Parceiro escrita por elda


Capítulo 1
único




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Fazia frio e era noite de lua cheia, mas preferimos ficar na rua e observar as tias limpando peixe do turno noturno.

Fedia demais e, ainda assim, sentávamos nos degraus de uma dessas casas, que não sei se posso chamar de fábricas por parecer um negócio pequeno, mas também não sei se posso chamar de peixaria por parecer um negócio grande.

Não havia nenhum homem e nenhum jovem. Elas passavam pra lá e pra cá carregando caixas de isopor, às vezes tínhamos que sair do lugar para elas passarem e seguirem na casa ao lado. Pediam "por favor" quando ficávamos desatentos e não nos chutavam ou nos xingavam como seria se fosse um de nós dois encarando um empecilho no caminho.

Tias sempre são legais, aposto que se eu pedisse, elas dividiriam o lanche conosco. Elas até falavam se não estava muito frio para ficarmos no sereno.

Sanji estava um degrau abaixo do meu e segurava um cigarro enquanto olhava em nada específico. Já eu achava pela primeira vez que o cheiro do tabaco era melhor que o do ambiente.

— Ei, marimo... por que insistimos em ficarmos aqui?

Eu pensei por que talvez aquele era o nosso lugar; eu podre que nem peixe e Sanji dividindo comida.

— Quer ir pra outro lugar?

— Ah, deixa... esse cheiro combina com você.

Ri, sabendo que Sanji na verdade queria dizer que eu era uma alga por ter um cabelo verde e que por isso cheirava a maresia. E quanto a eu, me referia no sentido de ter ficado preso num reformatório até mais cedo. Um lugar tão podre quanto tripas de peixes.

— As tias parecem você.

— É?! — Ele deu um sorriso, deveria gostar delas tanto quanto eu. — Por quê?

— Tenho a impressão que elas dividem comida.

Sanji riu e resolveu se sentar no mesmo degrau que o meu, ficando bem ao meu lado.

— Eu trabalhei num restaurante enquanto tu tava no reformatório, tinha um velho desgraçado que só me mandava limpar peixe.

— Sério?! — Fiquei surpreso por ele ter trabalhado. — Por que não me disse quando me visitava?

— Ah... minha função era algo meio vergonhoso...

— E isso importa quando você vai conversar com um delinquente?

Sanji riu, mas passou a tossir por ter tragado na mesma hora que me ouviu.

— Olha, marimo. — Ele deu um pigarro e tocou meu ombro, mirando os olhos para o lado do porto. — Quer ver o mar?

Eu disse que sim e deixamos as tias para trás.

— É muito normal limpar peixe, quando a nossa cidade é marítima.

— Marimo... — Sanji respondeu ao meu lado, estávamos apoiados no parapeito do porto e quase não víamos nada por estar escuro, além de ser muito alto. Mal víamos as rochas na margem. — Acho melhor você tirar sarro de mim do que me mostrar de que está tudo bem eu ter trabalhado com isso.

Não consegui conter uma risada, Sanji ao meu lado começou a tossir e eu parei. Dessa vez ele não havia rido, embora fumasse.

— É o cigarro?

— Acho que é esse vento marítimo... talvez ficar nas tias seja melhor...

Não sei por que, mas fiquei preocupado de ser algo grave.

— Ei, marimo, não me olhe assim... é só o vento e eu não trouxe um cachecol.

De fato, o vento estava forte a ponto de fazê-lo ficar de contra ao mar para poder continuar a fumar. Seus cabelos loiros passaram a esvoaçar na sua cara e eu ri.

— Ei, sobrancelhas, enquanto estive no reformatório... alguns de nós pegávamos escondidos cigarros dos vigilantes... na verdade, tinham uns até que davam desde que recebessem algo em troca...

— Você tá querendo me dizer que deu o cu para fumar?

— Eu não fumo, sobrancelhas.

— Por que tá me dizendo isso, então?

Sanji parecia enfurecido com o vento e os cabelos cobrindo sua cara, ele queria fumar a qualquer custo.

— O que eu quero dizer é que me ofereceram um... e foi mais de uma vez, mas recusei todos.

— É um bom menino.

Tinha um deboche na voz dele, mas eu até que gostava dependendo do meu humor. E naquela noite eu estava de bom humor.

— Não terminei a história ainda, quero dizer que se alguém me oferecesse um cigarro, gostaria que esse alguém fosse você.

Por mais que fumasse, Sanji nunca me ofereceu um cigarro para fumar, nem mesmo forçou para que eu me tornasse um fumante e eu só soube o motivo disso naquele instante quando vi um semblante triste dominar sua face; ele não queria me ver viciado nisso e ele sabia que a partir daquele momento faria certo pedido.

— Posso fumar um?

Eu perguntei, enquanto recostava o meu dorso no parapeito, também ficando contra o vento. Meus três brincos de ouro balançavam tanto a ponto de baterem na minha bochecha.

 Sanji buscou no seu sobretudo o maço e me ofereceu, eu puxei um cigarro e ele se aproximou de mim para acendê-lo enquanto fazia uma concha com as mãos.

Eu tossi e ele riu, me mostrou como tragar e na terceira tentativa já conseguia fumar.

— Obrigado por ter continuado a ser meu amigo, sobrancelhas.

Ele foi o único que me visitou no reformatório e também a única pessoa que me buscou de lá mais cedo.

— De nada.

— Por quê? — Perguntei depois de refletir algo.

— Ham? Não entendi?

— Porque continuou comigo?

— Ham... — Ele coçou a cabeça meio confuso. — Acho que é algo biológico...

— Não entendi.

— Como posso dizer... ham... tipo, eu acho que se você matasse alguém, eu ainda estaria do seu lado, sabe?

Eu pisquei os olhos e me toquei em como nós dois estávamos diferentes naquela noite, eu poderia estar naquele momento zoando o trabalho que Sanji teve e xingando o cheiro de seu cigarro...

Ele poderia ter me deixado e eu entenderia... sou muito implicante, não?

Não me aguentei e comecei a rir, ele fez um bico e tomou o cigarro da minha mão, alegando que aquilo não ficava bem em mim.


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