Dangerous escrita por Mia


Capítulo 1
Capítulo 1




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Eu nunca me senti cem por cento imortal.

Durante a minha vida inteira, sempre me vi em um limbo. Dividida entre dois mundos. Circulando entre eles como uma espiã, uma convidada, alguém que nunca pertenceu-os completamente. Uma estranha.

Eu sei que sou especial. Sempre soube. Ouço isso diariamente, dos meus pais, dos meus tios, de toda a minha família. Sou um milagre. Uma raridade em nosso mundo. Sou única.

Só que ninguém nunca me disse o quanto isso seria solitário.

Não me leve a mal, eu amo a minha família. Eles sempre fizeram de tudo pra que eu tivesse a melhor vida que uma criança poderia ter. Acontece que… bem, eu não convivi com outras crianças. Não conheci o mundo mortal, por mais que este me deixe tão curiosa; não fui como eles.

Quanto mais eu crescia, mais fui afastada do meu avô. Comecei a ser impedida de vê-lo, de estar com ele, de ouvir e viver em seu mundo tão comum. Ele desconfiaria do meu crescimento, afinal. Começaria a notar alguns traços diferentes em mim. Ele perceberia a verdade.

O fato é que eu não me importo. Nunca me importei. Não estou nem aí para os Volturi, para a forma como eles querem controlar a maneira como vivemos. Nunca achei certo o que eles fizeram, nunca apoiei a maneira suja como agiram com meus pais. Estou pouco me importando com eles.

É por isso que neste instante estou caminhando pela floresta, a poucos metros de Forks. Vovô faz aniversário hoje, e quis fazer uma surpresa para ele. Preciso vê-lo. Mesmo que minha família não apoie, mesmo que todos digam que é perigoso e que os Volturi podem aparecer, eu não ligo. Preciso vê-lo. Sinto falta dele.

Meu cabelo balança em minhas costas conforme ando, tão comprido que sinto-o por toda a minha coluna. Estou tranquila, pisando sobre os galhos secos e caminhando normalmente. Apesar disso, meus ouvidos conseguem captar cada mínimo ruído ao meu redor; como uma maquina.

É estranho o modo como funciono. Às vezes ajo como humana, devagar e reflexiva. Mas às vezes meus movimentos me enganam, agindo mais rapidamente do que prevejo. Enquanto não me tornar imortal, serei assim; um misto entre as duas coisas. Metade humana, metade vampira. Tudo e nada.

Paro quando alcanço a terreno, apoiando-me numa árvore para observar. Vejo sua casa, noto quando Charlie aparece sobre a janela e coloca algo sobre o balcão. Imediatamente, meus ouvidos captam o que está acontecendo lá dentro.

— Comprei mais para o jantar de hoje — Charlie diz. — Podemos fazer o doce que você queria.

Ouço passos, e então outra voz, de Sue.

— Está ótimo. Quer ajuda para guardar?

Fico ali por mais um tempo, escutando-os. Quando os ruídos se cessam e Charlie se afasta da janela, percebo que é um bom momento para anunciar minha presença.

Com rapidez, me impulsiono em direção à casa e toco a campainha. O som reverbera pelas paredes, e me afasto conforme ouço Charlie gritar lá dentro: “Pode deixar que eu atendo”

Espero com ansiedade. Estou quase mordendo os lábios quando a porta se abre.

A expressão de Charlie transforma-se imediatamente. Seus olhos se arregalam, a boca se abrindo num perfeito O. Ele fica estático por um momento, então sussurra:

— Renesmee? Oh, meu Deus. Você está… enorme.

Como ele continua parado, completamente sem reação, resolvo me aproximar, e dou-lhe um abraço apertado que o pega desprevenido.

— Eu estava com tanta saudade! — exclamo, contente por poder abraçá-lo e sentir seu cheiro.

— Eu… eu também, querida — Charlie responde, meio desajeitado. Quando me afasto, ele me olha com confusão. — Onde… onde esteve esse tempo todo? Está tudo bem? Caramba, você está grande demais! Está com quantos anos, treze?

Abro um sorriso amarelo. Não quero confessar a ele que completei dezoito anos recentemente. Com certeza seria um choque muito grande, por mais que eu não pareça nem um pouco com uma garota de treze anos.

— Vamos, entre! Vou avisar a Sue que você está aqui.

Vovô ainda parece desestabilizado conforme me chama para dentro e fecha a porta. Quando entro na casa, tudo parece exatamente igual a como estava da última vez. O que é estranho para mim, pois minha mente se desenvolve com a mesma velocidade que meu corpo; então, às vezes, fico com a impressão de que o tempo é acelerado para as pessoas também, embora seja apenas uma ilusão. Eu me altero rápido, mas o resto do mundo permanece igual.

— Renesmee! Ah, que surpresa! — diz Sue com um sorriso, aproximando-se de mim. — Você está enorme e muito linda! Como vão as coisas?

Trocamos um abraço rápido, e em seguida Sue me guia para a sala; onde aproveito para me sentar no sofá.

— Está tudo bem. Senti tantas saudades de vocês. Queria ter vindo antes, mas… não deu.

Charlie se senta na poltrona em minha frente, arqueando a testa em desconfiança.

— Sua mãe sabe que você está aqui?

Abaixo a cabeça, sem querer responder. Isso entrega tudo. Charlie solta um suspiro alto, passando a mão pelo cabelo.

— Renesmee, você não pode vir aqui sem avisar. — Seu tom é duro, repreensivo. — Seus pais vão ficar preocupados. Todos eles vão.

— Está tudo bem — eu digo baixinho, embora com firmeza. — Jacob sabe que eu vim. Tenho certeza que vai avisar a eles.

Charlie não diz nada, mas seu olhar preocupado permanece no rosto. Sue se aproxima dele, colocando as mãos em volta dos ombros do marido.

 

— Sentimos saudades de vocês. Nunca mais apareceram para visitar… — ela comenta, e eu assinto, desconfortável.

— Pois é. As coisas são… complicadas.

Charlie bufa, desviando o olhar.

— Complicadas — resmunga. — É sempre isso que ela diz quando eu ligo. Sempre complicadas.

— Eu vou tentar fazê-los vir, prometo — eu digo com pressa, embora sem muita convicção. — É só que… bem, tem algumas coisas que não se pode explicar. Envolve pessoas estranhas. Mas vocês sabem que eu estou bem, não sabem?

Charlie me analisa antes de responder, ainda meio emburrado.

— É. Está. Apenas dez vezes maior do que eu me lembro.

Dou risada. Esse é o bom de ainda não ser imortal. Não tenho os olhos vermelhos, e meu coração ainda bate. Posso dormir e comer e fazer qualquer coisa que um humano normal faz. É mais fácil disfarçar. É mais fácil estar entre eles, me misturar em suas vidas. Ainda que meu crescimento desenfreado seja um ponto negativo. Mas depois… tudo vai mudar. E eu não estou pronta para isso. Me pergunto se algum dia vou estar.

— Pois é. As coisas são um tanto… estranhas, às vezes — eu digo para vovô.

Ele assente, olhando para mim. Posso notar sua expressão se suavizando, até que diz simplesmente:

— Gostei que veio.

Um sorriso surge em meu rosto.

— Também gostei de ter vindo.

— Jacob veio aqui mês passado — Charlie conta, ainda sério. — Mas até ele anda distante. Tem certeza que está tudo bem?

Confirmo com a cabeça.

— Sim, vovô. Claro. Só acho que ele anda ocupado ultimamente com algumas coisas. Não é nada pessoal.

Pensar em Jacob também é um assunto delicado. Não faz muito tempo que sei sobre o impriting; até porquê, eles não conseguiriam esconder de mim por mais muito tempo. Eu já desconfiava. A forma como Jake sempre esteve próximo sempre me soou mais como uma obrigação do que qualquer outra coisa. Eu sinto como se ele fosse um guarda pessoal ou algo assim. Como se não estivesse ali por vontade própria, mas sim que uma força interior o estivesse obrigando. Eu não gosto. Nunca gostei. Uma das coisas que mais prezo no mundo — mesmo sendo jovem demais para isso —, é a liberdade de nossas escolhas. Não existe nada mais libertador do que isso.

Por sorte minha família não fala no assunto. Todos nós ignoramos, como se a coisa não existisse. Conforme cresci, Jacob permaneceu estando por perto, jogando cartas comigo e me contando sobre o mundo. Mas agora sua presença não é mais constante. Completei dezoito anos, e, desde então, parece que a ficha de todos está caindo. Começaram a notar que eu não sou mais a criança de meses atrás. Meu corpo e minha mente amadureceram. E eu entendo o quanto deve ser difícil para eles aceitar isso, o quanto deve ser difícil entender que, em tão pouco tempo, me tornei uma jovem.

Meu pai costuma dizer que estar comigo é me ver mudar constantemente. Que a cada dia pareço ser alguém novo, diferente, cuja mente muda junto do corpo. O fato também foi difícil para Jake. Não acho que ele está lidando muito bem com essa mudança abrupta. Minha família sabe que minha imortalidade está cada dia mais próxima, e, desde então, Jacob tem se afastado um pouco.

Mas o mais chocante de tudo é que eu não me importei. Jake sempre esteve por perto, literalmente como um guarda-costas. Mas agora minha liberdade é maior. Posso andar por onde quiser, fazer qualquer coisa que eu desejar. Sinto-me adulta pela primeira vez. E Jake, querendo ou não, tem exatamente o mesmo pensamento que meus pais. A mesma ideia absurda de que eu preciso ser cuidada e protegida, quando na verdade eu não quero isso. Nunca quis.

Não sei como essa coisa de imprinting funciona, mas evito pensar nisso. A ideia de ser presa a alguém por um laço mágico me soa absurda. E seja como for, o papel de Jacob em minha vida é claro como o papel. Ele é meu protetor. Meu irmão. Um amigo que sempre estará lá por mim.

Mas apenas isso.

— Peça para eles virem mais vezes — Charlie pede. — Todos eles.

Mesmo que ele não complete, posso enxergar em seus olhos o quanto isso é importante para vovô. Posso enxergar o quanto ele sente falta de mamãe, da presença dela. Consigo ver o quanto isso lhe afeta.

Quando assinto para seu pedido, um pensamento surpreendente me invade: seja como for, mesmo quando a imortalidade finalmente chegar para mim, não deixarei que isso mude. Não abandonarei vovô.

E é neste instante que percebo o quanto levo isso a sério. Não importa o que eles digam, não importa quais regras absurdas temos de seguir por culpa dos Volturi. Não irei ceder. Não irei me esconder.

Lutarei pelo que é importante para mim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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