Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 12
Capítulo XII




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A carruagem dos Salazarte chacoalhava através do curto caminho entre a residência dos Gutiérrez e a antiga morada de Tibério Salazarte e sua falecida esposa. 

Irina estranhara ver a companhia da irmã mais nova da Srta. Salazarte ― que lhe fora apresentada como Srta. Matilda ― e, àquela altura, estava se questionando por que resolveram trazê-la junto deles desde que ela abriu a boca.

― Eu acreditei que seu irmão fosse estar conosco, Srta. Gutiérrez ― Matilda disse, sendo quase a única a falar desde que a carruagem tivera todos seus assentos ocupados. ― Se ele é o mais interessado em aprender sobre feitiços em objetos e mitologia, faria mais sentido que ele viesse no seu lugar.

Irina deu uma olhada de canto para a Srta. Salazarte ao seu lado e não levou mais do que alguns segundos para juntar uma peça na outra e compreender que não contaram qual o exato motivo daquele “passeio” para a Salazarte mais nova.

― Eu também preciso estudar mais, Srta. Matilda, e transmitirei minhas anotações para meu irmão assim que chegar em casa.

Se ficou contente ou não com a resposta, a bruxa à sua frente não manifestou, preferindo olhar para o chão da carruagem por alguns instantes, como se procurasse por algum assunto.

― Seu irmão não costuma sair muito? Pelo tanto de trabalho que vejo meu pai ter com ele, imagino que ele seja bem frágil. ― Com o comentário, o Sr. Salazarte moveu os lábios, articulando uma frase muda para a irmã caçula ao seu lado, que somente continuou com os olhos castanhos fixos na Srta. Gutiérrez, enquanto Meredith revirou os seus. ― Ouvi dizer que ele adoece quase todo mês.

Irina enfiou as unhas no estofado da carruagem, engolindo junto da saliva a resposta que queria dar. Estava ali graças a um favor, portanto, não iria ofender a irmã mais nova dos Salazarte. Por maior que fosse a sua vontade.

Definitivamente não gostava daquela garota desde que colocou os olhos nela e foi medida por seu olhar que transbordava arrogância à distância.

― Minha mãe pediu que Ezequiel a acompanhasse em uma visita e, como ele não queria que eu cancelasse o combinado com sua irmã, Srta. Matilda, pediu para que eu viesse sozinha.

Aquilo era uma mentira deslavada, mas não iria admitir a verdade para ela.

― Uma pena, quem sabe numa próxima vez. ― Meredith tentou consolar com um sorriso para a bruxa ao seu lado.

― Nosso pai não vai gostar de saber que vocês vão ter que voltar à biblioteca ― Matilda opinou.

― O Dr. Salazarte não aprova nossa ida à casa do avô de vocês? ― Irina questionou, passando os olhos cinzentos de um irmão para o outro em busca de explicações.

― Nosso avô costumava manter alguns volumes questionáveis em sua biblioteca pessoal ― o Sr. Salazarte se manifestou após alguns minutos de silêncio. ― Espero que não se incomode, mas gostaria de pedir sua ajuda para impedir que Meredith e Matilda acabem mexendo em estantes que não deveriam.

A carruagem parou e o bruxo abriu a porta, sendo o primeiro a descer para ajudar as três mulheres a passarem pelos degraus estreitos e pequenos ― puxados assim que o veículo parou ― com suas saias volumosas. Irina foi a primeira a descer.

― É claro. Como eu disse, devo muito ao senhor pela ajuda que tem dado ― ela dirigiu para ele junto de um sorriso sutil, colocando sua mão enluvada sobre a dele. Viu-o assentir com um sorriso e deu alguns passos na direção do caminho de pedras que levava à entrada da enorme residência, dando espaço para que as outras garotas pudessem sair da carruagem.

― Matias, vamos ao jardim italiano nos fundos? Nosso avô trouxe algumas estátuas de poetas gregos, enquanto você estava fora. ― Ao ouvir a voz da bruxa mais nova, Irina olhou para trás, vendo-a descer do veículo, talvez tendo passado na frente da irmã. ― Você conhece tão bem sobre essas coisas, que tenho certeza de que será o melhor guia para isso.

― Eu não sou o melhor entendedor... ― ele começou, ainda ajudando a outra irmã a sair do veículo.

― Mas você entende muito bem de literatura, então é a melhor pessoa para me dizer qual estátua representa qual poeta. Por favor, eu queria tanto visitar os jardins desde que o vovô os reformou. ― Ela se aproximou do irmão em seu pedido insistente. — E eu tenho lido alguns livros deles, queria comentar com você.

― Pode ir, Matias, eu e a Srta. Gutiérrez podemos nos virar sozinhas ― Meredith disse, fechando a cara. Pelo visto, não era somente os Gutiérrez que tinham uma relação complicada entre alguns irmãos. Cada um com seus problemas. 

― Eu ficarei de olho em sua irmã ― a bruxa loira informou para o único homem do grupo, que soltou o que poderia ser um suspiro aliviado.

― Vamos, Tilda. 

O Sr. Salazarte estendeu seu braço para a irmã caçula e, junto de um gritinho, Matilda o segurou, restando às outras duas assisti-los tomar o caminho para dar a volta na casa.

― Perdoe-me pela minha irmã. ― Meredith se aproximou da Srta. Gutiérrez e fez um gesto com a cabeça, indicando que deveriam entrar. ― Mas ela insistiu que queria passar mais tempo com nosso irmão e meu pai não sabe dizer não para ela.

― Eu compreendo seu problema com irmãos, Srta. Salazarte. Acredito que todos nós tenhamos nossa própria quota de problemas familiares ― Irina retrucou enquanto avançavam pela grande porta aberta, mantida assim pelo mordomo.

Pelo que parecia, mesmo com o lugar sem moradores, ainda havia alguns empregados para conservar a residência. Também, pudera, deixar aquele lugar abandonado por algumas semanas seria quase um crime.

Se, segundo Matilda dissera, nos jardins dos fundos havia estátuas de poetas gregos, o dono do lugar parecia realmente gostar da Grécia Antiga e passara certos detalhes para a arquitetura, como as colunas que sustentavam o alpendre ou a maioria das paredes brancas. O lado de dentro também parecia possuir um certo quê de clássico e elegante, com esculturas que não parara para prestar atenção aqui e ali.

― Acho que podemos deixar a formalidade um pouco de lado, não? ― Meredith riu e ignorou o criado, que fechou a porta atrás delas. Sendo conhecedora da casa, continuou seguindo em frente para um corredor extremamente iluminado, onde havia uma grande janela no final dele, alguns metros à distância. ― Não estamos em uma visita formal, mas em um momento investigativo.

Irina não comentou nada a respeito, somente sorrindo em frente a empolgação da garota. Durante a visita dela à sua casa, não podia negar que se incomodara com a forma que ela parecia tratar Ezequiel, como se ele fosse um objeto de estudos. Porém, quando os irmãos Salazarte se foram e Beatriz deixou-a sozinha, Ezequiel se aproximou, soando um tanto aéreo demais quando mencionava a Srta. Salazarte. Uma paixonite inofensiva, que muito provavelmente não resultaria em nada, mas que Irina não tinha coragem de quebrar. Ao menos poderia aproveitar tudo aquilo para buscar as respostas que precisava. Teria de começar por algum lugar.

― Eu dei uma rápida olhada em alguns livros quando vim aqui ontem ― a garota continuou dizendo e abriu uma das portas do corredor, deixando que a outra passasse primeiro. ― E realmente acho que vamos precisar voltar mais vezes.

As duas bruxas pararam na entrada do cômodo de teto alto e estantes que chegavam quase até a metade dele. Podia contar ao menos uma meia dúzia de fileiras dali e percebeu que havia uma escada encostada contra uma delas. No canto esquerdo, ao lado da janela, estava uma mesa com alguns livros sobre ela e quadro cadeiras de espaldar alto.

― Bem, tem alguma ideia de por onde começar? ― Irina questionou, respirando fundo enquanto encarava o trabalho que teriam pela frente.

― Eu separei alguns títulos interessantes ontem ― Meredith respondeu e se aproximaram da mesa. A Srta. Gutiérrez assistiu a outra bruxa pegar alguns dos exemplares. A maioria tinha títulos relacionados à oniromancia e o outro não conseguia desvendar mais do que uma única palavra, em um idioma que parecia grego. ― Se você quiser começar a folhear, enquanto eu pego mais alguns...

― Não! ― Ela interrompeu de súbito, querendo a todo custo manter a promessa que fizera ao irmão da garota. ― Melhor ficarmos com o que temos em mãos antes de irmos atrás de mais.

Meredith somente assentiu e Irina tirou um caderninho de um dos bolsos do vestido. Por sorte, tinham acesso à pena e tinta, além de mais papéis na biblioteca. Cada uma sentou em uma cadeira e pegou um livro, começando a folheá-lo. 

Fora algumas menções de como o dom da oniromancia podia começar a se manifestar desde a infância e que realmente drenava muita energia e vitalidade, com o bruxo em questão acordando exausto na manhã seguinte, não encontrou nada de muito relevante. Nada sobre sonhos repetidos ou doenças estranhas, além de serem apenas casos isolados. A maioria dos bruxos diria que aquilo não passava de mera crendice.

Os minutos foram correndo em um piscar de olhos e a jovem Salazarte tinha passado da metade do segundo livro, enquanto Irina se preparava para fechar o primeiro. A porta da biblioteca foi aberta de supetão e a voz quase cantada de Matilda preencheu o ambiente. Ela era seguida pelo irmão.

― Mas eu sei que o vovô deve ter esse livro na biblioteca! ― A jovem garota chegou batendo os pés e logo indo em direção a uma das estantes. ― Qual o problema em levar emprestado? Ele nem vai saber que pegamos.

― Não é correto pegar algo sem pedir, Matilda. ― Matias entrou e fechou a porta suavemente. ― É Platão, podemos conseguir esse livro para você sem muitas dificuldades.

― Eu duvido! ― Ela parou no meio do corredor, saindo de trás de uma das prateleiras. ― No tempo em que você demoraria para conseguir isso eu poderia estar terminando de ler! ― Emburrada, a garota foi em direção a uma das cadeiras e jogou-se sobre ela, esquecendo completamente de sua postura de dama e dando lugar à postura de menina mimada. ― Você poderia até aproveitar para ler comigo e me ajudar nos meus estudos de grego...

― Eu não sou completamente fluente em grego ― o único bruxo retorquiu, parando atrás da cadeira da irmã mais nova e apoiando a mão sobre o encosto. ― Poderíamos começar outra leitura até lá, algo mais básico para você...

― Você diz isso porque sou eu quem estou pedindo, pois se fosse a Meredith tenho certeza que você aceitaria sem nem pensar.

― Por que você sempre tem que me pôr no meio da conversa?! ― a Srta. Salazarte exclamou irritada, fechando o livro sem nem se importar em marcar a página. Ao menos estava no final.

― Porque o Matias prefere você a mim! ― Matilda rebateu e cruzou os braços sobre o peito.

Irina respirou fundo, os olhos ainda focados na mesma página e lendo o mesmo parágrafo pela quarta vez, sua concentração indo embora no meio do falatório.

― Matilda... ― Matias começou, parecendo cansado.

― Nosso irmão já tem problemas demais e você ainda quer incomodá-lo mais? ― Meredith jogou para a irmã. ― Depois a egoísta sou eu.

A Srta. Gutiérrez se levantou, tomando para si que a discussão esbarrava em alguns assuntos pessoais e questionando-se se deveria estar mesmo ouvindo aquilo. Nenhuma das partes parecia se incomodar com sua presença, mas ela somente optou por levantar-se de sua cadeira sem fazer barulho e ir em direção a uma das fileiras de estantes.

― Olha quem fala! A mesma pessoa que deixou nosso irmão aparecer para os inquilinos com uma carruagem de aluguel porque estava usando a nossa no lugar dele. Quem é a egoísta aqui?

― Garotas, por favor...

As vozes ainda eram perfeitamente audíveis nas últimas estantes do cômodo, porém Irina ocupou-se em analisar os títulos, evitando passar o dedo sobre eles, pois alguns estavam um tanto empoeirados, o que conflitava um pouco com os ambientes tão bem cuidados da casa do ex-líder do Conselho.

― E você só pensa em si mesma, tudo é sobre você e o que você quer! ― Foi capaz de ouvir a voz de Meredith ir subindo de tom. ― E ainda está atrapalhando a Srta. Gutiérrez com essa sua cara azeda, quem é a egoísta agora?

Irina continuou seguindo pela prateleira e analisando os títulos, percebendo que parecia haver um enorme buraco nos exemplares perfeitamente alinhados, pois a parte final estava tombada de qualquer jeito. Ela tocou alguns para ler melhor, sua atenção sendo atraída para um em específico: Corpora Maledicta.

― Insuportável! ― Matilda berrou e Irina assustou-se com um barulho que não conseguiu identificar.

― Matilda, acalme-se, por favor ― o Sr. Salazarte pediu e Irina foi se afastando das estantes de volta para a mesa. ― Matilda! ― ele chamou mais uma vez e o resto das palavras foi diminuindo de volume.

Ao aproximar-se de onde saíra, foi capaz de ver dois livros caídos de qualquer jeito no chão e Meredith levantando-se da cadeira, a irritação notável. Um dos lados da porta da biblioteca estava escancarada, indicando que os outros dois irmãos partiram.

― Eu realmente peço desculpas pela minha irmã, Irina. ― Cada uma pegou um dos livros caídos e a Srta. Gutiérrez entregou-o para a outra. ― Acabamos não avançando nada na pesquisa por causa dela e...

― Não se preocupe com isso. Como eu disse ao seu irmão, foi uma gentileza imensa dos dois terem se disposto a nos ajudar, mesmo que não tenhamos relação nenhuma. ― A Srta. Salazarte sentou-se novamente, assentindo com a cabeça e devolvendo os livros para cima da mesa. ― Se sente calma o suficiente para retornarmos à leitura ou...

― Não ― ela a interrompeu. ― É melhor voltarmos à leitura, antes que Matilda resolva vir nos infernizar outra vez.

Irina assentiu, avisando que iria pegar mais livros e retornando para a última fileira de estantes. Passou a língua pelos dentes, ponderando se deveria retirar ou não do meio dos outros o livro que atraiu sua atenção. Optou por pegá-lo, tirando-o do meio de uma pilha que estava por cima. A poeira na capa era notável e tinha certeza que marcaria as pontas dos dedos de sua luva, mas começou a folheá-lo, notando que algumas páginas estavam soltas da lombada. Segurou-as com cuidado, vendo um tópico falando sobre coração e males não físicos que poderiam atingi-lo.

― Acredito ser melhor irmos embora. ― A voz de Matias disse a alguma distância, indicando que ele havia retornado para a biblioteca.

― Mas, Matias, nós não conseguimos ler quase nada...

― Consegui acalmar Matilda por algum tempo e posso continuar a tentar distraí-la, mas vamos precisar ir embora logo.

― Que seja, então. Irina, acho melhor não trazer mais livros! ― Meredith gritou para ela. ― Falta mais um para terminarmos aqui e voltamos outro dia. Mas sem a Matilda.

Irina continuou segurando as páginas soltas, decidindo o que fazer com aquilo. Baixou os olhos para o livro, certa de que precisava lê-lo. Se não aquele, talvez outros da mesma prateleira e, a julgar pelos títulos de alguns, perguntava-se se o Sr. Salazarte aprovaria ou não que as irmãs tomassem conhecimento daquilo.

― Acho que podemos nos retirar com as anotações que conseguimos. ― Ela ergueu a voz para poder ser ouvida pelos irmãos. Encarou as páginas em suas mãos, tentada a enfiá-las no bolso do vestido e levá-las embora. ― Podemos continuar a leitura outro dia.

Por fim, enfiou as páginas soltas e amareladas para onde pertenciam e fechou o livro, devolvendo-o para junto dos outros sem nem pensar duas vezes, pois sabia que, se continuasse a pensar, cederia à tentação de levar algo que não lhe pertencia às escondidas. Afastou-se da estante e tomou o caminho de volta para a entrada do cômodo.

― Se o senhor quiser partir… ― Ao aproximar-se outra vez dos irmãos, dirigiu um sorriso para o bruxo, indicando-lhe a proposta.

A Srta. Gutiérrez pegou seu caderninho, percebendo que a tinta estava seca. Meredith bufou e fechou outra vez o livro, juntando-o aos outros em uma pilha sobre a mesa. Enquanto ela mantinha os olhos baixos, Irina tocou no ombro do irmão da garota, fazendo-o encará-la. Ela olhou para seus olhos azuis, torcendo para que ele compreendesse que precisavam conversar.

Iria fazer do jeito certo.

― Vamos? ― a Srta. Salazarte propôs, fitando os dois. Matias olhou de uma para outra.

― Como eu estava dizendo ao seu irmão, Srta. Gutiérrez, devo tratar de negócios com ele em breve, mas se puder passar meu recado para ele...

Irina tirou a mão do ombro dele, vendo que a outra bruxa começou a se retirar da biblioteca. Eles a seguiram, mas em um ritmo mais lento.

― Encontrei alguns livros no fundo da biblioteca, mas creio que não sejam leituras que o senhor aprovaria para sua irmã ― ela murmurou para ele enquanto saíam juntos do cômodo, Meredith caminhando alguns passos à frente. — Creio que possam nos ajudar a chegar em algum lugar.

― Se a senhorita quiser levá-los...

― Não traria problemas para os dois se eu os levasse? Não conheço sua irmã tão bem quanto o senhor, mas acredito que levantaria perguntas.

― Eu posso pegá-los e levá-los em sua casa em outro horário. Basta me dizer quais e onde estão.

Irina olhou para o lado, vendo que ele a observava de canto de olho. Tinham passado pelo corredor e alguns metros à frente a porta de entrada estava aberta, lançando luz para o ambiente claro. Meredih estava saindo.

― Obrigada, Sr. Salazarte.

 

 

― Bem, eu costumava sempre acordar cansado quando era criança ― Ezequiel soltou pensativo, deitado sobre o colo da irmã no sofá da sala de visitas. Ela percorria os dedos pelos cabelos escuros dele, percebendo que, enquanto a marca no canto da boca começava a sumir, outra surgia na entrada do cabelo. ― Não lembro se sempre tive sonhos repetidos, mas... Eu costumava sonhar que estava voando ou que tentava demonstrar minhas habilidades com feitiços na frente de todos e acabava falhando, o que em parte se tornou realidade.

Irina olhou para a luz da lua cheia que entrava pela janela de cortinas abertas. Seu caderninho com as anotações estava aberto sobre a mesa de centro, após ter sido lido linha por linha pelo irmão, junto de seu relato da tarde junto dos Salazarte, que quase capturou mais a atenção dele do que as informações sobre oniromancia.

― Não acho que isso se encaixe em profecia, meu solzinho. Eram apenas os seus medos, que não saíam da sua cabeça, passando para os seus sonhos. Talvez o melhor fosse irmos atrás de uma interpretação para o seu sonho atual.

― Você não acredita em mim, não é?

Ela voltou os olhos para o irmão, percebendo que era encarada por ele. Tentou ajeitar seus cabelos com os dedos.

― Eu acredito em você. Apenas acho que devemos ter outra visão para isso.

Na verdade, Irina tinha lá suas dúvidas sobre profecias em sonhos. Era curioso o sonho de Ezequiel e como se repetia com tanta frequência? Deveras, no entanto... A sua principal preocupação era descobrir mais sobre a doença que deixava sua saúde tão frágil. Não eram somente as marcas no corpo que surgiam e desapareciam de um dia para o outro ou as febres que iam e vinham junto de delírios, parecia haver algo mais...

― Talvez um livro sobre interpretação de símbolos?

― Se houver... ― ela soou um tanto aérea na resposta e teve certeza que aquilo não passou despercebido.

― Será que nossa mãe me deixará ir junto de vocês na próxima vez?

― Meu temor é que você acabe perdendo o foco dos livros para a Srta. Salazarte. ― A oportunidade de mencionar sobre a paixonite dele não pôde ser desperdiçada e deu um breve sorriso ao ver como as bochechas do irmão coraram rapidamente. ― Tenho certeza de que você seria capaz de manter uma conversa agradável com ela sobre poetas gregos, você tem bastante domínio quando o assunto é literatura.

― Isso se eu conseguisse ficar perto de outras pessoas sem parecer um paspalho...

O diálogo dos dois foi interrompido por alguém limpando a garganta. Ambos os olhares se moveram para ver o irmão mais velho entrando na sala de visitas.

― Nossa mãe pediu que eu a leve para o jantar na casa de Denise, ela está esperando por nós dois ― Isaac disse para a irmã e Ezequiel se levantou do colo dela, endireitando-se no sofá.

― E quanto a Ezequiel?

― Eu peço para que preparem algo para mim, não se preocupe ― ele retorquiu para ela junto de um sorriso fraco e se levantou. ― Pode ir, nos falamos depois.

O mais novo dos Gutiérrez se retirou do cômodo com rapidez, sequer se despedindo dos irmãos. Isaac e Irina se encararam e, antes que ela apresentasse qualquer reclamação, ele se adiantou, deixando claro que ouvira a conversa antes de entrar:

― Você não devia dar esperanças a ele.

Irina viu-o sentar-se ao seu lado no sofá e elevou os cantos da boca, fuzilando-o com raiva. Sabia que o significado de sua expressão fora compreendido muito bem.

― E por que eu não deveria encorajá-lo em uma paixonite juvenil? Todos nós teremos uma em algum momento e Ezequiel merece ter a oportunidade de ter a sua.

― Não é sobre isso que eu estou falando. ― Ele uniu as pontas dos dedos, movendo-os de forma ansiosa enquanto olhava para o chão. ― Eu digo dar falsas esperanças com essas pesquisas e isso também inclui você. Você não devia deixar se encher de tanta esperança.

― E o que eu deveria fazer? Seguir nossa mãe em eventos sociais enquanto nosso irmão vai definhando aos poucos?! ― ela ergueu a voz, sentindo a raiva subir. Nem assim Isaac a encarou.

― O Dr. Salazarte tem feito de tudo para encontrar uma cura no último um ano e meio.

― Mas isso não significa que devemos ficar parados!

Isaac lentamente voltou o rosto para ela, encarando-a com seus olhos cinzentos. Poderia ser impressão sua ou não, mas podia dizer que viu a melancolia passar por ali.

― Eu falo isso não querendo dizer que eu não me preocupo com nosso irmão, mas... ― ele parou e hesitou por alguns instantes, a raiva faiscando nos olhos da irmã podendo ser sentida por qualquer um. ― Eu também me preocupo com você e sei como ficará destruída se o pior acontecer.

Qualquer argumento que Irina planejava adicionar à discussão ficou esquecido ali, surpresa demais pela fala do irmão.

― Não quero dizer que você deva perder totalmente as esperanças, mas... Talvez você também devesse começar a se preparar para o pior, porque eu sei como a morte do nosso irmão vai acabar com você… Eu me preocupo com você, Irina.

Ela engoliu em seco, não conseguindo encontrar nenhuma palavra que pudesse dizer. De boca fechada, se levantou do sofá.

― Vou me trocar para irmos à casa de Denise. Te encontro daqui alguns minutos.

Irina retirou-se da sala de visitas sem um último olhar para Isaac, que permaneceu sentado e mal se mexeu. Enquanto subia as escadas, passou a mão para ajeitar fios de cabelos que não estavam fora do penteado, mais pela força do hábito, mas nem isso foi capaz de acalmá-la.


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