O canto do Gaio Azul | CHANGKI escrita por Night View


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808207/chapter/1

Os raios solares encontravam passagem em meio às árvores, a brisa corria fria e o farfalhar das folhas só não era mais alto que o canto dos pássaros à sua volta.

Para Kihyun, poucas coisas eram tão belas quanto a natureza e ao inalar o ar puro da reserva natural onde se encontrava, o jovem abandonou o fotógrafo em si e apenas aproveitou a desconcertante calmaria a sua volta.

Decidiu esticar os músculos doloridos pelas horas que passou em posições repetitivas. Por mais que fosse relaxante e o ajudasse a tirar o foco do mundo à sua volta, fotografar pássaros era um hobby extremamente desgastante e seu estado atual também não ajudava.

Sete anos. Seriam sete anos de casamento se o destino não os tivesse usado como peças de um jogo perverso. Queria poder dizer que sentia seu coração cicatrizar aos poucos, mas a ferida ainda seguia exposta em seu peito e sua mente não conseguia se lembrar de uma vida antes de Changkyun.

O dia em que se conheceram ainda era vivido em sua memória. Parecia estranho, mas ainda se lembrava do simples gesto de abrir a porta para que o mais novo pudesse entrar na clínica veterinária com o shih tzu que carregava. Poucas pessoas capturavam sua atenção daquela forma e simplesmente não entendeu como alguém poderia parecer tão fofo apenas ao carregar um cachorro.

A coleira com estampa de tigre não era comum e apenas precisou de uma breve olhada para ver o nome "Pipoca" escrito em letras garrafais. Enquanto subiam o lance de escadas, Kihyun tomou a liberdade de acariciar o pequeno que o reconheceu, o lambendo em resposta.

Pipoca felizmente havia sido um daqueles casos milagrosos da clínica e, até mesmo ele que apenas trabalhava no petshop ao lado, acompanhou de perto a recuperação do pequeno. Mas embora Pipoca fosse bem famoso no local, quem o segurava não era.

— É seu? - Lembrava-se de perguntar confuso, mesmo que suspeitasse da resposta.

— Sei que esse pelo preto e os olhos castanhos podem confundir, mas - ele sorriu antes de acariciar o topo da cabeça do animal - ele não é meu filho. Está mais para um sobrinho.

Talvez fosse sua predileção pelo biotipo do moreno, mas lembrava de ter se divertido com o comentário mais do que deveria. Depois daquele dia, Changkyun passou a levar não só o shih tzu para os exames regulares, como também o poodle - que descobriu posteriormente ser da mãe do mais novo - para tosar.

Cansado de sempre encontrar o jovem e nunca sair das pequenas conversas, Kihyun resolveu confiar em seus instintos e o convidou para um encontro. Um logo se tornou dez e eventualmente o dono dos fios acastanhados cessou a conta após o pedido de namoro.

Meses depois, enquanto jantavam na casa dos pais do moreno, a mãe recordou a época do súbito interesse do filho pela agenda do poodle da família e Changkyun não teve escolha senão assumir que buscou todo animal que conhecia para ter uma desculpa plausível para revê-lo. Naquela mesma noite, quando estavam sozinhos, também admitiu que ficou aliviado quando Kihyun o chamou para um encontro.

"Não conseguiria sozinho'', ele disse com um riso despreocupado "Achei que um homem como você estava fora do meu alcance".

Não era difícil pegar no pé de Changkyun por aquele tipo de fala, mas as brincadeiras sempre acabavam em beijos demorados que, em seus melhores dias, iam além da boca.

Kihyun juntou de maneira lenta o pouco equipamento que usava para fotografar os pássaros, buscando na mente opções para não acabar sozinho naquela casa que agora parecia grande demais.

Cogitou ir para a casa da mãe e buscar seu filho. Preferia passar o dia agarrado em quem era sua fonte de força do que relembrando o passado, mas sabia que estar longe era bom para o tratamento de ambos.

Tinha medo de um simples gesto botar toda a evolução que tiveram a perder. Foram meses até que Jooheon voltasse a dormir sozinho e agora não chorava mais nas idas à casa dos avós aos domingos.

Ele, por outro lado, seguia um passo atrás. Dizem que crianças são mais fortes que adultos, mas ele não sabia se o dito era real ou se era apenas o fato de ter conhecido Changkyun a muitas primaveras atrás. Diferente do filho, Kihyun viu a vida desabrochar ao lado do moreno.

Chorou de tristeza quando terminaram pela primeira vez e chorou de felicidade ao vê-lo se formar. Changkyun foi o primeiro a visitar seu apartamento novo e o último a sair no dia da mudança para o outro que seria o lar do casal.

Até mesmo antes de trocar as máquinas e tesouras pelas lentes profissionais que dariam vida a editoriais de revista, Changkyun havia sido seu primeiro modelo.

Ao guardar a câmera na bolsa no banco do passageiro, a nostalgia tomou conta. A grama sob os pés, os toques intimistas e as fotos ao pôr do sol do sorriso que nunca falhava em aquecer seu coração vieram como flashes em sua memória. Momentos de seus encontros que jamais voltariam ou seriam substituídos por novos.

Lembrava com pesar os momentos que o moreno abria mão de fazer qualquer outra coisa apenas para levá-lo para fotografar. Seu hobby costumava vir em último graças às obrigações do trabalho e da vida, mas de alguma forma Changkyun fez uma de suas prioridades.

Ligou o carro pensando que deveria tê-lo levado em mais encontros de verdade, levado para conhecer o outro lado do mundo. Jooheon uma vez havia comentado sobre o Coliseu... Droga, devia ter pego um empréstimo e viajado com a família quando teve a chance.

Kihyun simplesmente não conseguia se livrar do sentimento de não ter sido bom o suficiente para o homem que lhe deu as maiores alegrias de sua vida.

Seu olhar acabou caindo sobre sua mão no volante, onde sua aliança deveria estar. Um nó se formou em seu estômago e garganta graças ao vazio que sentia no peito e chorar foi inevitável.

Em dias como aquele, conseguia sentir o cheiro das rosas ganhas no dia em que Changkyun se ajoelhou de maneira desajeitada, anel em mãos e um sorriso largo que lhe tirou o fôlego. Nenhum beijo havia sido tão doce como o que trocaram no pequeno altar junto ao mar.

O caminho de volta não era longo, mas Kihyun levou o dobro do tempo. Sua relutância em retornar ao que sempre chamou de lar o fez dirigir de forma lenta e quando estacionou na entrada da casa, pôde ver o sol começar a se esconder atrás das montanhas.

Apenas de olhar para a varanda que se estendia por toda a fachada da casa, Kihyun conseguia ver tudo o que lhe foi roubado. Os momentos do marido correndo de um lado para o outro suspendendo o pequeno Joo no ar, as pequenas discussões causadas pelas decorações natalinas e os domingos preguiçosos em que sentavam no velho banco de madeira, onde conversavam sobre tudo e nada.

Haviam movido mundos e fundos para conquistar um cantinho próprio. Kihyun havia até decidido largar a faculdade para que conseguissem pagar a casa que o marido tanto amou, onde poderiam criar o filho e muitos mais se quisessem.

Então por que Changkyun, o homem que perdeu noites de sono esperando a aprovação da adoção, não poderia ver o filho que tanto amava crescer?

Kihyun socou o volante. Uma. Duas. Dezenas de vezes. Suas mãos doíam e seus braços reclamavam enquanto seguia extravasando a dor que a muito custo vinha tentando controlar ao longo do tempo.

Sentia que nem mesmo a mais bela das filosofias seria capaz de fazer tudo ficar mais fácil e ao ver o já conhecido gaio azul descansando na cerca da varanda, pendeu a cabeça para trás, exausto, e fechou os olhos.

Fazia tempo que o pequeno gaio azul rondava sua casa, algo incomum para pássaros, principalmente para aquela espécie que costumava ficar perto de seus ninhos. Outra particularidade veio das duas penas brancas que jamais havia visto em outro Gaio. Mas até então, era apenas um pássaro diferente com um comportamento peculiar.

Até que um dia decidiu fotografá-lo. A foto foi uma das finalistas em um concurso, onde alguém soltou um comentário sem pretensão, apenas uma curiosidade que acabou por ficar na mente de Kihyun.

"Dizem que esses pássaros trazem mensagens daqueles que já se foram, isso se você acredita nisso".

O jovem nunca foi do tipo supersticioso, mas até para ele havia momentos e sentimentos que simplesmente não saberia explicar. Então ouvir aquelas palavras foi como se uma chave interna ligasse em seu cérebro.

Por um tempo, aquilo lhe foi suficiente. Qualquer resquício de que Changkyun ainda estivesse por perto bastava... Até que não bastou mais.

— Por que eu não posso te ter de volta? - Perguntou em um murmúrio fraco e trêmulo, como se o pequeno sinal dos céus pudesse lhe responder.

Havia apenas silêncio.

Não era capaz de dizer quanto tempo permaneceu ali sozinho, envolto em seu próprio pesar. Sabia que precisava entrar, mas ainda não tinha forças para tal.

— Eu odeio te ver chorar - a voz grave soou a seu lado e assustado, Kihyun olhou para a figura sentada no banco do carona.

O jovem fotógrafo não racionalizou antes de puxá-lo para um abraço sufocante que foi de pronto retribuído, compartilhando um beijo carregado de saudade. O cheiro familiar fez sua cabeça rodar, uma euforia momentânea que Kihyun se recusava a abandonar.

Changkyun por sua vez deixou o esposo ter seu momento antes de tentar se afastar para que pudessem conversar, algo que Kihyun negou mesmo que já estivesse naquele abraço por um bom tempo.

— Kihyun - o chamado suave de seu nome foi mais uma pontada de dor em seu peito e Changkyun se livrou de seu abraço com certa dificuldade, tomando uma das mãos trêmulas nas suas - meu amor, você precisa me deixar ir - não sabia dizer se as palavras foram ditas de forma pausada ou se sua mente ainda tentava aceitar a ideia do que foi dito - eu vou sempre estar com você, mas você precisa me deixar ir. Não quero ser aquele que te trás nada além de dor.

— Não é você que me trás dor, e sim a sua ausência - com a mão livre, Kihyun secou as lágrimas, dando um novo rumo a conversa - É nosso aniversário, você lembra, não lembra? - A pergunta trouxe um sorriso triste aos lábios do mais novo, que assentiu.

— E como eu poderia esquecer? - A resposta atrelada ao carinho gentil em seus cabelos fez Kihyun respirar com mais facilidade - mas assim como todos os pássaros que você ama, eu preciso voar para longe e eu sei que sabe disso - disse calmamente - e nosso filho precisa de você.

— Precisa de você também - o murmúrio saiu como uma súplica, como se suas palavras fossem capazes de reverter tudo.

Com um movimento gentil, Changkyun levou a mão pequena que segurava para perto do peito e a segurou com firmeza e por instinto, Kihyun encostou a testa na dele. O gesto íntimo era algo que costumavam fazer em momentos difíceis, quando um dos dois precisava de reafirmação que o mundo não ruiria em suas cabeças.

Kihyun respirou fundo diversas vezes, tentando se igualar a respiração estável do moreno, algo que costumava acalmar não só seu corpo, como também sua mente.

— Você sabe o que o gaio azul significa? - Changkyun perguntou de maneira suave e Kihyun assentiu - então me diga, o que significa? - O mais novo acariciou a bochecha do amado com a mão livre.

— Proteção, - Kihyun foi obrigado a fazer uma pausa para limpar a garganta quando sua voz falhou - segurança e adaptar-se ao novo.

— Não importa de onde seja, eu sempre vou proteger e guardar vocês - Changkyun sorriu - e você, meu amor, precisa se adaptar ao novo. Você sempre foi o mais forte de nós dois, onde está esse meu Kiki agora? - O tom ameno seguido de um breve riso dava leveza a suas palavras, algo que parecia completamente fora de lugar para Kihyun - nós sempre teremos o futuro, a eternidade. Não estou pedindo que me esqueça, estou pedindo que siga em frente.

Depois daquelas palavras, o silêncio perdurou pelo o que pareceu horas. De todas as coisas, aquela foi a mais dura e angustiante que Kihyun teve de fazer em toda sua vida.

Um turbilhão de emoções cruzava sua mente enquanto uma pergunta se repetia diversas vezes em seus pensamentos: Como dizer adeus a um pedaço de si?

— Eu te amo - embora soasse frágil, Kihyun sentia que sua voz nunca havia sido mais clara em toda a sua vida.

— Eu também te amo - Changkyun sorriu com certo alívio, tomando os lábios do mais velho nos seus uma última vez.

Kihyun acordou com o coração martelando no peito, tenso e desorientado. A noite já havia se instaurado e agora o farol era sua única fonte de luz. Olhou em volta em busca de validar o sonho vivido que tivera e pode ver o pássaro levantar vôo na direção oposta, desaparecendo em meio a escuridão.

Sentia seu coração mais leve, mas sabia que estava longe de estar bem. Contudo, decidiu dar uma chance às palavras do amado e talvez as coisas melhorassem dali por diante. Sempre havia confiado em Changkyun e naquele momento não tinha como ser diferente quando mais do que nunca parecia o certo a se fazer.

Depois daquele dia, o único gaio azul que avistou fora das suas fotografias foi o da nova tatuagem presente em seu antebraço esquerdo. Um lembrete silencioso para ter força em momentos de dor e dúvida.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O canto do Gaio Azul | CHANGKI" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.