La Belle Anglaise escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 38
37. Apenas Sejamos Felizes.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808522/chapter/38

12 de dezembro de 1791, Bristol

No Mausoléu Tudor-Habsburg, rodeado de estandartes e brasões, esses representando Niedersieg, Ehreschöne, Bristol, os Tudor-Habsburg e os Howard, o caixão da marquesa Elizabeth foi colocado em seu local de descanso final, um sarcófago de calcário, e o bispo de Bristol começou a abençoar a "jornada da marquesa viúva ao plano celestial". O príncipe e a marquesa, lado a lado, observavam o túmulo com o mais calmo e sério silêncio.

De forma alguma Wilhelm lembrava do dia em que a princesa Louise morreu, assim como também não lembrava como foi a reação do príncipe Carl. Tudo que ele sabia havia sido dito por outras pessoas, por terceiros, as lembranças do príncipe foram moldadas conforme as lembranças de outros, porém as consequências daquele dia jamais seriam esquecidas.

Quase 20 anos de sofrimento e abusos não poderiam ser facilmente esquecidos, todas as ofensas e acusações do "beberão" nunca seriam apagadas. Por um tempo, enquanto ainda tinha inocência, Wilhelm até tentou tratar o pai com respeito e submissão, até que ele se cansou e começou a responder. Wilhelm tornou-se o filho rebelde. Mas era impressionante que, mesmo com os anos passando, a sombra da princesa Louise apenas ficava maior e mais aterrorizante.

Aquela morte tornou-se mais um motivo de tortura, que um símbolo de amor e salvação. Houve um momento, na única vez que ele visitou o túmulo da mãe em Roskilde, que Wilhelm perdeu as forças e realmente perguntou: por que ela não deixou ele morrer naquele lago?

A efígie de mármore da marquesa Elizabeth foi colocado em cima do sarcófago, fazendo Wilhelm despertar de seus próprios pensamentos. Estava consumado, Alfred e Elizabeth descansariam juntos pela eternidade.

—... e junto com Cristo, o marquês e a marquesa reinarão sobre os Céus.— O bispo proferiu suas últimas palavras e o silêncio tomou conta da câmara.

Nesse momento, Katherine estava se despedindo da mãe pela última vez, em silêncio e puro sofrimento interno, enquanto isso, os outros presentes deixavam o mausoléu. Permanecendo ao lado da esposa, Wilhelm analisou os outros sarcófagos: William e Catherine, Anne e Frederik, e agora Alfred e Elizabeth... ah, tinha também o de Katherine e Wilhelm, já estava concluído há anos, apenas esperando os donos... Tudo nesse lugar parecia exaltar a morte! Tudo aqui lembrava dela, mesmo não sendo nada igual a Roskilde!

Essas coisas estavam começando a perturbá-lo! Não demorando muito, porém, Katherine avisou que eles já iriam embora, o príncipe quase suspirou aliviados, mas ele apenas assentiu, tentando não deixar nada aparente.

— Nunca imaginei que voltaria tão cedo assim a Bristol, a esse mausoléu, para ser mais específica.— Logo, porém, Wilhelm descobriu que não seria um momento de alívio. Na carruagem, Katherine começou a falar e fitou ele, esperando uma resposta.— Pergunto-me como está indo a preparação das terras para o meu palácio? Geralmente...

— Por favor, Katherine, fique em silêncio.— Preferindo nem mesmo encará-la, Wilhelm pediu, ele tentou, mas não conseguiu evitar a aflição na voz. O olhar dela ficou preocupado.— Eu não estou no melhor momento para...

— Eu também não estou, Wilhelm, tenha certeza disso, mas é necessário, muito necessário.— Sofrer de graça era necessário? O príncipe negou. Katherine viu isso e, naturalmente, ficou irritada.— Mamãe, e também papai, não gostaria que eu caísse na depressão do luto. Então não irei, nós não iremos.

Quando Katherine iria entender que ele não queria falar!? Ela não conseguia perceber como a morte era perturbadora!? Perdendo sua paciência, o príncipe encarou aflitamente a esposa, que suavizou a expressão, mas não o suficiente para evitar.

— Entendo plenamente como era grande o amor que você sentia pela sua mãe, eu mesmo amava muito a minha, mas não quero tocar nessa ferida.— Apesar de tentar, mesmo fazendo força, foi impossível não mostrar sofrimento e desespero. A marquesa o encarou assustada, mas calou-se.— Obrigado, não vamos mais tocar nesse assunto, nunca.

Pelo menos esse era o maior desejo de Wilhelm. Em todo caso, no momento ele precisava se acalmar, a morte de alguém próximo nunca era agradável, mas no caso dele sempre era pior ainda. Todas aquelas vezes que o príncipe Carl colocou a culpa em Wilhelm, foi injusto! Rachou sozinho, ele não tinha culpa... foi ela que decidiu assim, não ele! Fechando os olhos, o príncipe tentou não pensar nessas coisas.

— Wilhelm! Wilhelm!? Você está acordado, Wilhelm?— Porém parecia ser impossível esquecer. Abrindo os olhos, o príncipe fitou a marquesa.— Estamos chegando em Bristol House.

Era apenas isso? Que seja então. A carruagem deles logo passou pelos portões da propriedade e foi recebida pelos guardas germânicos, que, em fila, se curvaram simbolicamente a marquesa. Um sinal tanto de luto, quanto de respeito, afinal, não era sempre que ela estava em Bristol House, o quartel-general da Guarda Germânica.

— Tanto cerimonialismo, tanta devoção. Será que a Guarda do Príncipe também seria assim?— Wilhelm negou e tirou os olhos da janela. Pensar em Niedersieg seria... um bem mínimo.

Niedersieg fez o imenso prazer de desiludir Wilhelm. Os niedersiegers não mostraram interesse algum pelas reformas dele no início do ano passado, era como se nada tivesse mudado, pelo menos para a maioria das pessoas. Houve quem aplaudisse, assim como as gráficas e jornais aumentaram... mas o bem do príncipe foi desconsiderado. Wilhelm não criou reformas para receber elogios, de fato, mas... Ela também não o salvou para ser celebrada.

— Eu poderia lhe fazer uma pergunta, Wilhelm? Uma muito franca e sincera?— Esquecendo esse desprazer, Wilhelm fitou Katherine e assentiu, qualquer coisa seria melhor que isso.— Como você superou a morte da sua mãe?

Para Wilhelm, o mundo praticamente parou com essa pergunta. As pupilas dele dilataram e ele teve que fazer muito esforço afim de continuar a encará-la. O príncipe negou com a cabeça e sorriu.

— Eu nunca superei, esse é o grande segredo.— Saiu quase como um sussurro, um débil sussurro. Katherine o encarou de volta com horror, mas antes que ela pudesse falar, a carruagem parou.— Vou descansar em meus aposentos.

Foi praticamente uma fuga e sim, apenas os covardes fogem da luta, mas como ter coragem quando se passou a vida inteira fugindo? Wilhelm apenas queria a proteção do seu quarto, proteção contra todos aqueles traumas terríveis. Porém dessa vez não seria assim, atrás de Wilhelm vinha Katherine, completamente disposta a saber o que tanto perturbava o marido. O príncipe entrou no quarto e fechou a porta.

Havia nele a esperança de alguma paz, mas quando ele havia cruzado a antecâmara do quarto, a marquesa também entrou, inflexível em desistir. Wilhelm parou em seu lugar.

— O que você quis dizer com aquilo na carruagem? E estou me referindo a tudo aquilo!— Ainda de costas, Wilhelm olhou para a esposa, negou e voltou a andar.— Por que todo esse segredo? É sua mãe? Diga-me o que tanto lhe aflige, Wilhelm! Diga-me como a princesa Louise morreu!

— Eu não quero falar sobre isso, Katherine, entenda, por favor!— Voltando a fitá-lá, o príncipe falou. A marquesa negou. Quanto mais essa tortura iria continuar!?— Por que você não me deixa em paz!? A minha mãe é um assunto delicado!

— Delicado? Isso não é delicado, todas as vezes que tocamos nesse assunto você parece... parece ter tido o pior dos traumas.— Mais olhe, como ela adivinhou? Wilhelm riu irônico. Suavizando o rosto, Katherine aproximou-se e pegou uma mão dele.— Por favor, compartilhe comigo os seus pesares. Somos dois confidentes, Wilhelm.

— Não.— A doçura no rosto dela acabou, Katherine virou o rosto. Foi doloroso? Possivelmente sim, mas seria muito mais doloroso para ele.

Os dois ficaram em silêncio, completamente imersos na própria dor que sentiam. Até que Wilhelm sentiu o apeto de Katherine em sua mão aumentar, ele a encarou e percebeu... certeza?

— Ordeno que você me diga o que aconteceu.— Ordena? Os olhos dele encheram-se de escárnio.— Diga, como sua princesa eu estou mandando!

— Minha princesa? Isso de forma alguma lhe coloca acima de mim.— Wilhelm riu irônico e negou, quanto orgulho. Porém, ela continuava a encará-lo.— Se você faz tanta questão: Eu matei a minha mãe! Feliz? Eu matei a minha mãe!

Os olhos de Katherine arregalaram em susto e ela deu alguns passos para trás, negando.

*****

19 de dezembro de 1758, Palácio de Hirschholm

Esse final de 1758 estava sendo especialmente frio, terrivelmente frio para ser mais exato. Havia caído muita neve, muito mais do que os dinamarqueses estavam acostumados a ver, existia quem defendesse a ideia de que esse inverno iria prejudicar de alguma forma o povo, mas a aristocracia e nobreza não dava tanta importância para isso.

Aproveitando a neve, e também que era o segundo aniversário de Wilhelm, a princesa Louise decidiu levar toda a família, excluindo a pequena Caroline, claro, para brincar nos arredores de Hirschholm, mais especificamente no lago que rodeava o palácio. As crianças naturalmente ficaram muito animados, um sentimento que não era compartilhado pelo príncipe Carl.

— Recentemente você esteve doente, Louise, não seria prudente ficar brincando por aí na neve como...— Se fosse uma criança? Encarando o marido, a princesa sorriu e negou, deixando o príncipe ainda mais preocupado.— Sabe que não quero nada de ruim lhe acontecendo, você é o centro da minha existência.

— Então faça as minhas vontades sem reclamar.— Ela tentou soar mais engraçada, mas apenas fez ele franzir o cenho preocupado.— Eu estou bem, Carl, foi apenas um resfriado comum, nada a se preocupar. E Vilhelm está muito feliz, você sabe como ele ama brincar com a neve.

— Você e essa sua vontade de sempre fazer as vontades dos nossos filhos.— Sorrindo calmamente, o príncipe negou, mas ainda era uma repreensão.— Não podemos sempre deixá-los felizes, em algum momento eles terão que descobrir a frustração.

— Certamente, mas esse momento ainda não chegou, tenha certeza disso.— Não conseguindo evitar, a princesa respondeu irritada. O príncipe negou com escárnio.— Hoje é o aniversário de Vilhelm, vamos tentar não estragar esse dia, por favor?

O silêncio foi a única resposta do príncipe Carl, toda essa falta de prudência e amor excessivo que ela tinha pelas crianças irritava ele, parecia até que Louise estaria disposta a morrer por um filho. Ao mesmo tempo, a princesa ficava cansada com toda essa preocupação que o marido tinha, as vezes... ela tinha a sensação que as crianças eram quase negligenciadas pelo pai. De qualquer forma, foi impossível impedir as brincadeiras no gelo.

Não perdendo muito tempo, Christian e a pequena Louise colocaram os patins e foram patinar no lago, muito diferente do príncipe Carl, que preferiu ficar no "sólido" observando a diversão. A princesa também iria patinar com os filhos, até que ela percebeu Wilhelm sentado sozinho na borda, observando alegremente os irmãos brincando.

— A brincadeira deles parece tão divertida, Mutti.— Percebendo que a mãe havia se aproximado, Wilhelm comentou tristemente.— Eu também queria brincar.

— E por que não brinca? Tenho certeza que seus irmãos iriam adorar a sua companhia.— Ele assentiu, mas continuou sentado. Inclinando a cabeça, Louise olhou para o filho e depois para o lago. Talvez o problema não fosse a falta de companhia, mas sim quem era a companhia.— Esse lago é tão grande, não é, Vilhelm? Eu também iria adorar ter alguém para patinar comigo.

— Iria? Então vamos juntos!— Que sugestão mais maravilhosa! Rindo alegremente, a princesa pegou a mão do filho e o levou.

Inicialmente, a princesa e Wilhelm não se distanciaram muito da borda, preferindo ficar perto de Christian e da pequena Louise, mas pouco a pouco eles foram ficando mais e mais distantes da borda, uma ação que nem eles, e muito menos os outros, perceberam.

— Veja, Vilhelm, estamos quase no meio do lago, que tal patinarmos aqui?— Talvez ela estivesse sendo inconsequente, o gelo poderia ceder, mas ver os olhos de Wilhelm brilharem de alegria valia a pena.— Será muito divertido! Já está sendo, na verdade!

— Sim, Mutti! Vamos ao centro!— As risadas de Wilhelm eram cheias de alegria e diversão, parecia o melhor aniversário.

Realmente, no início foi muito divertido, eles estavam patinando onde ninguém tinha coragem de patinar, mas essa alegria teve seu preço. Muito distraída com o filho, Louise não viu uma irregularidade no gelo e acabou por cair junto de Wilhelm ao passar por cima, cada um deslizando para o lado oposto. Um rachadura começou a se formar envolta deles, mas ambos estavam muito ocupados rindo para prestar atenção.

— Oh, Vilhelm, nunca me diverti tanto na vida!— Ainda rindo, a princesa tentou levantar, mas acabou caindo... as rachaduras aumentaram.— Como sou desastrada, assim...

— O que são essas linhas no gelo, Mutti?— Linhas? Parando de rir, ela observou... os olhos da princesa arregalaram, o gelo estava rachando.— Mutti? Eu estou...

— Não faça ou fale nada, Vilhelm, apenas fique parado e calmo. É apenas um contratempo.— E um muito ruim. O menino ficou calado, embora com medo. Louise levantou calmamente e virou para trás, buscando ajuda.— Carl! Carl, venha aqui! Venha rápido, é o gelo!

— Eu não entendo, Mutti, as linhas estão aumentando! O gelo...— Continuava a rachar! Wilhelm continuava sentado, mas o medo estava tomando conta dele.— Mutti!

— Carl! Venha logo, Carl!— Dessa fez o príncipe escutou e, percebendo a situação, correu em direção a esposa. Por um momento a princesa ficou aliviada, mas bastou ela olhar para o filho e ver o desespero dele.— Por favor, Vilhelm, não chore, nós iremos...

Um pequeno pedaço do gelo desprendeu-se e afundou na água, foi bem perto de Wilhelm. Assim ele iria acabar caindo e... Perdendo completamente a calma, a princesa correu em direção ao filho o pegou nos braços e correu para longe das rachaduras. Porém, por causa de todo esse peso, o gelo começou a cair e logo a água começou a aparecer. Louise correu com todo o seu esforço, ao mesmo tempo que fazia o máximo para não deslizar, cair e deixar a situação ainda pior.

A morte nunca esteve tão perto, Louise conseguia senti-la respirar em seu pescoço e era frio, frio como as águas desse lago.

O desespero que a princesa sentia era imenso, ela corria em direção a Carl, e ele corria em direção a ela, mas nunca chegavam perto, cada passo dela era como pisar em água. Wilhelm começou a chorar, apenas deixando Louise ainda mais desesperada. Sem mais saber o que fazer, a princesa parou e empurrou o filho no gelo o mais longe que pôde, na esperanças de salvá-lo. Foi apenas isso, e o gelo quebrou abaixo de Louise, fazendo ela cair na água.

— Louise!— Foi a única coisa que o príncipe Carl conseguiu dizer antes da esposa sumir nas águas. O gelo parou de quebrar e um terrível silêncio tomou conta do lago. Ele encarou as águas com pavor, até que gritou:— Não, não... NÃO! Louise! Apareça, meu amor!

O príncipe Carl estava terrivelmente desesperado, ele se abaixou com cuidado e observou onde ela havia caído, mas nada da princesa. Louise recentemente tinha ficado resfriada, mas ainda não estava totalmente boa. Não aguentando mais, o príncipe pulou na água e foi procurar a esposa. Foram três minutos, três angustiantes minutos, para que ele voltasse a superfície, trazendo consigo a desacordada princesa.

— Oh, por Cristo! Meu príncipe, a princesa... ela...— A condessa Frederikke veio correndo em direção ao príncipe, trazendo as crianças consigo, mas rapidamente o horror tomou conta dela.

— Louise! Louise, meu amor, acorde! Por favor, meu amor, não me deixe! Eu preciso de você para viver!— A princesa ainda estava viva, ainda era possível sentir, mas ela não acordava.— Chame um médico, condessa! Envie mensageiros a capital, agora!

Não, definitivamente não! Ele não iria perdê-la. A princesa Louise era a vida do príncipe, a razão do seu viver... ela não poderia morrer... caso isso acontecesse, haveria apenas um culpado...

— Por que a Mutti não acorda, Vater?— O culpado seria apenas um... Wilhelm.

Respirando fortemente, o príncipe Carl encarou o filho mais novo. Assustado, Wilhelm andou para trás.

— EU MATO VOCÊ, DEMÔNIO!— Faltou apenas o príncipe Carl pular em cima do filho, mas isso não aconteceu.

Essa foi a primeira vez que Wilhelm realmente sentiu medo do pai, assim como o momento em que a vida daquelas cinco almas em Hirschholm tornou-se um inferno... o pior dos infernos.

*****

Em silêncio, um recente silêncio, Katherine e Wilhelm sentavam lado a lado na cama, mas, apesar dessa proximidade, eles não trocavam olhar algum. Ambos estavam refletindo as coisas que acabaram de ser ditas. Finalmente Katherine descobriu como a princesa Louise havia morrido, quais os traumas de Wilhelm... agora tanta coisa fazia sentido.

— E então, o que você achou da minha "história de vida", Katherine? Triste, não?— Era de fazer sentir pena. Mas... essa forma como Wilhelm falou foi tão... depreciativa. Ela encarou o príncipe, que sorriu desdenhoso.— E agora? Você vai me condenar ou tentar consolar?

— Eu não saberia como lhe consolar, Wilhelm... eu não posso fazer isso.— Essas perguntas pareciam até ofensas. Ele, porém, riu irônico e, deitando na cama, cobriu a cabeça com um travesseiro.— Quanto ao condenar, por que eu faria uma coisa dessas? Você era apenas uma criança e foi um acidente, um impossível de prever.

— Sua misericórdia é um alívio, minha marquesa.— Dessa vez foi a princesa que negou, toda essa autopiedade era desagradável. Katherine iria falar, mas Wilhelm falou antes:— Você deve estar cansada de saber que não gosto desse assunto. Odeio sentir pena de mim mesmo, e odeio mais ainda sentir raiva.

Calada, Katherine observou o marido deitado. Ela tinha pena dele, a mais pura pena, como alguém conseguia viver tantos anos com todos esses fantasmas? Era terrivelmente triste. Como ajudar? Essa era a dúvida dela, o que falar? A princesa queria fazer algo, ajudá-lo, mas como?

— Foi injusto o seu pai ter lhe culpado, mas... você sente alguma culpa, Wilhelm?— Essa pergunta foi um erro! Lentamente o príncipe tirou o travesseiro do rosto e a encarou ofendido. Katherine mordeu os lábios e tentou remediar:— Não foi exatamente isso que eu quis dizer, mas sim que...

— Eu entendi muito bem a sua pergunta, Katherine, e posso afirmar com certeza que não sou um tolo, não nutro nenhum sentimento de culpa!— A resposta dele não o suficiente para tirar a preocupação de Katherine, principalmente quando Wilhelm virou o rosto.— Não existe um culpado nessa história, ou melhor, existe sim, um culpado por todo o meu sofrimento! Pelo peso e ofensas! Foi aquele... aquele... argh!

Existia uma grande fúria dentro de Wilhelm, o passado estava começando a fazer efeito e ele não queria isso. O príncipe tentou novamente esconder o rosto com um travesseiro, mas Katherine agarrou o braço dele, o impedindo. Os dois se encararam.

— Não guarde toda essa raiva apenas para si mesmo, Wilhelm, fale tudo que você sente.— O olhar de Katherine era pacífico, e sua voz calma, enquanto havia tanto medo em Wilhelm.— Não guarde! Não sofra mais sozinho!

— Odeio ele, Katherine! Odeio aquele monstro com todas as minhas forças! Eu queria...— Ela encarou Wilhelm com expectativa, pronta para escutá-lo, mas foram lágrimas que ele começou a derramar.— Odeio tanto meu pai que... ele deveria ter morrido naquele dia, não ela!

Essas lágrimas... tão cheias de emoção e desespero... levando suas mãos até o rosto do príncipe, Katherine começou a acariciá-lo. Ela nunca tinha visto Wilhelm chorando, nunca ele mostrou tantas emoções. Não aguentando mais, a princesa agarrou o marido em um forte abraço, deixando ele chorar a vontade no ombro dela. Eles poderiam ficar assim pela eternidade, ou pelo menos até as lágrimas dele acabarem, o que não mostrava sinais de acontecer.

Fechando os olhos e suspirando, Katherine começou a acariciar o cabelo de Wilhelm. Parecia que os papéis haviam sido trocados, agora ela que consolava ele, mas dificilmente isso poderia ser algo bom, significava sofrimento afinal. Logo o silêncio começou a tomar de conta, a medida que as lágrimas dele começaram a diminuir. Wilhelm estava lembrando quem era.

— Chore o quanto desejar, reprimir apenas fará mal.— Percebendo que ele começou a fungar, a princesa apertou o abraçando, fechando os olhos em contentamento. Ter Wilhelm em paz era maravilhoso.— Estou do seu lado, meine liebe, lhe consolando. Chore.

— Mas eu já chorei tanto, e por mais tantos motivos! Dor, saudade... chorei ao pensar que... teria sido melhor eu nem mesmo ter nascido!— Afastando-se dela, Wilhelm sussurrou. Os olhos dele estavam tão vermelhos. A princesa acariciou a bochecha do marido.— Eu cansei de chorar, Katherine! Cansei de tudo isso! Diga-me: como esquecer o passado!? Não quero mais lembrar e sofrer!

Essa pergunta era tão... fatalmente irônica, ambos sofriam com o mesmo mal. Rindo debilmente, Katherine negou. Por um momento ela hesitou em responder, mas não havia porquê.

— Francamente, eu não sei como, Wilhelm... não sei.— Era tão difícil aceitar, mas não havia outra forma. Respirando fundo, ela tomou forças para continuar:— Teremos que viver com essas lembranças para sempre, elas eternamente farão parte de nós.

— Eu tinha medo que você dissesse isso.— Porém, ao invés de lamentar, ele sorriu tristemente e brincou. Katherine sorriu da mesma forma.— Sofreremos para sempre. Talvez isso que seja o inferno na terra.

— Talvez sim, ou talvez não, isso é impossível de saber. A certeza é apenas uma: todos temos de suportar alguma dor.— Umas eram pequenas, outras muito grandes. Fechando dolorosamente os olhos, Katherine suspirou e voltou a encará-lo.— Você tem a sua mãe, enquanto eu... sofro pelos meus filhos e... Bravandale.

— Mas nenhum de nós teve culpa, nem eu e muito menos você. Somos dois inocentes que sofrem como culpados.— Sofrer assim parecia tão natural quanto respirar. Wilhelm estava certo, porém.— E o dumm apenas ganhou o que merecia, nunca fiquei tão feliz por uma morte.

Rir dos mortos poderia parecer frio, porém ambos riram agradavelmente, não necessariamente de Bravandale, mas sim das palavras de Wilhelm. Foi maravilhoso, voltar a sorrir não tinha preço. Quando as risadas acabaram, o príncipe e Katherine se encararam fixamente.

— Não vamos mais falar dele, Wilhelm, nunca mais.— A lembrança de Bravandale deveria ficar enterrada, igual a ele mesmo e seu diário. O príncipe assentiu para essa sugestão.— Então, o faremos, já que somos tão cheios de fantasmas?

— Eu estava esperando que você dissesse o que faríamos, minha princesa.— Sorrindo mais amplamente, Wilhelm respondeu e deitou na cama, ainda a fitando.

Minha princesa? Katherine riu levemente e negou, contadas eram as vezes que ele a chamou assim, mas nunca antes havia sido com tanta doçura.

— Iremos ser felizes ao máximo que pudermos, vamos nos divertir e esperar o dia em que todas essas lembranças ficarão menores.— Parecia ser tão simples, mas ao mesmo tempo tão difícil. O príncipe e a princesa sorriram um para o outro.— Vamos distrair a nossa mente. Simplesmente sejamos felizes.

— Parece lógico para mim.— Claro que ele iria aceitar. O príncipe sorriu, apoiou a cabeça no braço e fechou os olhos, apenas para em seguida...— Você não vem, Katherine?

Ela estava apenas esperando o pedido. Sorrindo feliz, a princesa deitou-se ao lado do marido e apoiou a cabeça no ombro dele. Era de momentos assim que eles deveriam encher a cabeça... apenas eles, como dois amantes e namorados, as crianças teriam seus próprios momentos. E assim Katherine e Wilhelm permaneceram por muito tempo.

Entretanto, essa proximidade não significava o fim dos problemas, ou melhor, de um problema em específico: a Revolução Francesa. A última década do século havia iniciado, Katherine e Wilhelm não sabiam, mas os pilares que sustentavam a Europa iriam estremecer por causa dessa década... e eles estariam no meio de tudo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Inicialmente esse capítulo teria um título muito mais depressivo, mas eu decidi mudar, ou toda a história de La Belle Anglaise iria parecer depressiva, mas do que realmente é.

* Eu gostaria de lembrar que simplesmente fazer novas lembranças não ė necessariamente a melhor forma de esquecer o traumas, creio eu que eles nunca poderão ser esquecidos, por isso é necessário conversar e procurar uma ajuda psicológica, mas nesse momento, no final do século XVIII, a psicologia não servia para esse tipo de coisa.

* Então está comprovado que eu pesei a mão aqui, La Belle Anglaise tem os piores tipos de desgraças acontecendo, mas espero que isso agrade os meus leitores.

* Agora faltam apenas mais dois capítulos para o fim, eu tive que agilizar as coisas nessa semana e talvez tenha que fazer o mesma na próxima. Se La Belle Anglaise fosse uma novela, a semana que vem seria a última semana, mas com o penúltimo capítulo sendo na segunda-feira. Sendo assim, até lá.

* La Belle Anglaise no Pinterest: https://pin.it/2ol2dbo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "La Belle Anglaise" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.