Insomniacs escrita por Skadi


Capítulo 8
Capítulo Oito - Afogar-se




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Ele tinha um estomago forte, ou assim Alex pensava. Ele realmente não tinha nenhum problema em ver sangue — tinha visto um amigo no ensino fundamental sendo estupido o suficiente para se cortar com uma tesoura, o sangue pingando e o garoto chorando. Isso foi realmente muito estupido e Alex lembrava de si mesmo sorrindo. Ele até viu um acidente acontecendo uma vez, tendo espiado pela janela do carro na hora errada e viu o líquido vermelho se acumulando no asfalto preto. Naquela época, ele só pensava em como seria estupido para um motorista bater em alguém.

Ele já até mesmo viu o vermelho jorrando de sua própria pele. Ele nem mesmo se sentiu mal. Ele mal sentiu dor enquanto o sangue se espalhava por sua pele, fluindo como um rio até pingar no mármore branco.

No entanto, agora seu estomago se revirava. Não era nem mesmo o sangue dele que ele estava vendo. Não era nem ele que estava com dor, mas ele ainda sentia seu estomago se revirar. Alex não conseguia processar o que estava a sua frente. Era Xavier, e ele estava chorando. Lágrimas escorriam por seu rosto, os olhos vermelhos e inchados. No entanto, as lágrimas não eram a única coisa que pingava dele. Ele estava segurando o pulso esquerdo na frente de Alex e o sangue escorria em direção ao seu braço. Não muito, mas o suficiente para sujar suas roupas. A maior parte do sangue também havia secado, manchando a pele dele de marrom e vermelho.

“Por que não sangra mais, Alex? Por que o sangue parou de derramar?”

E de todas as perguntas e palavras que o garoto poderia pronunciar, Xavier estava se preocupando com sua situação da pior maneira possível. Ele deve ter ficado parado ali estupefato, olhando para a visão à sua frente com descrença por um momento, porque se lembrou de Xavier fazendo a mesma pergunta duas vezes.

Seu próprio pulso esquerdo coçava mais e uma série de memórias passou por sua mente. Ele pensou nas facas novamente.

Alex balançou a cabeça. Não era hora para isso.

“O que você fez, Xavier?” Ele perguntou enquanto puxava o garoto para dentro, agarrando-o pelo outro braço.

Xavier ainda estava chorando. Alex guiou o garoto até o sofá e o fez se sentar lá. Ele pegou um pote grande em sua cozinha e o encheu de água, então correu para o banheiro para pegar o kit de primeiros socorros guardado no armário embaixo da pia antes que seus olhos encontrassem o lenço em sua mesa de cabeceira. Pegando-o também, ele trouxe tudo para a sala onde Xavier estava sentado ainda chorando e segurando o braço ensanguentado.

“Xavier, deixe-me ver.” Pediu ele, sentando-se ao lado dele e pedindo permissão para toca-lo com a mão.

Xavier obedeceu, dando o braço para Alex. Os olhos do garoto estavam fixos na televisão a sua frente, olhando fixamente para o vazio. Alex pegou a mão dele gentilmente e tentou examina-la, podendo ver cortes no pulso do garoto, bem onde deveria estar sua veia. Não havia mais de dez no total, mas um em particular era mais profundo que os outros e tinha sangue fresco saindo ele. Xavier teve sorte, porque, por mais profundo que fosse o corte, ele ainda não fora fundo o suficiente para acertar a veia por baixo e causar danos reais. Na verdade, não era que Alex consideraria que o garoto tinha, talvez fosse mais estupidez — mas ele estava grato por essa estupidez.

“Vou limpar isso e vai doer um pouco, ok?” Disse Alex, com a voz calma. Ele tentou ser o mais calmo possível, tentando imitar o tom de voz de Oliver. Em vez disso, o que saiu de seus lábios foi um tom estranho que ele não sabia se serviria de alguma coisa.

Xavier não disse uma palavra. Alex embebeu o lenço em água e tentou limpar o sangue, tentando contornar os cortes com cuidado. O garoto sacudiu a mão um pouco quando sentiu uma pontada de dor, mas mesmo assim não disse uma palavra. Apenas olhando para Xavier, ele conseguia entender. Foram ferimentos autoinflingidos. Xavier estava se cortando e provavelmente teve sorte, só porque foi estupido o suficiente para não conseguir obter o resultado real que ele esperava. Ele se cortou, percebeu que não funcionou e veio correndo até Alex mais uma vez.

“Por que não sangrou, Alex?” Ele ainda estava limpando-os, pensando que deveria ter derramado álcool sobre eles, já que felizmente o sangue havia parado, quando Xavier finalmente perguntou.

Alex parou e fez um sinal para Xavier, saindo do sofá e se ajoelhando na frente dele.

"Por que o s-sangue parou de d-derramar? Eu pensei que eu—"

Xavier não continuou suas palavras, apenas olhando para Alex com olhos cheios de desespero. De alguma forma, Alex encontrou em si mesmo a inveja das lágrimas. Xavier estava quebrado. Ele estava com dor. Tanta dor até que ele decidiu se cortar. Isso o deixou com inveja, já que ele não conseguia nem se sentir quebrado.

“Porque você deveria ter cortado fundo, não atravessado.” Disse ele em voz baixa. Ele não deveria ter para Xavier, o garoto poderia realmente tentar mais tarde e realmente se matar da próxima vez. Isto é, se o suicídio fosse o que ele realmente almejava. Olhando para a feria, porém, Alex não estava realmente convencido. Todo mundo que tentasse cometer suicídio seria um covarde a princípio. Quando esse momento chegasse, as pessoas deveriam agradecer a seu próprio cérebro por ter algo chamado covardia para detê-los.

E ele mesmo? Ele também seria um covarde quando estivesse segurando a faca com a mão direita novamente?

"Eu t-tentei. Eles d-disseram que isso t-tornará as coisas m-melhores. A-as pessoas disseram—”

Alex balançou a cabeça. Ele encontrou sua mão segurando o pulso ensanguentado de Xavier e outra enxugando suas lágrimas. A ação foi estranha, porque Alex nunca havia feito isso com alguém antes.

“Eles estão errados, Xav. Não melhora nada.”

Xavier soluçou enquanto mais lágrimas continuavam caindo.

“M-meus pais. E-eles não me querem e eu simplesmente não a-aguento mais aquela casa, a-aquele lugar.”

Xavier foi para casa depois de Alex tê-lo mandado embora. Essa culpa o estava corroendo-o novamente. De alguma forma, ele sentiu que parte disso era culpa dele também.

“E e-eles me viram no meu q-quarto, sangrando e você n-nem vai adivinhar o que eles d-disseram.”

Algo se agitou dentro do estomago de Alex. Seu pulso esquerdo coçou novamente e ele engoliu seco. Isso aconteceu há muito tempo. Quando ele e as facas eram amantes. Quando ambos se amavam. Ele nunca falou sobre isso com ninguém, nem mesmo com Scott. O que seu pai disse que mudou tudo, ou pelo menos o fez perceber algumas coisas.

“Eles disseram que você está fazendo isso para chamar atenção. Que esta é sua maneira mesquinha de chamar a atenção deles. Que você é patético e infantil.” Alex disse em um sussurro.

Ele duvidava que foi algo que os pais de Xavier disseram para ele. Era o que seus pais tinham para ele, no entanto. Ele percebeu naquele momento que seus pais não se importavam com ele. Eles não o amavam. Ele era um brinquedo, nada mais. Facilmente substituível, mesmo que fosse para cumprir o que eles queriam. Seu caminho estava traçado à sua frente e não havia nada que ele pudesse fazer para mudar isso.

“E-eles d-disseram que era melhor e-eu morrer de qualquer maneira.” Respondeu Xavier.

O estomago de Alex se revirou. Como um pai poderia ser tão cruel. Tanto os de Xavier quanto os dele. Eles não deveriam amar seus filhos como em todos aqueles filmes e livros didáticos que davam para as crianças? No entanto, sempre havia pessoas como eles, sofrendo com o que seus pais diziam. Os de Xavier o queriam morto. Os de Alex não. Seus pais realmente não o queriam morto, eles só queriam que ele se tornasse um ser nem morto nem vivo, flutuando e acorrentado entre os dois mundos.

E isso era exatamente o que ele estava fazendo.

Ele não estava vivendo ou morrendo. Ele era um zumbi.

Ele simplesmente existia.

Já passava da meia-noite quando Alex terminou de cuidar do ferimento de Xavier, limpando-o e desinfetando-o com álcool. Xavier teve que morder os próprios lábios e agarrou o pulso de Alex com muita força no processo. Ele então cobriu os cortes bem, envolvendo-os em bandagens da melhor maneira que pôde — certamente não estava acostumado com isso, mas julgava ter feito um trabalho decente.

Eles acabaram sentados lado a lado no sofá em silencio, Alex sem saber o que dizer e Xavier ainda se recuperando, olhando fixamente para a televisão na frente deles. Depois de um tempo, o garoto abriu a boca para falar.

“O que?” Disse Alex, realmente não entendendo o que o garoto estava dizendo da primeira vez.

“O que aconteceu com seu telefone e televisão?” Ele perguntou novamente, a voz rouca.

Alex olhou para a televisão, a tela rachada e quebrada como se alguém a tivesse quebrado com um taco de beisebol. Do outro lado da sala estava seu telefone quebrado, tendo sido previamente esmagado contra a parede.

“Eles estavam fazendo barulhos estranhos, então me livrei deles.” Disse ele, dando de ombros. No fim, ele ainda não conseguiu se livrar do barulho pois de alguma forma eles sempre tocariam e continuariam tocando.

Xavier assentiu. Alex suspirou. Ele virou o rosto, olhando para o garoto, vendo como ele parecia tão frágil agora, pronto para quebrar a qualquer momento.

“Xavier, me desculpe.” Disse ele. “Sinto muito por ter ficado bravo com você da ultima vez, eu não queria dizer aquelas coisas. Só estou cansado e não devia descontar em você. Me desculpe.”

Demorou alguns momentos para Xavier registrar suas palavras. Ele parecia tão perdido no momento, mesmo quando virou a cabeça para olhar para Alex. Ele não parecia estar vendo-o e sim olhando através dele. Então lentamente, muito lentamente, Xavier ergueu o canto da boca e sorriu e Alex não sabia o porquê, mas aquele sorriso o lembrava daquela noite na frente da boate. Isso o lembrou de como Xavier era humano, ele podia chorar, rir e sorrir tão facilmente.

“Está tudo bem, eu sei. Você simplesmente não consegue dormir.”

Alex assentiu.

“Eu simplesmente não consigo dormir.”

Outro silencio confortável caiu sobre eles e Xavier passou olhando para ele. Ele abriu a boca então, querendo perguntar algo mas hesitou. Alex ergueu uma sobrancelha, esperando que o garoto se decidisse.

“Alex, posso te fazer uma pergunta?”

Ele assentiu. Provavelmente o garoto percebeu o quanto ele odiava perguntas, duvidando assim de sua escolha de ação. Ainda assim, ele descobriu que poderia tolerar perguntas vindas de Xavier, especialmente agora.

“Você disse algo sobre os seus pais e o que eles disseram. E parece que você entende como é. Como se você...”

Xavier parou, pensando. Ele parecia arrependido de ter dito essas palavras, percebendo que estava se intrometendo demais. Ele parou e fechou a boca, retirando a pergunta, deixando a frase inacabada. Alex suspirou.

“—tivesse feito isso também?” Ele continuou a frase do garoto, enunciando as palavras estrangeiras lentamente contra seus lábios.

Isso. O que era o ‘isso’ de que eles estavam falando? Automutilação, é claro, cortar sua pele como se desse alívio. Sangue. Ele já foi familiarizado com facas. Eles eram amantes, há muito tempo, em seus antigos encontros breves. Mas eles se conheceram mesmo assim. Quando eles se juntavam, o mundo se alegrava por um momento e haviam fogos de artificio diante de seus olhos. Tudo era quente e ele estava fazendo mais do que apenas respirar. Por um momento fugaz, ele se sentia vivo.

Ele afastou a manga de seu moletom no braço esquerdo e o virou para Xavier ver. Não eram tão claras contra sua pele pálida, só sendo visível se você apertasse os olhos com força suficiente ou se passasse o dedo contra a ele. Só então você sentiria os leves e fracos inchaços na pele de seu pulso e braço, cruzando seu caminho como um patinador artístico em um lago congelado.

Xavier estendeu a mão para ele, tirando os dedos para escaneá-los sob seu próprio toque, somente depois de pedir permissão para toca-lo com o olhar. Alex estremeceu com o contado. Fazia muito tempo que não sentia isso, toque humano. Era sempre Xavier que ele podia tolerar. Seria sempre Xavier que o fazia sentir essa pequena corrente de eletricidade, os arrepios e o calor. Era estranhamente reconfortante.

“Meus...meus pais são empresários. Eles administram uma grande empresa de ações.” Disse ele, distraindo-se do toque estrangeiro em torno de sua mão. Ele odiava ser herdeiro. Seu lugar não era em reuniões de negócios e apartamentos chiques e roupas caras e viagens de negócios. Seu lugar era em clubes underground ao redor do país fazendo shows com uma banda ou até mesmo sozinho, cantando com uma guitarra ou violão na mão. “Eles são bem ocupados, sempre foram. Nem me lembro de passar tempo com eles quando era criança.” Tais momentos eram inexistentes. Eles não eram uma família feliz passando um tempo juntos no domingo de manhã. Os Webber eram uma família disfuncional com um jornal cobrindo o rosto de seu pai na maior parte do tempo e um telefone colado na orelha de sua mãe. “Eles nunca se importaram comigo.”

Alex não se lembrava claramente de tudo isso depois de todos esses anos, mas se lembrava de se sentir abandonado e solitário. Ele não podia nem se sentir sozinho agora. Então, novamente, talvez tenha sido tudo isso que o transformou em alguém que não dependia mais dos outros. Pelos menos havia um lado bom disso tudo. Ele não falava disso com ninguém. Seus amigos sabiam que ele tinha dinheiro, mas era simplesmente isso. Todo mundo sabia que ele odiava seus pais, mas hoje em dia, quem não odiava? Scott, pelo menos, sabia que ele frequentou uma escola particular antes e sabia vagamente como isso tinha sido infernal.

“Eu sempre fui sozinho. Escolha particular e sem amigos de verdade. Cursos e horários lotados. Eles até me obrigaram a aprender música clássica. Piano e violino. Você consegue me imaginar tocando a porra de um violino?” Ele disse, sentindo um sorriso se formando em seus lábios. Não era bem um sorriso, mais para uma condescendência. Ele podia sentir os dedos de Xavier traçando suavemente suas cicatrizes, tentando refazer cada uma delas com o toque. “Então, um dia, eu vi as facas na cozinha e pensei que talvez, apenas talvez, fosse bom. As pessoas faziam isso nas séries de TV e diziam que fazia tudo parecer melhor.”

Ele se lembrou da primeira vez que colocou uma lâmina contra sua pele, o fio frio cortando a pele macia, seus dedos agarrando o cabo, tremendo. Ele era apenas uma criança, na verdade. Treze anos.

“Sim, por um momento fugaz.” Ele se lembrou de sua pele abrindo e seu sangue vermelho. Lembrou-se de sibilar de dor antes que a vida o dominasse e antes que percebesse, ele estava voando. Ele não estava feliz, não estava triste, mas estava vivo e isso era mais do que poderia pedir. Foram as ondas que o levaram até a praia, o primeiro beijo com aquela sugestão de língua, as primeiras gotas de chuva contra sua pele. Chega de solidão, de frustração, chega de mundo, só ele e a faca juntos, escrevendo uma história de amor com sangue.

“Doeu no começou, mas logo melhorou. No inicio foi um arranhão até evoluir para cortes maiores e fundos, o sangue pintando a pele como tinta em uma obra de arte.

Isso era errado. Pensar nisso como arte.

“Mas não melhorou, claro, quando meus pais perceberam. Eu fui estupido o suficiente para enrolar um pano em volta e isso chamou a atenção deles pela primeira vez.” Ele não passava de um garotinho na época, pensando em como esconder o que tinha feito, mas acabando atraindo atenção. Ele pensava a mesma coisa que Xavier quando era criança. Por que o sangue parou de derramar? Não deveria continuar funcionando? E com cada gota de sangue derramado, ele se sentiria cada vez melhor, não é?

“Eles disseram que se essa foi minha tentativa de chamar a atenção deles, então ela era realmente patética.”

O Alex criança se lembrava das palavras doerem mais do que os cortes. Ele não tentou chamar a atenção deles, na verdade esse era o menor de seus objetivos. Ele nem mesmo queria que alguém descobrisse, mas o Alex de treze anos era realmente estupido. Naquele momento ele simplesmente soube. Ele era tanto uma criança indesejada quanto Xavier era. Cortar-se não o faria se sentir melhor de verdade, apenas daria a seu pai a satisfação de estar certo. Que ele era patético. Que ele era uma criança solitária, gritando por socorro. Naquele momento ele aprendeu como não deveria pedir por nada. Ele deveria ficar bem sozinho. Ele não precisava de ajuda. Ele não era patético. Ele provaria que eles estavam errados.

Ele nem percebeu que estava sorrindo agora em um gesto de zombaria. Ele nem sequer sabia porque estava falando sobre isso, afinal nunca tinha dito uma palavra sobre isso com ninguém antes, nem mesmo com Scott. Scott que sabia sobre ele e o entendia mais do que qualquer outra pessoa. No entanto, ele começou a sentir que Xavier também poderia, pois o garoto não deu nenhuma resposta, apenas continuou passando os dedos pelas cicatrizes, sentindo cada uma das linhas gravadas no pulso de Alex antes de agarra-lo com força.

Alex ergueu a cabeça, tirando a visão dos dedos que envolviam seu próprio pulso e olhou para o garoto a sua frente. Xavier Sharpe era estranho. Eles se conheceram na situação mais absurda de todas e mesmo assim, aqui estava ele falando sobre algo que nunca deixara ninguém ouvir sobre antes. Aqui estava ele esquecendo seu medo e as vozes horríveis que atormentavam sua vida apenas algumas horas atrás. Tudo simplesmente esquecido porque Xavier estava lá.

“Está tudo bem.” Xavier disse lentamente.

Alex pensou como tudo isso era estranho. Não era Xavier que deveria falar sobre seus problemas ao invés dele? Por que parecia que era ele quem estava sendo consolado? Por que ele era aquele que sentia como se seus problemas fossem lentamente retirados de seus ombros? Por que ele sentia esse calor se espalhando em seu peito?

“Você está bem, Alex.”

Seu pulso não estava mais coçando.

“Você está perfeitamente bem.”

Parecia que estava pegando fogo.

━━━━━━━✦✗✦━━━━━━━

Alex acordou com as pernas de outra pessoa emaranhadas nas suas. Ele acordou com o corpo rígido e as costas doloridas. Ao mesmo, ele estranhamente acordou com a cabeça leve. Não havia dor de cabeça, nem dificuldade de respirar. Seu corpo estava maltratado, mas sua mente estava em paz. Ele abriu um olho e foi quando viu o cabelo loiro de uma pessoa bem na sua frente, dormindo pacificamente em seu peito.

Ele não conseguia sentir o outro braço, sendo preso e usado como travesseiro por quem dormia ao seu lado enquanto o outro estava colocado na cintura da pessoa, com outra mão envolvendo seu pulso. Ele tentou puxar a mão gentilmente, apenas para acordar a outra pessoa. Foi quando ele se lembrou.

Xavier.

Alex se sentou ereto, ignorando o gemido de Xavier e tentando se desvencilhar das mãos e pernas do garoto. Eles tinham dormido no sofá mais uma vez. Xavier se recusava a usar a cama e Alex também gostava de seu grande sofá, preferindo-o como sua cama ao invés da real. Era embaraçoso e totalmente irritante pensar que os dois acabaram dormindo juntos ali, abraçados.

“Ei, levante-se.” Ordenou Alex, gemendo, tentando empurrar Xavier para fora do sofá.

Xavier enterrou o rosto em uma almofada, não querendo se mover e tentou ao máximo se agarrar a ela antes que Alex finalmente se cansasse e o empurrasse com força, deixando o garoto cair no chão com um baque.

“Au! Por que você é sempre tão mau, Alex?” Ele resmungou, esfregando o ponto dolorido em sua cabeça.

Alex revirou os olhos. Xavier se recompôs, se espreguiçando enquanto sentava de pernas cruzadas no chão. Alex apenas ficou sentando no sofá, olhando para o garoto. Ontem a noite, Xavier Sharpe bateu em sua porta enquanto sangrava, chorando e aparentemente prestes a desmoronar. Ontem a noite, Xavier Sharpe o ouviu falar sobre algo terrível que ele havia feito anos atrás, algo que ele nunca havia contado a uma alma viva. Hoje, o garoto estava sorrindo de novo, sendo o pirralho atrevido e irritante que Alex sabia que ele era.

“Seu braço está bem?” Ele perguntou, fazendo um gesto com o queixo.

Xavier ergueu uma sobrancelha e olhou para o pulso enfaixado. Parecia bom aos seus olhos.

“Não faça isso de novo, ok?” Alex disse suavemente.

O garoto sorriu, suave e caloroso, como o pedacinho de luz do sol que ele era.

“Eu não vou, Alex.”

Ele não estava realmente convencido, mas percebeu que não poderia fazer mais nada além disso. Não era como se ele fosse Oliver ou Scott que conseguiam persuadir promessas. Até Alex sabia o quanto ele odiava isso, como se seus amigos estivessem apenas esperando que ele quebrasse.

Alex se levantou e caminhou até a cozinha, pensando no café da manhã. O sol havia nascido e, como sempre, ele não estava muito interessado em saber que horas eram. Ele estava no meio de vasculhar sua despensa quando ouviu a voz de Xavier.

“Podemos sair para almoçar?”

Ele gemeu um ‘não’. O mundo exterior não parecia nem um pouco convidativo, ainda mais a luz do dia. Fechar as cortinas e manter o seu apartamento na penumbra foi feito simplesmente porque ele odiava a luz do sol. Luka uma vez disse que ele era o próprio Dracula reencarnado.

“Vamos lá, Alex, só dessa vez.”

Ele disse não novamente. Por que motivos ele deveria dizer sim? Xavier era apenas um pirralho que ele estava abrigando por enquanto. Por que ele deveria ser ainda mais legal com o garoto? Não apenas isso. Por que ele estava sendo legal com ele em primeiro lugar?

“Por mim, vai.”

Ainda um não. Mesmo que fosse Scott, ele provavelmente não cederia ao pedido.

“Vai me fazer me sentir melhor.”

Alex suspirou. Oh, como ele era hipócrita.

 

 

Ele não sabia bem dizer porque disse sim no final. Provavelmente era o fato de ainda se sentir culpado. Ou melhor, foi o fato de perceber que Xavier precisava de algum consolo e talvez uma simples ida ao restaurante mais próximo garantisse ao garoto exatamente isso.

Ele havia tomado banho e suspirou quando a água atingiu seu rosto. Ele levantou o pulso esquerdo, olhando para as cicatrizes cuja existência ele havia esquecido por anos. Ele se lembrava da sensação muito vividamente, enquanto Xavier as acariciava. Parecia de alguma forma reconfortante e, ao mesmo tempo, parecia que Xavier havia tocando a parte interior e mais sensível dele. Ele se sentia nu agora, mas dizer isso a Xavier o deixou vulnerável, como se ele tivesse exposto tudo o que havia sobre Alexander Webber na frente do garoto. Ele certamente nunca tinha feito isso antes.

Xavier tomou banho depois dele, pegando roupas emprestadas. O garoto cantarolava debaixo do chuveiro e Alex apenas ficou sentado em seu sofá, esperando, o tempo todo olhando para sua televisão quebrada. Engraçado, poucas horas antes da chegada de Xavier ele estava enfiado em seu próprio quarto, apavorado, nem mesmo se atrevendo a abrir os olhos. No entanto, aqui estava ele se sentindo seguro, ouvindo outra voz atrás de sua porta que não era um sussurro ou a sua.

O garoto estava radiante quando abriu a porta do apartamento e Alex achou difícil acreditar que na noite passada aquele mesmo Xavier estava parado na frente dele, sangrando e chorando. Ele agia como se nada tivesse acontecido e Alex não sabia se aquilo era bom o ruim.

Pelo menos foi um bom sinal para Alex porque sua dor de cabeça habitual não veio marchando. Ele pisou para fora de casa e encontrou seu entorno ainda suportável ao seu gosto. Ele podia ficar fora de seu apartamento por um dia. Será que ele aguentaria o elevador que detestava agora? Mesmo esperar por ele já o fez gemer, batendo o pé no chão com impaciência.

“Por que você odeia tanto sair de casa, Alex?”

Ele realmente não sabia por quê. Nunca tinha parado para pensar nisso.

“Tenho dores de cabeça sempre que saio.” Respondeu ele, pondo as mãos nos bolsos da jaqueta.

“Você parece bem agora.”

“Hoje é uma exceção.”

“Ah, é por minha causa? É porque estou perto que você está bem hoje, não é?”

Alex zombou.

“Cale a boca, pirralho.”

Xavier exibiu outro sorriso enorme e ele sabia, mesmo sem virar a cabeça. O elevador finalmente parou e se abriu. Ele estava prestes a suspirar de alívio e entrar quando seus olhos encontraram outra coisa, bem quando a porta estava se abrindo. A visão o deixou estupefato.

Era Percy. Claro que era. Seu vizinho barulhento que vivia esquecendo as chaves de casa, estupido e desagradável. Ele estava com outra pessoa, uma garota, e a principio Alex não percebeu quem era. Na verdade, não importava de verdade porque o que o incomodava era ver o que Percy estava fazendo com a outra pessoa.

Percy estava beijando a garota, bem no meio do elevador. Ele estava agarrado nela, uma mão na cintura e outra segurando o rosto dela. O casal nem perceberam que o elevador havia parado, a língua deslizando contra os lábios um do outro com respirações quentes e pequenos gemidos soando no ar.

Algo se revirou dentro de Alex. Ele teve um grande desejo de se virar e fugir, mas ao invés disso ele apenas tossiu alto o suficiente para eles ouvirem.

Ao ouvir isso, a garota rapidamente saltou para trás, se desvencilhando do alcance de Percy, que virou para Alex e Xavier com um sorriso estupido.

“Oh, oi Alex.”

Ele realmente não achava que veria seu vizinho estupido se pegando com alguém dentro do elevador, ainda mais a luz do dia. Claro que tinha que ser o elevador, com certeza seria. O próprio Alex tinha feito coisas estupidas dentro da chata viagem de elevador, mas ele certamente não deixaria o show continuar para o resto do prédio.

“Você tem que admitir que foi meio sensual...” Murmurou Xavier atrás dele.

“Deus, cale a boca, Xav.” Alex sibilou, cutucando o garoto com o cotovelo.

“Oh, Xavier também? Desculpe, não vi vocês ai.” Disse Percy, rindo. Ele agarrou o pulso da garota e a puxou para fora do elevador. Só então Alex percebeu que era Bianca, a garota de antes.

Algo frio desceu por sua espinha. Ele ainda se lembrava vividamente de como Bianca tinha olhado para ele, com medo claro imprimido em seu rosto. Era apenas imaginação ou Bianca era tão louca quanto Percy?

“Não faça isso no elevador.” Alex disso, enquanto entrava rapidamente no elevador, Xavier logo atrás.

“Então você tem uma namorada hein, Percy?” Comentou Xavier. Alex teve vontade de dar um tapa na nuca dele.

Sua mente ainda estava processando o que ele acabou de ver, mas seus olhos estavam voltados para Bianca. Havia outra parte de seu cérebro que o lembrava daquela inquietação de antes, o olhar apavorado e a sensação estranha que o deixava desconfortavel também. Havia algo assombroso naquele olhar e ele estava tentando obter algum tipo de informação, perguntando a garota ou provavelmente vendo se ela faria a mesma coisa agora.

Bianca por outro lado apenas olhava para o chão, se sentindo envergonhada e tentando evitar o olhar de Alex.

“Não se importem com a gente.” Riu Percy, mostrando a língua.

Xavier riu enquanto a porta do elevador se fechava. Os olhos de Alex ainda estavam em Bianca, a garota parada ao lado de Percy e finalmente se virando para ele. Mesmo quando a porta do elevador estava se fechando, Alex não havia desviado o olhar de Bianca. A garota certamente estava tentando evitar olhar para ele, mas por uma fração de segundo ela ergueu a cabeça, lançando um olhar rápido para ele.

O coração de Alex acelerou.

“Tchau Alex, tchau Xavier. Ainda temos que marcar de nos encontrar.” Percy disse, desta vez acenando a mão antes que a porta do elevador se fechasse por completo.

Com a mesma facilidade Percy e Bianca finalmente sumiram de vista. Algo arranhou o fundo de seu estomago. Por aquela fração de segundo, Bianca lançou um olhar para ele, olhando-o diretamente. Alex cerrou o punho, seu coração batendo rápido e suas palmas suando. Não havia dores de cabeça, mas ele ainda estava se sentindo inquieto.

Xavier percebeu isso. “Ver o Percy beijando alguém te chocou tanto assim?”

Não era realmente a pergunta certa, mas era melhor do que um 'você está bem' que Alex estava cansado demais para ouvir. Ele engoliu em seco, tentando se acalmar. Ele estava se sentindo bem hoje, não estava? As vozes e o medo pararam com a chegada de Xavier. Não havia nada para ele temer. Sem telefone, sem televisão, sem sussurros e palavras.

Mas havia Bianca, e a garota era a mais evidente de todas as coisas que ele poderia pedir. Ela era mais real do que os sussurros jamais poderiam ser.

“Não foi isso,” Alex disse suavemente.

Não foi ver o beijo. Essa parte foi insignificante. Foi ver o mesmo medo escrito claramente no rosto de Bianca. Desta vez, ele de alguma forma entendeu e pôde ver. Alex acabou de perceber, mas Bianca não estava claramente com medo dele, nem que ela estava com medo de algo que pudesse estar atrás dele.

Não, a garota certamente não estava com medo dele. Ela estava com medo por ele.

 

 

Ele estava olhando para Xavier comendo metade de um Big Mac com uma simples mordida. Eles haviam acertado com o restaurante mais próximo e aconteceu que McDonald estava localizado logo na esquina de seu prédio. Seu carro ainda estava sendo consertado e eles praticamente não poderiam ir muito longe de qualquer maneira. Alex sentiu como se tivessem passado anos (ou provavelmente séculos) desde que ele se aventurou lá fora. Se de repente os carros pairassem na rua e o ciborgues vagassem pela terra quando ele finalmente decidisse ficar lá fora por Deus sabe quanto tempo, Alex não ficaria surpreso. Era outono e apesar das folhas caírem, ele teve que lidar com o vento frio que soprava por eles. O bom foi vestir uma jaqueta grossa com um cachecol extra, enrolado no pescoço. Ele odiava o frio (e praticamente tudo neste mundo).

Xavier estava com um apetite enorme e o próprio Alex não comia muito. Ele se sentou na frente do garoto, comendo algumas batatas fritas e de alguma forma ele se sentiu satisfeito só de ver Xavier comer.

Sua mente, ao mesmo tempo, estava em outro lugar. Ele estava pensando em Bianca, como a garota estava olhando para ele. Era como se ela pudesse ler sua mente e soubesse como estava apavorado, como se soubesse do telefone e dos sussurros. Ela era um paranormal ou algum tipo? Ela poderia ler sua mente ou algo assim? Alex não acreditava nisso tanto quanto acreditava em fantasmas, mas a mesma coisa o deixou curioso.

“Você não sabia que o Percy namorava, sabia?”

Alex ergueu a sobrancelha. Esse foi um tópico estranho vindo de Xavier.

“Não, eu não. E eu realmente não me importo muito.” Disse ele.

“Mas parece que você está pensando sobre isso, Alex.”

Ele zombou. Uma vez ele pensou que Xavier poderia ler sua mente, mas desta vez ele certamente não parecia poder.

“Não estou pensando nisso.”

Mas, em vez disso, colocou seu cérebro em movimento. Havia algo perturbador ao ver a cena. Apenas saiu estranho para ele. Não desconfortável, porém, porque ele acreditava que não pensaria que Percy seria mais estúpido ou mais estranho do que já era agora. Talvez fossem os gemidos suaves de que ele se lembrava muito bem, os pequenos ruídos que saíam de ambos. Ou talvez como ele se lembrava da mãozinha de Bianca, agarrando a camisa de Percy, com a própria mão do último traçando a mandíbula da garota enquanto suas línguas vagavam—

“Você não está excitado ao ver isso, está Alex?”

E Alex que se dane porque ele era realmente um hipócrita. Ele disse que não estava pensando ainda, estava agora assim que Xavier perguntou. Ele pensou que Xavier tinha feito um péssimo trabalho ao ler sua mente antes, mas ele estava sendo tão bom nisso agora.

"Eu não estou!" Alex disse imediatamente.

Xavier lhe deu um sorriso.

“Oh Alex, você é tão privado sexualmente? Não me diga que o grande Alex Webber é sexualmente frustrado.”

De fato, fazia tanto tempo. Ele não tinha estado com ninguém por meses. Desde que ele se exilou em seu próprio apartamento, ele certamente não fez nada perto de aliviar qualquer tensão sexual, mesmo sozinho. Ele simplesmente não pensou, precisou ou quis. Então, novamente, vendo Percy e Bianca hoje apenas—

“Cale a boca e termine seu Big Mac em dois minutos. Se quiser, compro um segundo para você.”

Foi um desafio muito fácil para Xavier, mas pelo menos o fez comer rápido e o mais importante de tudo, manteve sua boca ocupada. Ele claramente não precisava do garoto para envergonhá-lo mais do que tinha feito com nada além de simples palavras.


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