Um Reino de Monstros Vol. 3 escrita por Caliel Alves
Após amolecer e compactar o metal várias vezes, o armeiro agora fazia dobras na barra. O aço foi enrolado como se fosse um barbante, depois foi martelado novamente até ser deixado reto novamente e na mesma espessura original.
— Pra que tudo isso, velhote?
— Quem olha assim parece até que eu a odeio, não é? Hehehe, mas não é nada disso, guria. Dobrando ela assim, os outros elementos presentes na liga ficam mais equilibrados, formando um misto de cromo, silício e níquel.
— Tu demorou quantos anos pra prender isso, seu Z?
— Bem, na verdade, eu ainda sou um aprendiz. Quando você se dedica a uma arte, nunca é correto dizer que a domina, o mais correto é dizer que se está evoluindo nela.
De repente, o homenzarrão parou, a sua coxa começava a dar algumas fisgadas.
Rosicler tomou o malho de sua mão e retomou o trabalho. A garota observara que havia duas barras de metal sendo trabalhadas, ao contrário de uma só como no início.
— Vamos fazer duas espadas é?
— Não.
— Todo trabalhado no mistério.
A ladina suava, com a bermuda que mais parecia uma calça coronha, ela trabalhava como se fosse um homem.
O homem sorriu reconfortado. Sem filhos ou herdeiros, ele nem mesmo possuía um ajudante, durante muito tempo, isso lhe pareceu o certo a se fazer.
— Olha, guria, tu leva jeito pra malhar o aço. Se caso um dia tu precisar de um bico, a oficina vai estar com as portas abertas.
A gatuna esboçou um sorriso, os seus lábios pareciam pétalas de rosas desabrochando.
— Prestenção, seu Z, onde já se viu ladra ser empregada?
Ele manquitolou pela oficina e sentou-se num cepo. Seus olhos faiscavam curiosos.
— Porque esse status de “ladra” é tão importante pra você, guria?
Por um momento, ela parou de bater na barra. Enxugando o suor da testa, se virou para o artesão de armas. Os cabelos cacheados estavam revoltos e oleosos.
— Essa vida de agir na lei não dá pra mim, não, eu e meu mano mais velho, a gente vivia tipo assim, num orfanato, foi logo após a mãe morrer, saca? Foi zoado, foi muito zoado, tio, hihihihi, mermo assim a gente sobreviveu. Meu irmão me protegeu de tudo, aliás, de todos, veio, protegeu mermo. Mas no fim, ele foi quem ficou desprotegido...
— E onde ele está agora, guria?
— Em algum lugar desse reino de merda...
Aliviado de sua dor, ele continuou o trabalho e ordenou que Rosicler fosse descansar.
— Ninguém gosta de uma vida justinha e perfeita, guria. Mas olha só pra mim, antes eu era um alfaraz, tu sabe o que é isso? No Deserto Sem-Fim um alfaraz era como um cavaleiro real, fama e glória. Mas minha sede de aventuras me trouxe pra cá, agora estou aleijado e infeliz...
— Mas vai me dizer que você não se divertiu com tuas aventuras?
Z meneou a cabeça entristecido. Não desejava sua biografia nem mesmo para seu pior inimigo, posto aqui como Zarastu.
— Desventuras! Você quis dizer, não?
Ah, tu não me convenceu, velhote!
— Uma vida de aventura leva a muitos perigos...
— Eu já enfrentei muitos perigos, eu sou uma Cochrane, lembra?
O armeiro confirmou com um gesto de cabeça e instruiu a pupila na nova etapa. As barras de aço seriam postas na fornalha para amolecer e depois o aço compactado seria malhado até adquirir o tamanho necessário. Depois disso viria a laminação, onde a chapa ganharia um gume com pancadas precisas.
— E depois, hein, coroa?
— Quando ela adquirir o tamanho, forma e consistência apropriada, nós vamos deixá-la mais bela, vamos usar esmerila e lixa, a lâmina ficará afiada e mais brilhante. Em seguida, vamos cobri-la de argila e aquecê-la, dando-lhe um tratamento térmico. Faremos a têmpera com água mineral da 6º Estação, a água mais pura de toda a Lashra. Depois de temperada, ela passará pelo revenimento, aquecida pela última vez, passa a ser resfriada lentamente até diminuir o nível de dureza do aço. O polimento é o próximo passo. A lâmina já polida vai para a afiação, quando os gumes são finalmente ressaltados, é o lugar mais endurecido da lâmina. E por fim, ela receberá a guarda, o pomo e o cabo.
— Pare! É informação demais, não tô entendendo nada, veio.
— Ah, tá bom... A guarda é a parte que protege a mão do espadachim e fica entre a lâmina e o punho, a mais comum é a de formato cruciforme. O cabo é a parte da empunhadura da espada, e o pomo é a base que trava todo o sistema com um parafuso.
— Ah, bom, assim sim...
— Você está me ironizando, guria?
— Só um pouquinho...
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