Caro Nada.

Eu sei que você está tentando me proteger.

Eu sei que fui eu quem te criei e alimentei, por muito tempo... fui eu quem te dei casa aqui dentro, e eu que te incentivei a crescer. E eu sei que no começo era para você ser pequeno e obediente, apenas uma arma interna e silenciosa para me ajudar a suportar uma situação externa e meio chata, que eu não podia controlar. Com você comigo o mundo podia me bater à vontade... Eu não sentia mais a dor, e isso era confortante. Eu só sentia você.

Acontece, meu Nada, que você se tornou de arma em escudo – e um escudo bastante confortável para se esconder. Terrivelmente confortável. Te dei mais espaço, te dei mais domínios, te assisti crescer de dentro para fora com uma paz que me confortava o peito. Paz que depois se voltou para mim na forma de culpa. E é essa culpa que ainda luta contra você aqui dentro, quando todo o resto já parece ter desistido.

Você e ela são tudo o que eu sinto. A culpa por sentir um grande Nada – e querer, e ao mesmo tempo não querer sentir algo além disso.

Porque você, Nada, é tão tão confortável. E por mais que eu sinta falta de querer, de fazer, de sonhar... por mais que eu sinta falta de mim... Eu não sei se quero ter tudo isso de volta. Não sei se consigo. Talvez nem saiba mais quem eu sou, se é que já soube um dia.

Porque agora eu sou você, e você sou eu. Isso é confortante e triste ao mesmo tempo.

Mas sentir é doloroso, e é isso que me conforta.

Mas sentir era também o que me fazia me sentir viva. E é isso o que me enche de culpa.

Nada, meu caro Nada...

Eu não sei como te pedir isso. Não sei se quero ou se deveria pedir isso.

Mas... será... será que você podia ir embora?