Convergencial escrita por Cosmic Madness


Capítulo 2
O Primeiro Dia Santo


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Só queria avisar que eu demoro mesmo para responder os comentários, porque sempre deixo para respondê-los próximo de atualizar a história. Posso demorar, mas sempre irei respondê-los.
Espero que gostem da leitura! ♥



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O primeiro dia Santo tinha uma aura de misticidade auspiciosa. Sendo o início de um novo ano, a cidade levava mais tempo para despertar. As ruas ficavam vazias até o meio-dia, muito provavelmente porque as pessoas ainda estavam de ressaca. Era uma data celebrada na escuridão da noite, quando a madrugada parecia eterna, até que o sol aparecesse com seus raios iluminando o que seria apenas mais um dia comum. E dias comuns são decepcionantes.

Eleonora não participou das festividades. Em sua cidade natal a data não era um feriado, então as comemorações eram mais comedidas pois depois viria um dia de trabalho como qualquer outro, ao contrário da Cidade Sagrada que jamais o deixaria passar em branco. Mesmo assim, Eleonora também aproveitou o fato de não precisar abrir a floricultura de manhã cedo, e, contraditoriamente, trabalhou até mais tarde.

Ela havia fechado a floricultura no fim do horário comercial, após um excelente dia de vendas. Fosse para presentear pessoas queridas ou enfeitar os eventos da noite, tivera um número nitidamente maior de clientes. Agora no cômodo que usava como laboratório, a alquimista folheava um de seus cadernos de anotações. A festa na rua começara há não muito tempo, mas o barulho, alto mesmo com as janelas fechadas, não atrapalhava sua leitura. Ela não precisava de muita concentração, já tinha lido e relido tantas vezes que poderia recitá-lo de cor. E de qualquer forma, a sintonia com o balcão de alquimia sempre parecia tirá-la da esfera do mundo comum.

Eleonora estava diante de um balcão de mármore claro com um esquema energético simples. Alquimia era uma forma de magia mais concentrada e incisiva que as demais. Não deixava muitos resquícios no ambiente porque era quase totalmente absorvida pelas substâncias que manipulava. Quatro símbolos desenhados em cada borda da mesa identificavam os elementos e ela havia separado seus ingredientes conforme as suas intenções. O esquema não era estritamente necessário, mas era sempre útil em novos feitiços, como se estivesse dizendo à magia o que queria fazer antes de começar. Embora aquele feitiço não fosse exatamente novo, precisou substituir alguns ingredientes por outros e preferiu agir pelo método básico. Um ramo de alfazema com o cheiro doce e agradável de sempre estava no símbolo da terra, um elemento firme, pois precisava de algo que aliviasse as mazelas do corpo substituindo a sete-sangrias. Triturou-o com as mãos, murmurando palavras que serviam mais como método próprio do que como feitiço em si, e pôs o pó sobre o símbolo da água. Sua mão vagou até a mistura de endro e sálvia no símbolo do fogo, mas não o tocou. Eram plantas que fortaleciam a vontade do espírito, e isso era o que ela queria destruir. A mistura das ervas queimou lentamente sob um fogo invisível, e Eleonora usou a fumaça em sua poção.

Eram os toques finais do seu feitiço, que não tinha nem lhe tomado muito tempo. Ainda eram 2h da manhã e estava bastante adiantada. Tirou da gaveta uma faixa prateada fina, de uns 2 cm de largura, e a enrolou no antebraço. Pegou uma agulha, mergulhou no líquido incolor e arranhou a ponta de um dedo com ela. A dormência foi imediata, espalhando-se rápido. Em instantes já não conseguia mover os dedos. Como esperado, sua magia não se espalhou para além da faixa amarrada no braço. Com tranquilidade, Eleonora administrou o antídoto e esperou seu efeito antes de remover a faixa.

Eleonora passou uma boa meia hora preparando a encomenda sem pressa. Pela música e as risadas, a festa ainda estava longe de acabar. Faltando 15 minutos para as 3h da manhã, ela já tinha tudo em ordem no laboratório. Devolveu o caderno à estante, que era a coisa mais organizada e bem cuidada em sua casa. Já estava usando um macacão jeans sobre uma blusa escolhida sem muita atenção, mas como a noite estaria fria, pegou um casaco também. Prendeu com firmeza o cabelo escuro bem penteado, tirando uma folhinha de manjericão que devia ter se enroscado nos fios quando foi colher as plantas que precisava. Os cabelos presos deixavam em evidência o rosto fino, a pele negra clara e os olhos escuros que, conferindo o relógio, não demonstravam a menor preocupação pelo horário inconveniente daquela negociação.

Conferiu uma última vez as ampolas de vidro no pequeno estojo na mesinha ao lado da porta. Tudo em ordem, Eleonora saiu pela porta que dava para a viela atrás da casa em vez de sair pela porta da floricultura. Seguiu até chegar na avenida, onde as ruas fechadas para veículos estavam cheias de pessoas brindando e ouvindo música, e nuvens de giz colorido formavam uma neblina etérea pela rua, mudando a cor das luzes dos orbes flutuantes sobre a rua.

Eleonora admitia que a festa era bonita. A neblina colorida fazia com pessoas surgissem e desaparecessem rapidamente. Famílias se mantinham às margens da rua, onde o ar estava menos espesso e não perderiam as crianças de vista. Uma mulher abraçou o namorado e lhe deu um beijo no rosto, desaparecendo na névoa com um sorriso brincalhão quando ele se virou para retribuir, e ele a seguiu em uma espécie de brincadeira. Era uma visão agradável, mas Eleonora se manteve nas calçadas, pois acabaria esbarrando em alguém.

Pouco tempo depois, ela saiu da Avenida Comercial. As ruas menores não estavam imersas na neblina, mas ainda tinham famílias comemorando a portas abertas com os vizinhos ou pessoas com as roupas cheias de giz dando uma pausa da festividade. Eleonora deu dois toques em suas roupas, comandando os vestígios da festa para longe em uma nuvem colorida bem menos interessante do que aquela de que tinha saído, e para a qual logo retornou. Quanto mais se afastava, menos pessoas e comemorações via. Essas ruas pequenas eram quase totalmente mundanas, aquele tipo de festa não as alcançava, então os moradores se juntavam à comemoração longe de suas casas. Certificou-se de que estava sozinha antes de adulterar brevemente um dos orbes, que piscou uma vez e se apagou, mas permaneceu flutuando, e aguardou no beco ao lado. A pessoa que esperava apareceu em menos de um minuto.

— Que hora excelente... — André murmurou com um sorriso supostamente agradável. Suas roupas manchadas de giz chamaram a atenção de Eleonora, que estranhou o fato dele ter passado pela festa antes daquela pequena transação. Ao perceber o que ela olhava, André supôs erroneamente que tinha interrompido a comemoração dela. — Mas eu sinto muito por ter feito você trabalhar no dia de hoje.

Eleonora não mudou a expressão desinteressada nem respondeu nada que o encorajasse a fazer outra encomenda tão cedo. Apenas estendeu o pequeno estojo, mas quando ele fez menção de pegar, ela recuou. Estendeu a outra mão esperando o pagamento. André suspirou, retirando em seguida um maço de dinheiro do bolso do casaco. Ele deveria estar mesmo ocupado, já que não contou as notas de forma desnecessariamente lenta apenas para tentar irritá-la sem sucesso como sempre. André a entregou o que devia e recebeu o estojo, conferindo rapidamente as ampolas de vidro no interior.

— Tem a nossa gratidão. Mas gratidão não é bem o que lhe motiva, né?

E aí estava o cinismo de sempre. Naquele momento, Eleonora achou que responder seria adequado.

— Quando eu puder pagar contas com gratidão, receberei com o maior prazer.

— Promete?

Eleonora o encarou seriamente, esperando que ele percebesse sozinho a resposta que tinha. De todas as pessoas com quem fazia negócios em Sagrada, André era o mais desagradável. Ele tinha um falso jeito simpático e amigável que sempre se convertia em uma tentativa de criticar o fato de cobrar por suas poções ou tentava conseguir uma promessa dela. Felizmente, Eleonora tinha vivido o bastante com mundanos para saber evitar armadilhas verbais. Ela não fazia promessas.

— Boa noite — respondeu, por fim, afastando-se pelo caminho de volta.

Já bem menos impressionada com a comemoração, o retorno para casa foi rápido. Entrou pela porta dos fundos e estava prestes a subir, mas a porta que separava a área da escada da floricultura estava entreaberta. Eleonora espiou pela fresta, descendo a mão para a faca que sempre levava consigo quando encontrava clientes como André, mas não viu ninguém. Não era incomum esquecer aquela porta aberta, ela só trancava a entrada e a porta dos fundos, e seu apartamento em cima tinha uma trava mágica, não precisava se preocupar. Mesmo assim, conferiu a entrada na vitrine que estava trancada como todas as noites. Mas voltando para a escada, viu um papel no balcão da loja com uma caligrafia que não conhecia.

Cara Eleonora,

Se a magia fosse para os mundanos, ela os teria escolhido.

O invasor obviamente não havia assinado o bilhete. Através da vitrine havia apenas a névoa colorida, e o mistério dos rostos que ela escondia não era mais tão atrativo. Pensou sobre as implicações daquele bilhete. Tinha irritado alguém que não conhecia e ela não gostava disso. Era uma pena, considerando que estava há tão pouco tempo em Sagrada. Com as entradas trancadas, pensou se não tinha sido um dos clientes a deixar aquilo enquanto ela estava distraída. Não fazia sentido, mas só no dia seguinte entenderia o porquê. Por enquanto, aquele aviso cordial era apenas isso: um aviso. Teria tempo para pensar enquanto não fizesse negócios com mundanos outra vez.

Eleonora subiu para o quarto pensando em colocar uma tranca mágica na loja também no dia seguinte. O mundo estava se tornando um lugar estranho demais para portas de vidro e fechaduras de metal passarem alguma segurança.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Eu tenho um problema enorme chamado "deixar tudo mais complicado do que deveria ser". Nessa fic a neura foi com o calendário, então está decidido que o calendário da fic é diferente. Aparentemente eu errei uma conta e agora o ano tem 361, não vou corrigir.
Até a próxima! ♥