseguiu se mexer e voltou para a cozinha para se acalmar terminando seus cookies e limpando a bagunça.

・ 彡

   Em passos sem pressa alguma, Rory seguia carregando uma cesta pesada em direção à cerca que separava o quintal em frente à casa e o campo mais próximo, enquanto aproveitava a lentidão para observar melhor os arredores. Haviam algumas árvores tradicionais de um lado e de outro, além de arbustos em formatos idênticos e a grama perfeitamente aparada.

   Mas observar a decoração era apenas um pretexto para não voltar tão rápido para dentro de casa. Ainda estava nervosa pela possibilidade de uma nova aparição de Arnold, levando em consideração que fora ela, ele era o único que estava acordado na casa.

   Enquanto chegava mais perto da cerca, seu olhar analisava dois garotos iniciando algum trabalho típico com cavalos. Um deles evitava ao máximo encarar, enquanto o segundo retribuía os olhares e tinha uma expressão curiosa em seu rosto, seus lábios parecendo relutar para não sorrir. Não ainda.

   Assim como Meryl, os dois garotos tinham traços nativos. O cabelo de ambos era preto e curto, os olhos escuros, assim como pareciam possuir os mesmos músculos longos e arredondados sob a mesma pele moreno-avermelhada.

   O sol, apesar de estar surgindo entre as nuvens, ainda não era quente o suficiente para fazer algum sentido os dois estarem livres de agasalhos, suas vestimentas se resumindo a camisetas, bermudas e galochas. Isso causou curiosidade na novata, mas ela resolveu não começar sua apresentação despejando um monte de questionamentos.

— Bom dia, garotos, eu sou... — Rory começou a se apresentar, mas foi interrompida.

— Lorelai, a neta do velho Newton. É, nós sabemos. — o garoto que aparentava ser o mais velho respondeu, uma expressão séria que parecia combinar com seu rosto.

— Rory. — o corrigiu, mas não deu tanta atenção ao próprio incômodo — Eu estava nervosa e acabei cozinhando setenta por cento da despensa e geladeira da Meryl. Como tem poucas pessoas na casa, acho que vai sobrar tanta coisa. Então eu separei algumas para vocês. — assentiu em direção a cesta pesada que relutava para não derrubar.

— Aceito. Esse cheiro delicioso estava mesmo torturando meu estômago! — o garoto de expressões mais gentis tomou a atitude de passar rapidamente por cima da cerca para chegar perto da novata e livrá-la do peso.

— Já tomamos café da manhã antes de virmos para cá e temos bastante trabalho, então não. Mas obrigada. — negou o garoto mais sério, cortando a empolgação do amigo e depois virando-se para continuar seu afazer.

— Ah, pode parando, Paul, você estava salivando tanto quanto eu! — o outro tentou atraí-lo de volta — Se não vai aceitar, eu vou. Apenas porque duvido muito que uma menininha seja tão boa na cozinha. Aposto que foi a Meryl que preparou tudo e você quer tomar os créditos para si! — alfinetou em tom de brincadeira e ergueu a tampa da cesta para espiar.

— Acho bom que aceite mesmo, pois depois de ter duvidado do meu potencial eu ia ter que te obrigar a comer nem que fosse amarrado. E mais, quando Meryl aparecer, faço questão de confirmar os meus méritos! — arqueou um pouco o queixo em uma pose exibida e em seguida acabou soltando uma risadinha — Bom, eu vou indo. Bon Appétit! — acenou em despedida e se virou.

— Aí, você não vai querer ver minha reação ao experimentar tudo isso? Como vai saber se tem mesmo algum mérito? — a pergunta de Jared fez a garota voltar a encará-lo — Nós temos um refeitório. — abriu um pequeno sorriso em expectativa.

— Jared, você sabe que tem muito trabalho e hoje vamos sair mais cedo, então pare de arrumar pretextos para enrolar! — resmungou o garoto de nome Paul.

— Aceito! — mesmo ainda sem vontade de conhecer o Haras, a Newton aceitou simplesmente porque não se sentiu bem pela forma irritada que Paul a encarava sem ao menos conhece-la, então resolveu dar motivos para o desgosto até então grátis.

— Vamos então! — Jared pareceu entender as intenções dela e riu discretamente enquanto começava a caminhar.

   Antes de seguir o garoto, Rory ainda acenou para o outro em claro tom de deboche e logo em seguida focou sua atenção em observar os detalhes do lugar pelo caminho.

   Os dois retornaram parte do percurso que o carro de Dexter fez no dia anterior, mas dessa vez indo para a direção dos cavalos em vez da casa ou da saída da propriedade. Rory virou o rosto brevemente e notou que uma parte do terreno destinada aos cavalos possuía cercados para deixar os animais separados, como se eles precisassem ser apreciados um de cada vez, enquanto se fossem misturados não seria possível.

— O que vocês fazem por aqui? — a novata perguntou e usou isso como pretexto para focar toda sua atenção no garoto e ignorar o fato de estar cada vez mais perto do animal que mais tinha pavor.

— Aqui é um lugar de criação, reprodução e venda de cavalos. Mas não é só comércio, como também lazer. Vem pessoas de Forks inteira ou cidades vizinhas para ter contato com os cavalos, cavalgar um pouco, praticar hipismo... — Jared usou a mão livre para apontar ao redor conforme ele descrevia.

— E qual sua função aqui? — perguntou a Newton, dando continuidade em sua ideia em tentar driblar a fobia.

— Um faz tudo. — ele soltou uma risadinha ao responder — Paul e eu somos só auxiliares do Harry Clearwater, é ele um dos principais da equipe que mantém esse lugar, ele entende muito de raças e cuidados com os cavalos. — acrescentou.

   Ao acabarem o caminho de cercados, eles viraram para a esquerda e a textura do chão mudou de grama e terra para concreto, que levava a um enorme galpão que Rory não soube do que se tratava, mas teve que descobrir seguindo o recém-conhecido.

   Jared caminhou na frente e entrou por uma porta larga, com Rory em seu encalço e a todo momento com o olhar atento ao lugar que estava sendo levada. Parecia desconfiada e insegura, principalmente por ser um território desconhecido.

— Rory? — a voz de Meryl surgiu repleta de surpresa e atraiu o olhar dos dois adolescentes.

— Meryl, de onde você surgiu? Achei que eu fosse a única acordada na casa. — a novata não conseguiu disfarçar a surpresa.

— Eu costumo madrugar por aqui, então provavelmente quando saí você ainda estava dormindo. — a anfitriã respondeu — E você, o que faz por aqui tão cedo? — sorriu ao devolver uma pergunta e parou ao lado de Jared, trocando olhares breves entre ele e a cesta.

— Bom... digamos que eu cozinhei grande parte da sua dispensa e vim dividir meu exagero com outras pessoas. — mesmo sentindo o rosto queimar um pouco por confessar seu crime, a Newton foi sincera.

— Diz aí, Meryl, foi você que fez tudo isso e combinou de fingir com ela só para começar o relacionamento com a neta com o pé direito, não é? — Jared puxou uma brincadeira e teve que se desvencilhar para não tomar uns tapas da mais velha.

— Palhaço! — ela resmungou, mas acabou rindo — Juro, não tenho nada a ver com isso, o mérito é totalmente da Rory! — acrescentou.

— Veremos se tem mérito mesmo, não é? Topa um segundo café da manhã, Meryl? — o garoto convidou a patroa.

— Agradeço o convite, querido, mas vou ter de recusar. Eu vou chegar mais cedo a casa da Sue para ajudá-la nos preparativos para o aniversário do Seth. — Meryl recusou gentilmente.

— Te vejo lá então. — o garoto falou em tom de despedida e voltou-se para a garota que o acompanhava — Vamos logo ao refeitório, porque estou morrendo de fome. De novo. — riu da própria esfomeação.

— Vão lá. Só não demore muito, Jared, porque depois o Paul fica chiando a semana inteira. — ela riu ao relembrar o humor afetado do outro garoto.

— Com a fome que eu estou, não pretendo demorar. — Jared assentiu e começou a caminhar para mais adentro do galpão.

   Apenas quando parou de prestar atenção na conversa entre Meryl e Jared, que Rory se deu conta de que na verdade aquele galpão se tratava de um estábulo, um lugar onde os cavalos ficavam resguardados durante a noite. A ideia de estar pisando em terreno inimigo fez com que a garota se apressasse para andar mais perto de Jared, em uma tentativa inútil em diminuir seu pânico.

   O alívio da Newton aconteceu quando os dois passaram por uma segunda porta e foram para outro cômodo, uma espécie de pátio não tão grande, mas suficiente para duas mesas grandes. Era possível ver dali uma outra porta que provavelmente se tratava da cozinha.

— Percebi que seu amigo é bombadinho. Ele me odeia porque convidei ele para colocar em risco o tanquinho, não é? — enquanto se acomodava em um espaço dos bancos que ladeavam as mesas, Rory puxou assunto.

— Paul não te odeia, ele é apenas... difícil. Não se preocupe, não é algo pessoal contra você. — explicou e colocou a cesta em cima da mesa — A propósito, sou Jared Cameron! — se apresentou oficialmente apesar de seu nome já ter sido mencionado tantas vezes nos últimos minutos.

— Então você é o Jared... — a garota sorriu enquanto passava a ajudá-lo a retirar os recipientes que guardavam as refeições — Ouvi seu nome ontem quando cheguei. — relembrou.

— O próprio. Eu só não te cumprimentei também porque você demorou para sair, que eu estava achando que o carro estava vazio pois você tinha fugido no meio do caminho! — confirmou e se acomodou no lugar a frente da garota, só então começando a atacar o desjejum que ela preparou.

— Bem que eu queria... — uma expressão chateada surgiu no rosto de Rory — Eu sempre vivi na Califórnia. Minhas únicas mudanças sempre foram dentro da Califórnia, de uma cidade para outra e apenas duas vezes. Mas sempre vivi na Califórnia. É estranho vir para um lugar tão diferente e tão de repente. E sinceramente, eu não queria estar aqui. — desabafou e apontou o dedo indicador para a mesa.

— Nossa, é ótimo saber que não queria estar aqui... comigo. — Jared fez graça também apontando para mesa e ainda fingindo estar ofendido.

— Não, eu não queria mesmo. — ela confirmou, mas acabou rindo.

   O assunto dos dois adolescentes deu uma pausa quando a atenção deles se voltou para a porta, por onde Paul adentrou com sua aparente típica expressão de poucos amigos.

— Pode se sentar e coma o que quiser. — Rory convidou o recém chegado e apontou para um lugar vago qualquer.

   Mas o garoto pareceu fazer questão em fingir que ninguém havia falado com ele, simplesmente sumiu pela porta da cozinha para voltar segundos depois mordiscando uma maçã.

— Não sabe o que está perdendo! — provocou Jared, começando a encher seu prato.

— Que cheiro delicioso! — uma voz masculina cortou o silêncio e fez os dois garotos saltar de susto.

   Daquela vez quem apareceu foi um homem com traços semelhantes ao de Jared, Paul e Meryl, com o diferencial de ter fios brancos apesar de não parecer ser tão velho. Ele não era tão alto e tinha algum peso a mais.

— Bom dia, Harry. Já estávamos voltando ao trabalho agora mesmo. — apesar de ninguém ter questionado, Paul se explicou e ousou se aproximar de Jared para obrigá-lo a se levantar mesmo sob protesto.

— Relaxem, seus bobões. Não vim até aqui cobrar nada, só vim porque um passarinho me contou que temos uma adorável visita. — o adulto falou de forma mais firme e íntima com os dois conhecidos, indo logo depois para perto da única feminina — Você deve ser Rory Newton, certo? — supôs.

— Certíssimo. E o senhor é o Harry Clearwater ou meu chute foi bem errôneo? — a Newton devolveu a pergunta e abriu seu sorriso mais simpático ao ouvir ser tratada pelo apelido, em vez de pelo nome que não gostava muito.

— Pode me tratar por você. Eu ainda tenho um filho adolescente, não sou tão velho quanto Arnold! — o adulto puxou uma brincadeira e quase fez Jared engasgar com o suco que estava bebendo no momento.

— Eu ouvi isso, seu paspalho! — o próprio Arnold Newton apareceu no refeitório e cutucou a nuca do outro adulto com uma bengala.

   Com a chegada repentina, Rory se assustou e logo em seguida congelou seu olhar no copo de suco que Jared havia servido para ela alguns segundos atrás. Tentava ignorar a realidade à sua volta enquanto se lembrava mentalmente de respirar, pois tudo o que não queria era apagar do nada, isso seria uma fraqueza humilhante para demonstrar diante daquele homem que ela tanto detestava.

— Que ótimo, só assim não fico conhecido por falar pelas costas! — Harry rebateu, se desviou da bengala e não conseguiu evitar uma risada — Que bom que finalmente saiu da cama, meu amigo! — pausou a brincadeira para demonstrar algum alívio sincero.

— Bom dia, senhor Newton. Como vai? — Paul se moveu para levantar da mesa outra vez, enquanto arrastava o amigo para fazer o mesmo.

— Na mesma. — o adulto respondeu de forma amargurada — E podem continuar o que estavam fazendo, sabem que não ligo. Vocês são da família, de certa forma! — usou a mão livre para dar um tapinha no ar.

— Se você me puxar outra vez, vai sentir o gosto do meu punho, só não garanto que esteja tão saboroso quanto o desjejum que a Rory preparou! — Jared ameaçou o amigo e voltou a se acomodar à mesa.

— E como foram as coisas na escola essa semana? — perguntou o velho Newton, agora referindo-se aos dois garotos.

— Hoje é sábado, não me faça falar sobre a escola! — o mesmo garoto protestou.

— Não se esqueçam: tenham boas notas ou ficarão em casa estudando até melhorá-las. Sabem que eu priorizo a educação antes do trabalho de vocês, que é impecável. — o adulto falou, um tom mais sério ao mesmo tempo que amigável, era mais conselho do que bronca.

   Farta por aquela irritante tentativa do homem em fingir que não havia nada fora do lugar no refeitório, Rory se levantou rápido e se apressou para a porta, sem avisos ou despedidas às pessoas que havia acabado de conhecer e não tinham culpa de seus problemas familiares.

   Nem mesmo deu atenção a sua fobia ao passar pelo estábulo sozinha, mesmo com vários cavalos a espiando. Simplesmente se apressou em sair logo dali e chegar a casa, para se trancar no quarto e só sair quando Mike viesse buscá-la.

   Enquanto caminhava, uma distância suficiente para já estar perto do caminho que levava ao casarão, ela abriu sua mão direita devagar e ficou encarando o sangue na palma. Haviam pequenos ferimentos em uma linha horizontal, linha do tamanho exato de quatro unhas.

   Quando Arnold apareceu, Rory havia apertado tanto sua mão que as unhas haviam machucado a pele. Se machucar havia sido sua distração para permanecer sentada e evitar um confronto direto. Ela se concentrava na dor e começava a se esquecer da enorme vontade em gritar com o parente até perder a voz.

— Rory? — Jared a alcançou extremamente rápido, agora tendo no rosto uma expressão séria que não combinava em nada com seus traços faciais mais leves.

   Apesar de ouvir seu nome e encarar brevemente, Rory voltou a desviar o olhar e optou por não responder. Em vez disso, cobriu o ferimento com um pedaço de sua camiseta e fez uma caretinha quando a sensibilidade incomodou. Ela foi apertando e afastando o tecido diversas vezes para conferir se o sangue se estancava, mas notou estar demorando muito mais do que imaginava que iria demorar.

— Não vai parar de sangrar se você ficar o tempo inteiro espiando! — a voz de Paul tão próxima às costas da garota a fez se assustar, pois ela não esperava que ele fosse aparecer também.

— E você se importa com isso? Achei que você só se importava em bajular o Arnold! — foi totalmente ríspida, em seguida se apressou de volta ao seu caminho.

— Posso te ajudar? — o outro garoto demonstrou sua preocupação.

— Eu me viro! — novamente Rory não foi muito gentil.

   Sem se importar em não ter tratado tão bem quem havia sido gentil com ela desde o primeiro momento, a Newton se virou e praticamente começou a correr de volta para casa. Se preocuparia em conversar com Jared em uma outra ocasião, quando não estivesse afetada por Arnold e não quisesse brigar com a primeira pessoa que aparecesse simplesmente para extravasar suas frustrações. 


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Notas finais do capítulo

⎯⎯⎯⎯NOTAS

⋮ ➤ Sobre o conflito da Rory com o Arnold, já adianto que não tem nada "criminal" no meio. Ela só odeia o avô e no decorrer da história vai explicar o motivo disso.



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