As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 10
A Biblioteca Imperial


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada, gostaria de desejar a todos um feliz Natal e agradecer a todos aqueles que se divertiram lendo minhas histórias, ou apenas tiveram curiosidade nelas.
Também quero agradecer a essa galera legal que tem escrito fanfics e histórias originais tão incríveis.

Os acontecimentos no volume II de As Crônicas de Aethel estão ficando um pouco complexos, então achei legal fazer um pequeno resumo - bem humorado - de tudo que está rolando até agora.
Então vamos recapitular os fatos:

—Aethel foi, finalmente, coroado perante o senado, porém, logo após conhecer Danny e Sam,precisou lutar contra um cavaleiro verde e resgatar um arqueólogo chamado Gemma, que carrega consigo uma misteriosa placa de pedra com textos antigos;

—No baile imperial, Aethel conhece - e fica um pouco facinado - a rainha Blair, de Gardênia e o rei Roland II, de Enchancia, que se mostrarão amigos muito úteis;

—Em seguida, um grupo de pessoas quase invade o palácio, obrigando Aethel a conversar;

—Após resolver os assuntos com o povo, uma feiticeira estragou a festa do Aethel, enfeitiçou a mina que ele gosta, ameaçando-o e exigindo que ele localize um pomo de ouro do jardim das hespérides, que ele nunca ouviu falar;

—Após um incêndio ser controlado, dois novos amigos, Jake e Rosa, são resgatados e, depois de algumas cenas amigáveis entre Aethel e Blair, se juntam a ele em uma jornada até um desfiladeiro, por onde um general traidor precisará passar se quiser dominar o império. Quanto a Dipper, ele fica no palácio tentando ajudar Gemma a decifrar a placa;

—Aethel derrota o general e junta as duas legiões dele a VII do Norte, o que lhe dá um poder militar de incríveis 16.200 soldados! Porém, o pobre rapaz é forçado a retornar a Ghalary, pois Mabel precisa que ele encontre o pomo de ouro.

Notas a se acrescentar:
Aethel está sentindo tanto ódio de Nealie, que provavelmente já teria iniciado uma nova "santa inquisição" caso o senado não possuisse um documento terrível chamado...
Constituição.



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Apesar de triunfar ante a ameaça de Cláudio, Aethel decidiu prosseguir com aquela campanha militar, conquistando algumas fortificações e disciplinando as regiões que haviam se aliado ao general traidor, o que acabou levando cerca de uma semana.

Pacificar regiões rebeladas (ou a caminho da rebelião) era um dos trabalhos atribuídos aos imperadores de Ghalary desde tempos imemoriais, porém, Aethel pareceu um tanto satisfeito demais em conduzir as legiões III, IV e VII para lugares distantes, na busca de tesouros e grandes aventuras.

Contando agora com 16.200 soldados, Aethel sentiu que poderia desbravar aquele mundo tão vasto, conquistar reinos e povos exóticos, desvendar mistérios antigos e escrever seu nome na história: quantos adolescentes já tiveram aquela oportunidade?!

Infelizmente, Rosa e Sam não concordaram em marchar sem rumo em busca de ambições que sequer conseguiam entender.

Jake e Danny não mostraram mais disposição que as garotas em seguir viagem, e Felipe recomendou que o imperador desse andamento ao plano original e retornasse para a cidade.

Embora aborrecido, o jovem rei mudou de ideia quando Sam e Rosa o lembraram de Mabel, Nealie e da lendária maçã dourada.

Montando em seu cavalo alado branco, Aethel olhou para o horizonte e contemplou todas aquelas terras distantes e misteriosas, cheias de glórias das quais ele estava sendo privado naquele momento; e aquilo lhe despertou um ódio visceral contra Nealie – que o garoto via como responsável por mais esse desgosto.

“Pelo menos temos o suficiente para um triunfo” suspirou o imperador, enquanto conduzia aquele grande exército de volta para casa…

 

***

 

Os dias estavam se arrastando como as rodas de uma carruagem na neve das montanhas, mas para Dipper Pines – cuja irmã ainda se encontrava acamada – a espera era ainda pior, o que o fazia suspirar, enquanto dizia para si “quando o Aethel vai voltar? A Mabel precisa de ajuda!”.

Para não enlouquecer com a espera, Dipper decidiu continuar ajudando dr. Gemma com sua pesquisa da antiga placa de pedra, tanto pela curiosidade quanto por algum sentimento vago de esperança.

Será que o segredo da placa libertaria Mabel da maldição de Nealie? Nem Arquimedes tinha coragem de dizer o contrário ao rapaz, por isso preferia se manter distante e apenas observar o pobre menino.

Porém, apesar dos esforços do garoto e seu amigo arqueólogo, decifrar as antigas inscrições parecia impossível, até que Merlin surgiu, durante certa manhã, para lhes oferecer uma xícara de chocolate gelado:

—Desculpe, senhor Merlin – respondeu Dipper – Mas minha irmã está contando conosco.

—E infelizmente – suspirava Gemma – essas inscrições estão além das nossas capacidades… Acho que nem minha esposa poderia ajudar.

—Então porque não vão até a biblioteca imperial? – respondeu o mago – Nas horas difíceis sempre é bom abrir um bom livro.

—Não pode apenas usar uma magia qualquer e traduzir o texto?! – perguntou Dipper, um tanto aborrecido.

—Meu jovem… – começou o mago – Não pense que pode resolver tudo com magia, porque garanto que não pode!

—Me desculpe, senhor mago – disse o dr. Gemma – Mas ainda não me acostumei com toda essa magia, bruxas, cavalos alados e tudo o mais.

—Eu compreendo – respondeu o mago – Para um arqueólogo deve ser difícil aceitar toda a fantasia de Ghalary e dos outros mundos… Na verdade, até Arthur ficou perdido com tudo isso.

—Rei Arthur… – observou o arqueólogo – Viu só? É exatamente disso que estou falando.

—Mabel está enfeitiçada… – falou Dipper – E se ela precisar de alguma coisa?

—Por isso nós estamos aqui – disse uma voz feminina.

Olhando ao redor, o trio se deparou com Blair, que vinha acompanhada por Roland II de Enchancia.

Os dois monarcas afirmaram que cuidariam de Mabel e, com toda a certeza, a garota logo despertaria de seu sono.

Embora quisesse ajudar Gemma, era fato que Dipper se sentia inútil diante dos últimos acontecimentos, especialmente pela campanha militar travada por Aethel contra o traidor Cláudio.

Dipper lamentava não ter mais o diário 3 de seu tivô, Ford, assim como sentia cada vez mais sua irrelevância diante dos conflitos travados pelo imperador.

Considerando suas frustrações, Dipper decidiu que seria mais útil se ele e o arqueólogo seguissem o conselho de Merlin e fossem até a grande biblioteca imperial, onde as maiores mentes do império deixaram – e ainda deixam – suas marcas.

Com a ajuda de Dipper, Gemma carregou a placa de pedra até a biblioteca, enquanto Merlin lhes indicava o caminho (que, felizmente, era ligado ao palácio por meio de túneis e algumas pequenas estradas rodeadas por arbustos floridos).

O grande edifício (ainda maior que o palácio imperial) havia sido construído em arquitetura helenística, que prevalecia nas colunas, paredes, esculturas (muitas representando deuses, sábios e heróis) e até em objetos de decoração, como vasos, pinturas e algumas gravuras nas paredes.

Nenhuma biblioteca que existe ou já existiu na Terra poderia se comparar a majestosa biblioteca imperial, com seus volumes intermináveis sobre história, filosofia, manuscritos de Platão e Aristóteles (muitos dos quais se encontram perdidos para sempre em nosso mundo) e um gigantesco museu.

Quando Dipper Pines atravessou o portal de aço e bronze, ricamente decorado com figuras em relevo de heróis, carvalhos rodeados por ninfas, sátiros e animais brincando na relva – seus olhos encheram-se de luz, enquanto sua boca abria pela estupefação ante aquele lugar saído dos mais belos sonhos.

Gemma, assim como seu ajudante, não foi capaz de esconder sua imensa surpresa com aquele ambiente maravilhoso.

Fitando os dois novatos, Merlin disse:

—Cavalheiros, lhes apresento a joia do império: nossa grande “Biblioteca Imperial”, onde aqueles que amam o saber passam as melhores horas de suas vidas.

As pontes de metal que conduziam pessoas até prateleiras cheias de livros, os mosaicos do chão, feitos com lindas peças coloridas, os painéis nas paredes (alguns deles retratando Héracles em seus 12 trabalhos), os funcionários vestidos de roupas tão variadas, indo do simples ternos aos modelos mais diferentes, como mantos amarelos ou azuis, turbantes, chapéus azuis seguindo o estilo militar e as populares togas…

Tudo ali era fascinante e encantador.

Sem esperar, Merlin acenou para um senhor levemente calvo, de cabelos cinzentos que rodeavam sua cabeça como se ele fosse um frade, olhos castanhos e pele clara.

Arrumando seu smoking, o homem caminho até o trio, com um sorriso alegre, perguntando em que poderia ser útil:

—Se não é Merlin em pessoa? Como posso ajudar, amigo sábio?

—Professor Carlos, esse dois se chama Gemma e Dipper Pines, eles têm um artefato muito interessante que desejam traduzir – respondeu o mago, mostrando a placa de pedra.

—Interessante… – respondeu o senhor Carlos, enquanto ajeitava sua gravata borboleta vermelha.

Mostrando aos dois uma mesa, ele pediu que se sentassem, enquanto chamava sua assistente e pedia alguns volumes sobre linguagem acadiana e escritas lineares.

Dr. Gemma não podia acreditar no que estava testemunhando: as escritas lineares A e B, que apresentavam dificuldades até para as maiores mentes da Terra, estava sendo decifrada como se fosse um simples jogo de troca de símbolos por letras, que o homem tanto brincou na infância.

Sem acreditar, Gemma perguntou:

—Como é possível?!

—Acalme-se, meu nobre doutor – respondeu Carlos – O que conhecemos como “escritas lineares”, eram usadas pelos ancestrais dos ghalaryanos, desde antes da catástrofe de Tera. Então é natural que não seja um grande desafio traduzir esse tipo de escrita.

—Então traduzir a inscrição será fácil – disse Dipper, já se animando.

—Receio que não, jovem Pines – suspirou Carlos – Essa placa contém mais do que escrita linear, na verdade parece ser uma mistura de línguas… vai demorar algum tempo até que cada uma seja decifrada e a mensagem final possa, enfim, ser decodificada.

—Mas o que poderia ser tão importante a ponto de alguém se preocupar em esconder tão bem? – questionou Merlin – Será que poderia ser algo para nos preocuparmos?

—Talvez sim, talvez não – disse Carlos – Pode ser que seja a localização do túmulo de algum rei esquecido ou um tesouro escondido.

—Se é assim – disse Dipper – então Mabel pode não se beneficiar de nada disso… E nunca vamos achar o pomo!

— Pomo? Como assim, “pomo”? – perguntou Carlos.

— Minha irmã foi enfeitiçada por uma bruxa chamada Nealie – respondeu Dipper – e se não encontrarmos esse tal de pomo de ouro, ela vai morrer.

—Ah! Você é o irmão da protegida do imperador, que estava junto com ela no dia da coroação. Hahaha, eu sabia que o reconhecia de algum lugar. Bem, sinto muito por sua irmãzinha, eu ouvi falar sobre Nealie… Ela tem sido uma pedra no sapado a algum tempo… Mas seja muito bem vindo aqui, meu jovem… Aliás, os dois sejam muito bem vindos ao império ghalaryano.

Agradecendo pela gentil recepção (embora um pouco atrasada), Gemma e Dipper se entreolharam, pensando em como poderiam ajudar Mabel, quando Merlin tomou a palavra:

—Você não tem nada sobre o pomo das hespérides legado ao clã Ryu? Você sabe, aquela maçã dos poemas.

—Vamos ver… Ah, sim, acho que me lembro. A maçã foi passada de imperador para imperador, desde épocas remotas, então deve haver mais de uma menção a ela, algo que nos dê um direcional… E, quem sabe… Quer dizer, ela sumiu durante a época de Vortigern , se bem me lembro… Mas talvez a encontremos, afinal de contas, ela aparece em alguns poemas populares do passado.

Solicitando a ajuda de sua assistente novamente, Carlos pediu que ela trouxesse o diário de Antonio Aureliano, imperador de Ghalary que antecedeu Aethel, além de alguns trabalhos sobre os tesouros imperiais e a dinastia Ryu.

Dipper começava a se animar um pouco mais, finalmente dando atenção a algo que não fosse seu sentimento de inutilidade: a ajudante de Carlos.

Era uma garota de pele morena, com cabelos castanhos escuros e crespos, presos em dois coques que pareciam levitar atrás de sua cabeça.

A garota usava um par de óculos redondos e tinha olhos castanhos que emanavam uma interminável alegria, como se aquele ambiente glorioso de saber e beleza houvesse passado ao espírito extrovertido dela todos os sentimentos alegres que alguém poderia sentir: aquela moça era a personificação da própria felicidade plena!

Talvez por isso ela vestisse um suéter laranja (um tanto amarrotado) e um vestido florido, mas se sentisse satisfeita – embora seu visual fosse meio “peculiar”.

Suas sandálias eram amarelas e a garota ainda usava um cachecol turquesa – embora nem estivesse frio! – e uma boina rosa que coroava sua figura como alguém que se destacaria onde quer que estivesse.

Apresentando-se para a garota, Dipper perguntou seu nome, ao que ela respondeu com uma voz alegre:

—Eu sou Beatriz, “a que trás felicidade”.

—Auxiliar – disse Carlos – por gentileza, traga os documentos que pedi, por favor.

—Mas é claro, senhor Carlos, desculpe – respondeu a moça, fazendo continência e marchando até uma das prateleiras de livros, porém, como a moça não encontrou o que procurava, chamou alguém:

—Spyred! Pode vir até aqui? Preciso que me leve até a sessão dos reis de Ghalary!

De repente, Gemma e Dipper ficaram assustados quando viram um grande dragão de escamas douradas voar logo abaixo da cúpula de vidro da biblioteca, enquanto Merlin e Carlos permaneciam tranquilos, conversando amigavelmente:

—Merlin, como sabe, sou curador do museu imperial, além de diretor desta biblioteca e, já que o senhor está aqui, não gostaria de visitar nossa exposição sobre a Era Arturiana? Temos até uma cópia da Excalibur, acho que vai se divertir.

—Muito obrigado, meu amigo – respondeu o mago – mas tenho que voltar e pegar alguns camundongos perdidos na floresta negra.

Despedindo-se do grupo, o mago desapareceu em meio a uma fumaça azulada cheia de estrelas.

Prosseguindo com as pesquisas, Dipper e Gemma começaram a trabalhar com Carlos para decifrarem a placa, enquanto o dragão dourado pousava no chão e era montado por Beatriz.

Não era fácil trabalhar na presença de uma criatura como aquela, com garras afiadas, chifres, asas imensas ou cauda cheia de cristas, mas o receio de Gemma e Dipper era desnecessário, já que dragões dourados (ou “dragões de ouro”, como às vezes eram chamados) estavam entre as poucas espécies de draconídeos que eram mansas.

Montando na fera, a garota alçou voo e chegou até uma prateleira distante, ao fundo de um dos corredores, onde pegou uma cópia de “Lista dos Reis de Ghalary” – de um certo frei Aguirre – e uma edição revisada do popular “Tesouros da Dinastia Ryu” – de um estudante chamado Albert C. N. Jones.

Quanto ao diário de Aureliano, a garota precisou seguir até um setor de exposição, onde o manuscrito do malfadado imperador estava à mostra.

Após tomar todos os cuidados com o importante manuscrito, – o que incluiu luvas esterilizadas e máscaras – Beatriz pegou o diário e voltou para Spyred.

Em poucos instantes, a garota retornou em seu grande dragão e, pousando a criatura com cuidado, desceu de seu pescoço e correu até Carlos, lhe entregando os livros.

—Ouça Dipper – disse o homem –, precisarei chamar alguns amigos para trabalharem na placa, mas Nealie é uma ameaça e Aethel precisará da maçã dourada; suponho que ela seja muito mais preciosa do que uma simples fruta, deve haver algum motivo sério para aquela feiticeira desejar tanto o pomo. Escute bem, meu jovem, você deverá ir junto com Beatriz até os arquivos imperiais, no palácio, e procurar por outras anotações de Aureliano e da imperatriz Sophia, entenderam bem? Imperatriz Sophia!

Após olhar o diário com cuidado, Carlos o envolveu em folhas amarelas, colocando o manuscrito em uma pasta de tecido reforçado e dizendo que a garota só deveria abrir o antigo caderno em um ambiente seco e limpo, sempre usando luvas e máscara e guardando-o logo após ler o que precisava.

Seguindo as recomendações, Dipper e a garota se despediram e correram até o majestoso palácio de Aethel, onde a classe imperial governante viveu por uma infinidade de séculos.

Apesar do sentimento de tristeza que ainda estava em Dipper, era bom ter alguém tão alegre por perto, falando animadamente sobre os assuntos mais sem importância, de modo que o rapaz começou a deixar suas preocupações um pouco de lado e se lembrar dos dias que passou em Gravity Falls, com seus tivôs, a durona Wendy, o irmão Soos, os misterios divertidos…

Conforme seus pensamentos passavam, Dipper se lembrou de Pacífica Northwest, com seus lindos cabelos loiros, o que começou a esvaziar sua momentânea alegria.

“Já faz um tempo… Como será que ela está?” suspirou o garoto, enquanto cruzava os jardins e entrava em um corredor cheio de colunas, seguindo para uma das escadarias de mármore do grande palácio.

Demorou algum tempo, mas logo a dupla chegou no escritório de Aethel, onde se via um armário de ébano com portas de vidro, uma grande mesa de carvalho, papéis espalhados e alguns materiais típicos de escrita.

A garota não pareceu achar o lugar muito promissor, mas Dipper sugeriu que provavelmente aquele escritório havia sido utilizado por Antônio, já que o palácio era antigo e não se viam sinais de mudanças no ambiente.

“Talvez ele tenha alguma anotação guardada na mesa ou no armário” disse Dipper, enquanto pedia que Beatriz pegasse o diário e procurasse por algo que parecesse útil.

Era estranho para Dipper que uma garota que não deveria ter nem 14 anos tivesse tanta confiança de um homem respeitável como Carlos, mas ela logo afastou as dúvidas do rapaz:

—Sou assistente do professor Carlos e também sua aprendiz – disse a garota – Ele pode parecer um pouco severo às vezes, mas é quase um segundo pai pra mim. Além disso, ele sabe cozinhar biscoitos muito bem, então é fácil se entender com ele – riu Beatriz.

Por mais que parecesse se interessar pelo assunto, Dipper estava focado demais na busca de algo que pudesse ajudar sua irmã para dar maiores atenções para sua amiga.

Colocando uma máscara branca e um par de luvas (que estavam em um pequeno bolso no interior da pasta), Beatriz abriu o diário de Aureliano e procurou qualquer coisa que remetesse a um tesouro dourado, fruto ou herdade da casa de Ryu, logo começando a ler para o amigo o que encontrou:

—Olha só Dipper, achei essas anotações… “Nesta manhã, dia 14 de julho – ano do Senhor (e IV° de meu reinado) – encontrei nos arquivos imperiais uma caixa de madeira e metal, decorada com desenhos de fadas e bruxinhas voando pelo céu. Em seu interior, encontrei algo que me fez considerar se nosso sistema de arquivamento era tão eficiente quanto nos tempos de meu pai: uma maçã dourada.”— enquanto Dipper se aproximava, Beatriz ficou animada – “Uma vez li sobre o mito do pomo dourado passado de geração em geração e, embora seja provável que a caixinha guardasse uma mera cópia (como tantas que se viram ao longo dos últimos 500 anos), acredito que eu tenha encontrado a maçã dourada original…”

As coisas pareciam promissoras, então Beatriz seguiu para as páginas seguintes e chegou até uma nova parte do texto:

”... Hoje estou um tanto apreensivo. A princesa Sophia chegou no grande palácio imperial. Após a cerimônia de casamento, iremos até o palácio dos cisnes, perto do lago dos sonhos: lá, vou presentear minha amada Sophia com o pomo dourado das ninfas do poente.”

“Ele encontrou o pomo!” exclamou Dipper, enquanto Beatriz seguia com a leitura, pulando algumas boas parcelas de páginas adiante:

—Talvez ele tenha mesmo dado o tesouro para ela… Vamos ver… “Minha esposa me deu uma notícia radiante no dia de hoje: dentro de alguns meses, seremos pais! Haverá homem no mundo que não se rejubile com notícia tão extraordinária?! Louvarei o Senhor, porque Ele me tem sido fiel e misericordioso; o Senhor não se esquece de mim, nem quando eu próprio desanimo e me esqueço Dele. Minha esposa tem passado o tempo fazendo roupinhas para o futuro herdeiro do império, enquanto olha para a caixinha do pomo: quando ele for  mais velho, ela quer lhe presentear com o pomo de Héracles."

—Não entendo… – disse Dipper – Se o pomo esteve presente durante tanto tempo, então porque ele sumiu e nada mais se sabe dele? Como algo tão importante para a monarquia pode, sem mais nem menos, “desaparecer”?! Isso não é possível!

—Talvez não seja difícil entender a razão disso – disse Beatriz, abaixando a cabeça pela primeira vez – Ouça as anotações seguintes… “Me disseram que houve confrontos no Sul, que as pessoas estão descontentes e que a crise começou a se alastrar pelo império. Talvez seja melhor mandar minha amada Sophia e nosso precioso filho para a casa de meus sogros, onde estarão em segurança…”, as páginas seguintes se tornam cada vez mais alarmantes Dipper… Essa parte do diário segue o início da revolução.

Olhando para aquele caderno, que tanto parecia oferecer esperanças para Dipper e sua irmã, o garoto perguntou:

—Ouvi falar dessa revolução, mas o que, de fato, aconteceu?

Sem responder, Beatriz apenas continuou lendo o diário:

”Disseram-me que uma terrível revolução eclodira e que minha vida deveria ser posta em segurança. Ordenei que minha amada Sophia seguisse para a casa de seus pais, junta de nosso filho, mas ela se recusou, dizendo que nas horas difíceis, seu lugar era ao meu lado: ‘estamos juntos nessa; meu lugar é com meu marido amado’, como ela disse. Embora eu fique feliz com sua coragem, temo pela segurança dela, pois o senado está estremecendo e há revoltas no exército; as seis forças que deveriam proteger o império estão seriamente prejudicadas e há traidores por toda parte”.

A cada página lida, a saga de Antônio tornava-se cada vez mais trágica, com afirmações de que “a fome é terrível”“as tropas insubordinam-se por toda parte: é um desastre!” ou “Cristo, não abandone este povo! Pois os dias dolorosos se abateram sobre nós…”, tudo isso enquanto as menções ao fruto de ouro eram quase totalmente omitidas, até chegar ao ponto em que o texto chegou naquela que os ghalaryanos chamaram de “noite dolorosa”, quando a monarquia sofreu um golpe do qual quase não se recuperou:

”Já não há mais documentos para assinar, nem tampouco militares traidores para bajular: esses miseráveis pagarão pelo sangue Ryu que ameaçaram ferir, Deus os punirá com sua mão poderosa! Poderosa de guerra!... Decidi levar meu filho e minha esposa para a  grande floresta, onde a legião VII do Norte está fortemente armada – conduzida por meu querido amigo, Felipe Máximus, o mais ilustre general deste império condenado – e que nos aguarda para levar minha família até a fronteira, onde estarão em segurança. Quanto a mim, ficarei aqui e enfrentarei a tempestade – como esperado de alguém cujo sangue alcança tantos ancestrais nobres: Mostrarei aos traidores a força do sangue Ryu!”

De acordo com Beatriz, que pausou a leitura e começou a explicar sobre a revolução, o reinado do imperador Aureliano sofreu, repentinamente, uma grave crise financeira e política, vendo-se logo cercado por um movimento republicano vindo de lugar nenhum.

Para piorar, o exército começou a ficar inquieto e algumas legiões (como a III) alegaram que não recebiam seus soldos e, para piorar, ainda sofriam com cortes nas rações e maus-tratos – o que era incrível, já que Antônio, aparentemente, enviava os pagamentos em dia e, de acordo com alguns papéis, chegou a aumentar as rações do exército!

“Quanto às alegações de maus-tratos”, disse Beatriz, “não acho que o imperador fosse tolo a ponto de tratar os soldados com crueldade, até porque as seis forças estavam entre os sustentáculos do império”.

Apesar de tudo, a situação ficou tão crítica, que o imperador perdeu o controle e o crescente movimento republicano tentou obrigar Aureliano a assinar a chamada “Carta da Liberdade”, que, na prática, tornaria a monarquia uma mera fachada, já que “o imperador seria reduzido a uma patética figura simbólica, enquanto o poder passaria totalmente para o senado”, como disse Beatriz.

Dipper ouvia aqueles absurdos, mas ficou feliz quando a amiga lhe disse que Aureliano não apenas recusou assinar aquele documento, como fez um discurso corajoso no senado, alegando a vergonhosa inconstitucionalidade daquela carta, além de exigir que os signatários dela fossem julgados por traição.

“E eles foram julgados?” perguntou Dipper, ao que a garota respondeu:

—Dipper… Depois desse discurso, as tensões tornaram-se insustentáveis… por isso o imperador tentou levar sua família para longe, em segurança… Mas o palácio foi invadido e ele ficou para lutar contra os revoltosos… A imperatriz Sophia foi forçada a seguir sozinha, com seu filho de 7 ou 8 anos (existe uma confusão na idade), mas os revolucionários devem tê-la alcançado…

—Meu Deus… – disse Dipper – Pelo menos o garoto…

—Não – disse Beatriz – a imperatriz morreu (acho que tentando defender o filho), o garoto desapareceu e ninguém nunca mais ouviu falar dele… Com certeza os revolucionários o assassinaram e depois esconderam a mãe e o filho. Com o  ódio popular contra essa violência e a lealdade de pessoas como Felipe e o senador Túlio (que pelas fotos da época, já parecia um ancião, hihihi), os legalistas venceram a guerra civil e os senadores traidores foram todos presos… Alguns foram até executados por “crimes contra a pátria”, “crimes contra a Lei de Deus”, “crimes contra a humanidade”, “perseguição”, “homicídio” etc., foi terrível! O 2° cônsul do império, Salazar, teve poderes severamente reduzidos para manter a ordem e o movimento republicano foi totalmente desmantelado.

—Beatriz… – disse Dipper, com o semblante triste –A imperatriz deve ter escondido o fruto para que ele não caísse nas mãos desses criminosos… Onde Sophia escondeu o pomo de ouro?

—Ouça essa última parte do diário, “minha esposa começou a esconder alguns tesouros da família, ela teme uma invasão. Não vi mais a caixinha decorada…”

—Nenhuma outra anotação?

—Não Dipper – disse a garota – quando a imperatriz e seu filho fugiram, mas foram pegos, muitos documentos e informações preciosas se perderam… Acho que ela nem chegou a revelar onde escondeu a maçã ao marido… Não houve tempo… A última anotação referente ao pomo é “Não vi mais a caixinha decorada”; sinto muito.

Ajoelhando-se no chão, Dipper cobriu o rosto com as mãos e pediu perdão à irmã:

—Mabel… Estou fracassando… Me desculpa.

Em seguida, Beatriz se virou em direção a estante e tentou se distrair com a bela mobília, sem fitar o amigo, pois os ghalaryanos são um povo demasiado educado…

E não é educado uma garota ver um garoto chorar.


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Notas finais do capítulo

Catastrofe de Tera:
Ás vezes chamada de "erupção minoica", "erupção de Santorini" ou apenas "erupção de Tera", foi uma erupção vulcanica de proporções extraordinárias, que se estima ter ocorrido entre 1650 e 1450 a.C.
A devastação foi tão imensa, que destruiu os assentamento humano de Acrotíri, em Santorini.
A erupção de Tera foi um dos maiores eventos vulcânicos registrados na Terra em toda a história, além disso, há quem pense que ela pode ter dado origem ao mito grego da Titanomaquia.



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