Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 58
Capítulo LVIII




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Betina terminou o desenho do último dos símbolos, recebendo do avô um lenço para limpar os dedos enquanto a obsidiana brilhava e se apagava em seguida. Inácio deixou o recipiente com o preparado abandonado por ali, para o próximo que quisesse usar. 

Ela observou a sequência de nomes: Isabella Tremonti, Samuel Tremonti, Edgar Tremonti e o mais recente, Saul Tremonti. Os três murmuraram juntos as palavras habituais:

Terra Mater, redire unus de filiis tuis et deducet te ad domum tuam

Deu-se um minuto inteiro de silêncio, onde nada aconteceu. Restava somente a esperança de que a alma descansasse onde quer que fosse o pós-vida reservado pela Mãe. Betina sinceramente esperava que fosse algo bom, mesmo que Saul tivesse errado muito em vida. E que Isabella finalmente tivesse o descanso e a paz merecidos depois de tantos anos em uma existência atormentada. 

Tibério tocou o ombro da neta, quebrando a sua contemplação. Os três partiram em silêncio para cima, restando a Inácio guiar o caminho de volta com a tocha em mãos, conhecendo aquele labirinto de corredores melhor do que eles. 

Do lado de fora, foram abraçados pelo vento frio e pelo sol gentil. Inácio devolveu a tocha para onde pertencia, ao lado da enorme porta de obsidiana, fazendo parelha com a outra. A construção era idêntica à de Tantris, que Betina e Tibério visitaram durante o funeral de Brigite e Bernardo Salazarte. Quem diria que estariam em um lugar como aquele apenas meses depois, mesmo que a quilômetros de distância...

Inácio voltou-se para eles e fez um sinal com a cabeça, indicando que iriam se retirar. Nenhum deles ousou dizer uma palavra enquanto não atravessaram os portões que se fecharam sozinhos às suas costas. Solenidades precisavam ser mantidas.

O sol já brilhava forte, talvez já depois do meio-dia. Fosse pelo horário, pela distância ― de ter de se deslocar do sul para o norte ― ou por não ter nenhum laço de proximidade com o falecido, ninguém além dos três havia comparecido. Betina supunha que Inácio apenas estava presente por educação e compaixão, além de ter uma função importante para o clã. Fosse o que fosse, o funeral foi como precisava ser: discreto. 

― Eu sinto muito pelo que aconteceu ― Inácio disse para a viúva, sendo o primeiro a quebrar o silêncio. A verdade que ele não dissera era que não havia como aquilo terminar de outra forma. Saul seria morto pelo que fez, pois não havia defesa alguma. O que ninguém esperava, porém, era que fosse terminar daquela forma. Gusmão recebeu somente um murmúrio de agradecimento. ― Reuni um pequeno grupo de bruxos que se voluntariou a ajudar a senhora na limpeza da energia sombria no terreno, teria alguma sugestão de como...

― Infelizmente isso não será mais responsabilidade minha, Inácio ― a Sra. Tremonti o interrompeu. Seu braço estava enganchado no do avô, que caminhava em um incomum silêncio. ― Natanael, um primo de Saul, é o herdeiro da propriedade e deverá chegar dentro dos próximos dias, já mandei uma carta relatando a ele o que aconteceu. Deverá falar com ele sobre isso.

Inácio virou o rosto na direção dela, erguendo as sobrancelhas em surpresa. 

― Isso significa que a senhora planeja deixar Mempolis? ― Gusmão questionou. 

Eles alcançaram o ponto em que as carruagens estavam estacionadas, os cocheiros de ambos em uma conversa amigável. Pararam ali, enquanto os dois retornavam para seus postos. 

― Não está nos meus planos de agora ― ela respondeu, devolvendo-lhe um sorriso. O avô soltou-se dela para abrir a porta da carruagem. ― Muito obrigada pela ajuda e por ter comparecido hoje. 

Ele respondeu com outro sorriso amigável e puderam trocar despedidas cordiais, junto de desejos de que ficassem bem e de mandar lembranças para Margarida. Betina foi ajudada a subir no veículo e Tibério despediu-se de Gusmão, juntando-se a ela em menos de dois minutos. Para sua surpresa, ele não entabulou uma longa conversa, mantendo-se somente no que a situação demandava. 

A porta foi fechada e a carruagem dos Tremonti começou a se mover, sendo seguida um pouco depois pela dos Gusmão. Seria uma longa viagem até o sul de Mempolis. 

― Você deveria deixar essa cidade o quanto antes, Tina ― Tibério opinou, finalmente quebrando o silêncio. ― Não há mais nada para você aqui e em Tantris você terá sua família para ajudá-la a se curar. 

Ela soltou um suspiro, os dedos apertando o tecido preto do vestido recém-tingido no dia anterior, assim como algumas de suas vestes. O dia anterior fora todo gasto em preparação para o funeral, não sobrando tempo para se preocupar com outros assuntos. Feito o que precisava ser feito, a vida voltava ao que era. 

― Não vou deixar o senhor sozinho, não importa o que aconteça ― ela retrucou, com mais firmeza do que esperava. ― Natanael ainda pode nos deixar ficar por algum tempo. 

― E eu ainda tenho uma filha que pode me receber em Laquis ― ele contra-argumentou, um sorriso sutil se formando. ― Sua tia Ifigênia pode ter se esquecido de nós, mas ela ainda é uma dos Salazarte, basta recordá-la disso. 

― O senhor não seria bem-vindo lá. 

Se Ifigênia sequer se deslocara de sua casa para comparecer ao funeral da cunhada e do sobrinho — Laquis nem era assim tão distante de Tantris — e ainda demorara um bom tempo para responder ao pedido do próprio pai por abrigo, dizendo que poderiam fazer um arranjo para que ele ficasse lá por algum tempo, ela estaria mesmo disposta a recebê-lo? Poderia até fazê-lo, mas certamente não de boa vontade. 

Heitor, o segundo filho de Tibério, partira para entrar no exército e sabe-se lá onde estava, tendo cortado contato com a família, logo, não restava mais ninguém para ajudá-lo, além dela. 

― E você não pode continuar sozinha nessa cidade que não te quer ― ele jogou os fatos na cara dela sem um pingo de suavidade. Betina ergueu os olhos para o teto da carruagem, soltando um longo suspiro. Teimosia certamente era uma característica marcante na família. ― Volte para casa, Tina. Volte para quem te ama e que estará disposto a cuidar de você. ― Ele tomou as mãos dela entre as dele, trazendo a atenção novamente para seu rosto. Parecia mais exausto do que quando aquilo começara. ― Você passou a vida cuidando de outras pessoas, por que não pode permitir que façam isso por você ao menos uma vez? 

― Nós podemos passar por isso ― ela afirmou, sem a mesma firmeza de antes. Aquilo era apenas um consolo vazio que usava para si. Poderia passar por isso, sempre poderia. ― E há a possibilidade de que as coisas comecem a mudar daqui em diante, algumas pessoas podem se mostrar mais receptivas, depois do que aconteceu...

― E algum deles a conheceria tão bem como sua própria família? 

― Passaríamos a ter mais companhia. 

Ela continuava rebatendo, seus argumentos enfraquecendo um após o outro.  

― Companhia pode não ser a única coisa que você precise nos próximos meses, minha querida ― ele fitou-a, o sorriso tendo desaparecido. Levou uma das mãos dela entre as suas e depositou um beijo nos nós dos dedos. ― Permita-se ser cuidada, Tina. Se não por si mesma, ao menos por sua filha, sim? ― Ela ficou em silêncio, encarando o tecido preto do vestido. ― Há alguém que precisa de você mais do que eu, e você não poderá fazer nada por ela se o seu único refúgio for um quarto escuro, não é mesmo? ― Ele devolveu a mão dela para onde estava, dando dois tapinhas carinhosos. 

A carruagem ainda chacoalhava bastante no caminho pedregoso que tinham pela frente. Seriam longas quatro horas até finalmente chegarem em casa. 

 

 

Betina diminuiu o passo para entrar pela porta da frente, acompanhando o andar do avô. 

— Acreditei que eu teria de ir aos lobisomens ou aos vampiros em busca de ajuda para o que estava acontecendo, Tina — Tibério continuava em seu relato dos dois dias que passara fora da fazenda, de alguma forma ainda encontrando pormenores para narrar. Betina sentia as costas doerem depois da viagem de volta para casa e uma vontade de somente deitar-se e dormir. — Improvável, eu sei, mas o desespero estava me tirando o bom senso… 

Eles entraram e enquanto se encaminhavam juntos pelo hall direto para as escadas, uma criada veio se aproximando, a voz de Tibério já podendo ser ouvida por quem estivesse em casa.

— O Sr. Leônidas Salazarte chegou de viagem há algumas horas — ela informou, fazendo a patroa estranhar a ausência do "doutor" para se referirem ao seu pai —, levamos os pertences para um dos quartos de hóspedes e ele os aguarda na sala de visitas. 

— Que momento para chegar! — Tibério exclamou e partiu direto para o cômodo citado. 

— Obrigada, meu bem — Betina agradeceu junto de um sorriso e apressou os passos para seguir o avô. 

Ela conseguiu alcançá-lo e chegaram ao cômodo juntos, a porta escancarada. Leônidas estava sentado no sofá da minúscula sala de visitas, uma bandeja posta com chá e bolo sobre a mesa de centro e ele calmamente terminando de comer o pedaço que se servira. 

— Pai! — ela exclamou, se adiantando e interrompendo qualquer coisa que o avô planejasse dizer. 

O médico no mesmo momento voltou os olhos para a porta e se pôs de pé, deixando o prato sobre a bandeja. Betina cruzou a pouca distância que os separava e no mesmo instante foi envolvida em um abraço que quase lhe comprimiu as costelas. Sequer se lembrava de quando fora a última vez que o pai lhe abraçara daquela forma.

Tibério ficou parado na entrada, assistindo em silêncio ao reencontro. O momento durou mais do que o habitual, mas Betina não reclamaria, sentindo falta de mais uma presença familiar em sua vida. E não podia negar que precisava daquilo. Sentiu vontade de chorar. 

— Como você está? — ele questionou, finalmente se separando dela. 

— Estamos bem — ela respondeu, um largo sorriso se formando de forma involuntária ao falar com o pai, contudo, foi sumindo aos poucos ao notar como ele parecia mais magro e visivelmente abatido. 

— Sua filha e sua neta estão bem, mas não graças aos bruxos medíocres dessa cidade — Tibério completou no lugar dela, movendo-se do ponto que escolhera como seu posto de observação para o momento. Entrou na sala lentamente, no entanto, os alcançou em poucos passos. — Como vocês estão em Tantris? 

Em meio ao questionamento, ele envolveu o filho em um abraço, que durou bem menos do que o anterior.

— Matias retornou há pouco mais de um mês e estamos voltando aos eixos — o médico respondeu sucinto e Betina gesticulou para o sofá, pedindo de forma muda para que voltassem a ocupar os assentos. Tibério continuou parado, estreitando os olhos na direção do filho e parecendo querer transmitir alguma mensagem, ou mais especificamente uma reclamação, a julgar pela expressão. — O que aconteceu? Parti logo ao receber a mensagem, estava preocupado com o que poderia ter acontecido aos dois. 

— O que aconteceu, Leônidas — o Sr. Salazarte destacou o nome do filho, como se realmente estivesse passando um sermão. Parou atrás da mesa, as mãos em frente ao corpo —, é que o calhorda que você escolheu como marido para sua filha mantinha a própria irmã, ressuscitada por um feitiço necromante, presa nesta fazenda. 

Leônidas não expressou nenhuma grande reação, devolvendo o olhar carregado para Tibério. Betina estranhou e aproximou-se do assento que ele ocupava, enganchando o braço dele no seu. 

— Ele não tinha como saber sobre o que Saul estava fazendo, vô — ela partiu em defesa do pai —, a única pessoa de fato culpada por algo é Saul. 

Tibério e Leônidas se encararam por longos segundos, parecendo continuar um diálogo mudo entre os olhares carregados, e o de Tibério quase faiscava. Betina podia imaginar a raiva do avô e como ele estava se contendo para não dizer tudo o que pensava na frente dela. Mas não era como se seu pai tivesse culpa pelo que aconteceu. 

― Irei contar a ela. ― Leônidas pareceu trazer a conversa entre os dois para o mundo das palavras ditas. ― Matias e as garotas sabem e ela também precisa saber. Não quero que Betina descubra por meio de outra pessoa.

O Sr. Salazarte suspirou e veio ocupar o lugar vago ao lado da neta, balançando a cabeça.

― Pelo visto as coisas não estão tão boas em Tantris como você queria dar a entender, hm? Eu sei que você não abriria a boca sobre esse assunto com seus filhos se não fosse obrigado a isso.

― O assunto está encerrado, ficará apenas entre nossa família. O senhor pode retornar a Tantris, se quiser.  

Tibério permaneceu na ponta do assento, ainda encarando o filho de forma grave. 

― Eu irei retornar a Tantris porque Betina precisa de mim e de vocês. ― Tibério finalmente se acomodou, mas não relaxou. ― Você sabia que o patife que você escolheu como marido para sua filha estava deixando-a doente nesta fazenda?

No mesmo instante, Leônidas esqueceu-se do diálogo cheio de espaços vagos com o pai e voltou-se para a filha.

― Você está doente? ― ele acabou marcando a última palavra, surpreso por ela nunca ter dito nada. Mas não era como se ele ou alguém de Tantris pudesse ajudá-la, portanto, de que adiantaria preocupá-lo? E não estava doente, aquilo era preocupação excessiva de seu avô, apenas... Acordava mal em alguns dias. — O que está sentindo?

― O que o senhor precisa me contar? ― Betina escapou da pergunta do pai, tirando-se do foco principal. Não entendera sequer uma afirmação da discussão dos dois.

Houve um breve instante de silêncio, onde o assunto doença parecia ter sido deixado de lado. Sentiu o corpo do pai quase enrijecer ao seu lado. 

― Eu sou o culpado pela morte de sua mãe ― Leônidas declarou curto e direto e sentiu como se tivesse ouvido mal. Segundos se passaram e aguardou por uma retratação, mesmo que não fizesse sentido nenhum. E a afirmação do pai fazia ainda menos sentido. ― Tudo o que aconteceu nos últimos meses é uma consequência do que eu fiz, inclusive o que aconteceu com vocês aqui.

Betina sentiu que o mundo congelou por um instante. Não, o pai não poderia estar dizendo uma coisa daquelas, simplesmente não fazia sentido…

― E você teve coragem de deixar sua filha se casar com aquele homem mesmo assim?! ― Tibério quase berrou, remexendo-se no sofá e esquecendo-se de que a porta continuava aberta.

― Eu esperava que ele fosse perceber o erro e matar a irmã! Ele tinha uma filha! ― Leônidas devolveu no mesmo tom, tentando se defender.

― Ele não era você, Leônidas! Não pode querer que todos ajam feito você porque estão em uma situação parecida. ― O Sr. Salazarte respirou fundo, parecendo tentar se conter. ― Precisava fazê-la passar por tudo isso para que você percebesse?

― Parem! ― Betina ergueu a voz, surpreendendo a si. Estava ficando cansada de ser deixada de lado naquela conversa que envolvia ela mesma. Tentou organizar os pensamentos para continuar em um tom de voz suave. Seus pensamentos ainda pareciam congelados, não conseguindo encontrar sentido nenhum nas palavras do pai e naquela discussão. ― C-como o senhor poderia ter sido responsável pela morte de minha mãe?

Tibério encarou o filho sobre a cabeça da neta e viu-o desviar os olhos para o chão. Esperaram em silêncio enquanto ele umedecia os lábios e iniciava seu relato. Às vezes as palavras pareciam ser escolhidas a dedo no meio de tantas, demorando para sair, no entanto, a filha sequer se importou com isso, estarrecida demais para manifestar-se de qualquer forma que fosse. Apenas o encarou, sentindo o sangue gelar e tendo certeza que estava fugindo de seu rosto.

O Sr. Salazarte aproveitou o prato que fora do filho e cortou um novo pedaço de bolo e começou a comê-lo, porém parou ao ver a expressão que foi tomando conta da face de Betina. Ele largou o prato onde estivera e segurou a mão dela.

O relato de Leônidas terminou e os três ficaram em silêncio depois de meia hora naquela sala de visitas.

Betina sequer sabia por onde começar a processar tudo aquilo, era muito para entender e sequer parecia capaz de ter acontecido com o seu pai, o homem que conhecia por toda a sua vida.

― Não esperava que fosse contar a ela sobre Inês ― Tibério comentou, sendo o primeiro a trazer algum som para o ambiente outra vez. ― Você não precisava tocar neste assunto.

― Matias tem conhecimento e acredito que ela também tenha maturidade suficiente para lidar com isso ― Leônidas retorquiu, dirigindo um olhar demorado para o pai. Quanto à sua própria filha, evitava ver-lhe o choque. ― E irá fazê-la entender o porquê terminamos aqui.

Betina encarou a mesa e os objetos sobre ela, vendo-os começar a embaçar porque lágrimas estavam se acumulando nos olhos. Sua respiração vinha um pouco ruidosa, parecendo sair do seu controle.

— Tina? — Tibério chamou, dando um tapinha na mão dela para tentar conseguir alguma reação. 

— I-isso não pode ser r-real — ela conseguiu articular, a respiração ainda saindo ruidosa demais. 

Tibério e Leônidas se encararam sobre a cabeça dela, sendo possível ler a vergonha no rosto de um, que ainda tentava escolher o que falar. O avô soltou-a e encheu uma xícara com chá.

— Infelizmente tudo que seu pai disse é verdade, minha querida. Consegui que o lobisomem fosse condenado o mais rápido possível para evitar que qualquer boato se espalhasse, não poderia haver riscos para que seu pai fosse descoberto. A condenação dele seria a morte. — Ele tentou entregar a xícara nas mãos dela, não recebendo reação nenhuma. Ela havia começado a chorar sem perceber. Por que sempre era a última a saber? Ela importava tão pouco assim? Importava tão pouco que o pai consentiu que ela se casasse com um homem como Saul? — Beba um pouco, Tina, você precisa se acalmar, suas mãos estão tremendo. 

Ela escondeu as mãos no colo com o comentário e não aceitou a xícara. 

— Ele enlouqueceu a irmã — Betina conseguiu articular mais uma frase. 

— Isabella já não era a mesma desde que a Sombra a trouxe de volta — Leônidas rebateu. 

— Ela passou anos trancada e tudo o que ela queria era ser livre para partir em paz. Ele tirou a sanidade da própria irmã. — Finalmente criou coragem para voltar o rosto para o pai e encarou-o nos olhos. — Como podia saber disso e não fazer nada?! — A voz saiu mais alta do que o esperado. Por sorte, não havia ninguém no corredor.

Tibério deixou a xícara sobre a bandeja, tocando-lhe o braço e murmurando palavras para tentar acalmá-la, que sequer conseguiu compreender de fato. Leônidas não disse uma única palavra, simplesmente não havia argumentos. 

Ela se pôs de pé, sentindo uma leve tontura por fazê-lo tão rápido.

— Eu não quero odiá-lo — Betina engoliu em seco, tentando dizer algo mesmo com a respiração que saia ruidosa outra vez. — Eu me recuso a odiá-lo, mas não sei agir de outra forma com o que fez. 

Ela saiu da sala sem olhar para trás, sentindo que precisava de um pouco de ar, porém, nem mesmo no corredor parecia haver o suficiente. 

— Tina? — Tibério a chamou, saindo da sala de visitas e fechando a porta atrás de si. 

Betina estava parada a alguns passos da saída, contra a parede do corredor. A mão que levara para a frente da boca ainda tremia e a respiração saia cada vez mais curta, como se precisasse de mais e mais ar. 

— Tente respirar, devagar — ele orientou, conseguindo envolvê-la em um abraço. Betina cedeu, encostando o queixo contra o ombro dele e permitindo-se chorar livremente na frente de alguém pela primeira vez. — Isso tudo acabou, consegue me entender? Acabou e você não precisará mais ficar nesse lugar. 

Ela assentiu, finalmente conseguindo compreender claramente as palavras que ele tentava lhe dizer. 

— Eu não sei como irei conseguir perdoá-lo — Betina articulou com a voz completamente trêmula. 

— Seu pai não é a pessoa que você deve se preocupar agora. Saber de tudo isso trouxe-lhe algo de bom, hm? — Ele recebeu uma negação silenciosa feita com a cabeça. — A pessoa com quem você deve se preocupar agora é você e sua filha. Você, que precisa ser curada de todas as feridas que eles te causaram. — Tibério afagou as costas da neta, sentindo-a soltar uma respiração profunda contra ele. Ao menos aquilo estava retornando ao seu controle, mesmo que continuasse a tremer e não conseguir segurar o choro. — Eu vou voltar a Tantris com você e por você, me entende? — Recebeu outro mover de cabeça, dessa vez afirmativo. — Ninguém mais vai te deixar sozinha, Tina. Eu não vou. 

Ela passou os braços pelas costas dele, devolvendo o abraço e ainda sentindo-se trêmula demais. Permitiu-se chorar, finalmente sendo amparada por alguém. 


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