Convencida de que não haveria outro jeito de vencer os obstáculos da adaptação, Lay'ti acordou disposta a enfrentar as lições de frente, estando na companhia dos Sullys na tarefa de montar os ilus dessa vez. Treinando mais tempo que ela, até mesmo Tuk já estava se saindo bem melhor nisso, mas Lay'ti não deixou se intimidar. Usou esse fato como um motivador, se todos conseguem, sendo Omaticaya de nascimento, ela também conseguiria.

—É como cavalgar os pa'li, certo? - ela perguntou a Neteyam, que estava do lado dela o tempo todo.

—Na teoria, sim, mas na prática é um pouco diferente - ele comentou sinceramente - é só relaxar e se concentrar, eu sei que você consegue.

—Está bem, vamos nessa - ela assentiu, determinada, tentando ignorar a apreensão.

Montou no animal que aparentemente era muito dócil, e então fez a ligação lentamente. Pediu que o ilu a conduzisse devagar, mas não adiantou muita coisa, era como se ele entendesse o completo oposto. Saiu em disparada submerso, a arrastando de forma abrupta, de modo que não teve tempo de ela prender o fôlego, sentindo a água encher seus pulmões, ela tentou se livrar da ligação, mas não conseguia.

Observando-a o tempo todo durante o processo, Neteyam percebeu rapidamente que as coisas tinham dado errado e mergulhou para socorrer Lay'ti, ele desfez a ligação entre ela e o ilu e a puxou para a superfície, segurando-a por baixo dos seus braços. Antes que ficasse ainda mais preocupado, ela começou a tossir, cuspindo muito água, recuperando o fôlego, o encarando com olhos arregalados, completamente apavorada. Não restou muito a Neteyam além de abraçá-la, um gesto de conforto, mostrando que o perigo já tinha passado e ela estava bem agora. O momento tinha sido tão tenso que ninguém ousou rir.

—Você está bem, Lay'ti? Eu sinto muito - Tsireya se aproximou, claramente preocupada.

—Não foi culpa sua, foi toda minha - ela respondeu ainda com a voz entrecortada, ainda envolta por Neteyam - eu não segurei o fôlego antes de mergulhar, erro de principiante, eu acho.

—Podemos tentar mais tarde - sua instrutora recomendou.

—Talvez amanhã - Lay'ti resolveu - eu quero voltar pra casa agora, se não se importar.

—Claro, tudo bem - Tsireya concordou e Neteyam acompanhou Lay'ti.

Ele deixou que ela se sentasse em silêncio, dando o tempo necessário para se recuperar.

—Eu fiz o maior papel de boba - murmurou ela, sem olhar para ele.

—Não, foi melhor que a gente, sério - ele tentou confortá-la, também sendo sincero - ao menos respeitaram você e não riram de você igual fizeram com a gente, eles podem ser uns belos idiotas.

—Eu sei, mas não a Tsireya - Lay'ti ao menos conseguiu esboçar um sorriso discreto - talvez foi justamente esperar o desprezo deles que me fez ficar nervosa, é como se eu não quisesse errar na frente deles porque eles já acham que não conseguimos fazer nada.

—Ah Lay'ti... pensar assim não ajuda em nada - Neteyam se aproximou, oferecendo um braço ao redor dos ombros dela, estranhamente, o gesto de conforto fez a moça estremecer, não se lembrava de muitos momentos em que estavam tão próximos, mas dadas as circunstâncias, todo apoio era bem vindo - você ao menos tem que tentar, e ter paciência com você, respeitar seu próprio tempo.

—Você parece seu pai falando assim - ela comentou, conseguindo olhar para ele novamente.

—Ele me disse algo assim quando comecei a aprender a caçar - Neteyam se lembrou - foi um conselho útil, espero que seja pra você também.

—Acho que sim, eu quero mesmo tentar de novo amanhã - ela assentiu, buscando novas forças para continuar - muito obrigada por estar me ajudando, você é sempre muito gentil.

O elogio pegou Neteyam de surpresa, sem ter muito o que pensar no momento como resposta.

—Obrigado - foi o que ele murmurou de volta, só então notando o quanto estavam próximos, sentindo o constrangimento por isso.

Ele se afastou dela lentamente, nervoso pelo que tinha acabado de fazer.

—Eu vou atrás do Lo'ak agora, ver se ele não está aprontando nada - ele inventou uma desculpa esfarrapada que podia ser bem convincente, já que ele tinha que fazer isso o tempo todo - tem certeza que vai ficar bem aqui sozinha?

—Tenho, eu vou me ocupar com alguma coisa, não se preocupa - ela assentiu, tendo certeza do que dizia - a gente se vê mais tarde.

—Está bem - ele concordou e então saiu.

Lay'ti apenas suspirou fundo, tentando entender o que tinha acabado de acontecer, porque de repente tinha se sentido tão constrangida com a mera proximidade de Neteyam, a quem ela conhecia desde sempre. Deixando isso para lá, ela pegou um cesto e resolveu andar pela costa, observando o que podia encontrar de novo por ali, talvez descobrir bons temperos nas algas do recife.

Ela fez a tarefa por um tempo, sozinha, apenas com o olhar curioso de alguns Metakayina sobre ela. Era difícil passarem despercebidos por ali, afinal, eram novatos e completamente diferentes. Lay'ti tentou ignorar e continuou caminhando, coletando algumas plantas à beira da praia, coisas que chamavam sua atenção e que ela perguntaria a Tsireya mais tarde se serviam pra alguma coisa ou não. Tirando-a de sua concentração, havia uma figura familiar à frente. Antes que a cumprimentasse, Kiri veio ao encontro dela, correndo de forma saltitante, uma mistura de empolgação e preocupação.

—Como é que você está? - ela perguntou a Lay'ti - eu soube do que aconteceu, você quase se afogou?

—Não, não foi bem assim, quer dizer, acho que sim, mas não cheguei muito perto de me afogar - ela explicou melhor a situação - eu fiquei nervosa, com medo da água, de repente, mas estou bem agora, estou pronta pra tentar de novo amanhã.

—Que bom, eu sei que pode ser muito chato no começo, mas eu estou gostando daqui, não sei, pelo menos de estar na água, tirando o fato de que ficam olhando pra gente o tempo todo e Aonung e os outros não perdem a oportunidade de nos irritar - Kiri citou, perdendo a paciência - mas desculpa, eu não queria te chatear mais.

—Eu sei, eu entendo, tem uma coisa que você pode fazer pra me ajudar, tenho certeza que você vai gostar disso - Lay''ti compreendia a boa vontade dela - olha só o que tenho aqui.

Ao mostrar sua cesta, Kiri olhou com o entusiasmo que Lay'ti esperava que ela demonstraria.

—Você tá coletando? Isso é incrível, nós podemos tecer uma cesta nova com o que você tem aí - sugeriu a menina Sully.

—Tecer? Eu pensei em testar numa receita nova - explicou a outra.

—Ah não, você não vai querer usar isso aqui pra cozinhar - Kiri acabou rindo, de um jeito inocente e doce, sem malícia, o que deixou a noiva de seu irmão contente, esquecendo dos problemas por um tempo.

—Por que não? - Lay'ti queria entender, respondendo no mesmo tom de bom humor.

—Porque isso aqui tem um gosto horrível, Tsireya me contou que usam mais pra tecer e não pra cozinhar - Kiri esclareceu.

—Bom, sendo assim, vamos seguir com o seu plano, usar um colar feito com os materiais daqui pode me fazer me sentir mais Metkayina talvez - Lay'ti resolveu a situação, aproveitando a companhia de sua amiga.

—Esse é o espírito! - Kiri pôs uma mão no ombro dela, a motivando.

Lay'ti sorriu, grata por contar com a amizade dela também, continuando sua atividade de distração.