O ciclo vicioso de outubro escrita por Caroline Ishida Date


Capítulo 2
Capítulo Único: Baía de Porcos




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Às vezes, o medo é um aviso. É como se alguém pusesse a mão no seu ombro e dissesse: NÃO DE MAIS UM PASSO.

— Anne Rice

 

Início do ensino médio, se não me falha a memória. 1º ano, primeiros dias do mês de outubro. Eu estava saindo do colégio e estranhei ao ver corujas negras voando pelo céu e pousando nos telhados e prédios. Sabe aqueles filmes de Hollywood mostrando corvos, como algum indício de maus presságios? Mesma sensação estranha que senti naquele momento. Ainda mais que… corujas? De dia? Algumas poucas pessoas fizeram breves comentários em relação às aves, mas nada além disso.

Voltei para casa e continuei a minha rotina normal: almoçar, tirar meu uniforme já que não teria nenhuma aula no período vespertino, trabalhos escolares e afazeres domésticos. Clichês para estudantes do ensino médio!

O problema foi durante todo aquele mês na hora de dormir… se é que eu poderia chamar de sono. Pesadelos atrás de pesadelos: poderia ser de cães sendo atropelados à pessoas sendo abusadas sexualmente e escravizadas. Eu gritava uma noite ou outra, mas quando novembro chegou, meus pesadelos acabaram.

No outubro seguinte, todo o processo iniciou-se novamente em um bizarro ciclo vicioso. Corujas negras voando pelo céu, independente de qual fosse o horário. E em todas as vezes que eu acreditava que os pesadelos não poderiam piorar, piorava e muito!

Em um dos sonhos, eu andava em uma trilha como se estivesse viajando normalmente com algum grupo em alguma cidade legal dentro do Brasil, só que estava tudo escuro e paramos em um cemitério. Nos sentamos, como se estivéssemos em uma palestra, mas como em qualquer cemitério, eram apenas tumbas ao nosso redor. Eu acordei gritando, após um fantasma esquisito voar para cima de mim dentro do sonho.

O ciclo vicioso retornou no 3º ano. É. É zoado: 3º ano no ensino médio e 3º ano de corujas negras e pesadelos em outubro. O bizarro é que durante esse ano, todos os pesadelos envolviam brigas de porcos, o que acreditei que fossem relacionados à mesma época em que eu havia conhecido a música Bay Of Pigs da banda Civil War. Um Heavy Metal maneiro, até que eu me traumatizei com a música - a mesma estava presente em alguns dos pesadelos. Ao mesmo tempo que apareciam porcos e suas respectivas brigas cruéis – uma bizarra baía de porcos –, aparecia também uma figura estranha. A escuridão estava sempre ao seu redor, eu conseguindo ver apenas um crânio com um par de chifres avermelhados. Ora, longos cabelos ruivos pareciam lhe acompanhar também, ora apenas fumaças tampando grande parte de seu corpo e seus pequenos servos. Zumbis? Provavelmente.

No dia 31 de outubro, os pequenos servos começaram a chorar para a lua, dessa vez nítida e iluminando uma grande plantação de milho. Minha mãe disse que eu chorava absurdamente, quando precisou vir me acordar. Nunca mais passei próximo a qualquer plantação. Fiz acompanhamento psicológico, mas tive que passar por 2 profissionais diferentes.

Eu consegui a vaga para início do primeiro tratamento em janeiro, que logo comecei. Bom, fiquei de janeiro a agosto conversando com um cara que não prestava atenção em nada que eu falava. Sabe quando entra por um ouvido e sai pelo outro? É bem isso… 

— Cara, estou tendo um problema sério com pesadelos. Pior que as garotas que eu conheço que foram abusadas sexualmente, mas que trauma é esse que eu tenho?

— Você já sofreu abuso? – Ele me questiona, com os olhos arregalados.

— Não! É o que estou falando. Que trauma é esse que eu tenho que me faz ter tantos pesadelos? E é tão específico nos meses de outubro…

Não estou zoando: a mesma conversa ocorreu em várias consultas. Não foi apenas uma única vez enquanto ele ainda estava me conhecendo. Resultados deste tratamento? Nenhum.

Fiquei meses ali, por insistência de minha família. Até outubro. E ainda nenhum resultado, por mais que eu estivesse tendo novos pesadelos com aquele ser…

Fiquei ali até meados de outubro, quando o corno desgraçado do psicólogo pouco se importou com minhas palavras: 

— Eu acordei com minha família me levando ao pronto-socorro. A entidade fez que eu cortasse meus braços com facas e isso rompeu alguns nervos e tendões. Minha casa ficou cheia de sangue naquele dia e estou aleijado do braço esquerdo.

Minha mãe fez toda a questão que eu continuasse com acompanhamento profissional, especialmente após o acidente bizarro comigo. Ela estava receosa quanto a me levar logo em um psiquiatra, pois ela não queria que eu dependesse de medicamentos fortes desde tão novo. Ela queria algum resultado que adiasse o máximo possível qualquer medicamento psiquiátrico e qualquer transtorno esquisito. 

— Os medicamentos dos braços já podem agredir os rins e o estômago! Não é bom tomar tanto remédio de uma única vez! Nem quero que você fique taxado como doido para atrapalhar seus estudos, trabalho e até relacionamentos e diversão. Você precisa viver um pouco…

Eu via em seu olhar que aquilo era um sentimento verdadeiro. A melhor opção? Não tenho certeza, mas ela realmente estava preocupada com toda a situação. Só que os anos se passaram, e mesmo que eu tenha ficado anos em um único psicólogo (finalmente, né), ainda não obtive resultados interessantes o suficiente ao padrão de minha mãe. Meu pai conseguiu vaga em um dos melhores psiquiatras da cidade, que investigou a fundo o meu caso. 

O psiquiatra nomeou o meu pesadelo mor, aquela grande figura demoníaca, de uma maneira engraçada: Zé Mané Capetinha. Ele acreditava que, dessa forma, os meus receios e medos pudessem diminuir com o tempo, assim como os meus pesadelos. Ah, finalmente eu estava em mãos de profissionais competentes e que não me davam a sensação que eu falava com uma porta.

Mas… Você se lembra? Você se lembra quando eu falei que eu fiquei aleijado do braço, por ter me cortado durante o sono? Um macabro sonambulismo em que eu me levanto da cama, vou até a cozinha, pego a faca e faço algo do gênero comigo… Nosso cérebro não havia sido programado para evitar que a gente se machucasse dessa forma?

Após uns 5 anos com esses tratamentos, medicamentos e terapias, achava eu que tudo ainda iria melhorar ou ao menos estabilizar. Da mesma forma que tive essa crise de sonambulismo, os dois profissionais também tiveram e foi pior no caso de ambos: eles mutilaram a família inteira – até os animais de estimação – e se suicidaram depois. Se enforcaram com as gravatas, pelo que fiquei sabendo. E foi exatamente o que ocorreu. Dava para saber pelas câmeras de segurança do psiquiatra e pela investigação criminal. 

O Zé Mané Capetinha voltou a aparecer mais vezes, mas além dos meses de outubro, apenas para rir, debochando de mim, dizendo que aconteceria o mesmo com qualquer um que me ajudasse – incluindo minha família. E é estranho ainda chamá-lo dessa forma infantilizada, mesmo ele fazendo isso…

Houve muitos momentos em que eu saia da faculdade, mas dormia na igreja católica próxima à minha casa, na expectativa que os pesadelos passassem, na expectativa de que Deus não me esquecesse mais, mas saía de lá pelas manhãs olhando para as corujas negras voando pelos céus. E quando eu dormia muitas vezes em uma igreja, ela era interditada: assassinatos e todos eles similares ao padrão do caso do meu psicólogo e do meu psiquiatra. Nem mesmo a igreja conseguiu fugir da perturbação de um demônio. E por que sou um alvo, especificamente? E será que eu sou o único alvo ou tem outros? Tudo bem que eu não sou a melhor pessoa do mundo, mas se eu sempre segui os mandamentos de Moisés nem nunca fiz nada de grave conforme todas as religiões que eu conheço…

Ou eu sofro de múltiplas personalidades e a polícia nunca me associou às mortes ou demônios existem. Se demônios existem, Deus é um completo fracasso por ter permitido entidades tão poderosas que ele não pudesse deter. Ou então Deus é tão cruel que tem forças suficientes para proteger sua criação, mas assim não o deseja.


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