Miolos escrita por Drafter


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Chegando nos 45 do segundo tempo, mas ainda dentro do prazo pra participar da HisoMachi Week 2022!

Prompt: Universo Alternativo

xxx

Essa é uma história que eu queria contar, mas não sabia como. Acho que rende mais, inclusive. Adoros cenários pós-apocalípticos. Mas sou calejada o suficiente pra não prometer nada, nem me iludir achando que consigo escrever mais do que isso.



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Machi correu os olhos de uma ponta a outra. Mentalmente, contou oito criaturas. Não, nove. Uma estava rastejando e por um momento, havia ficado escondida entre as demais. Ainda assim, não era um problema. Já tinha enfrentado infestações maiores.

Ela conjurou uma linha de Nen e lançou até o tronco quebrado de uma árvore seca. A linha deu duas voltas pelo tronco e se prendeu com firmeza, enquanto Machi puxava a outra ponta para conferir se conseguiria a manter esticada. As criaturas eram fortes, mas eram burras. Dois anos lidando com elas já tinha ensinado a Machi o bastante.

Para começar, só eram suscetíveis a Nen. Uma horda de homens e mulheres já havia morrido — ou se transformado — por terem sido teimosos o bastante ao enfrentá-las com armas comuns: pistolas, facões, granadas, e até um lança-chamas; esse último só serviu para atear fogo nas estruturas mais próximas e matar praticamente todos os humanos que se protegiam nas barricadas. Os que sobreviveram foram comidos pelas criaturas, essas sim saindo ilesas das chamas.

Com um salto, Machi se equilibrou em cima de uma cerca feita de grade improvisada. Trouxe consigo a linha feita puramente de Nen, esticando ao máximo. Os monstros a seguiam, virando o rosto para acompanhar os movimentos e mudar a trajetória de acordo com a presa. Machi esperou com paciência que a alcançassem. Além de burras, eram estupidamente devagar. Tinham a força de mil bois, uma resistência sobre-humana, mas a velocidade a deixava com sono de tão lenta.

Quando julgou a distância adequada, Machi pulou novamente, voltando para o chão. Antes que as criaturas tivessem tempo de reagir, passou correndo em volta do grupo, a linha firme nas mãos. O fio passou pelos corpos disformes dos monstros, cortando-o aos meio com a facilidade de uma faca quente na manteiga. Eles caíram no chão, as entranhas e o sangue arroxeado correndo pra fora, um som rouco saindo das gargantas que logo se calariam. Era sempre mais fácil quando andavam em bando.

Machi desfez o Nen e se aproximou dos corpos caídos, desviando das vísceras. Parou em um para observar os detalhes. Ainda havia resquícios de um cabelo moreno, apesar das feições humanas já terem quase desaparecido. A mutação estava avançada naquele espécime. Ainda assim ela se demorou um pouco, chegando a agachar para ver de perto o que parecia ser o rosto. Ela estreitou os olhos. Controlou a respiração. A criatura já estava morta, os movimentos completamente cessados, e Machi com delicadeza moveu os fios pretos que escondiam os olhos sem vida, tendo o cuidado de não encostar na pele.

Seus sentidos, no entanto, a alertaram, e ela se levantou e se virou antes mesmo de ouvir o som infernal da única criatura que remanescia viva. Rastejando, o monstro estava baixo demais para ter sido descepado pela linha de Machi, e lentamente havia seguido a trajetória até ela. Machi piscou, surpresa e irritada pelo próprio descuido, a concentração a escapando por um precioso segundo. Antes que tivesse tempo de reagir, um borrão atingiu o pescoço compacto da criatura, perfurando a ponto de de criar um rasgo grande o suficiente para a cabeça pender para frente e o corpo tombar de lado. Ela puxou o ar, involuntariamente. Só então Machi decifrou a natureza do borrão. E claro, sua origem, já que o líquido viscoso fluindo do corte manchava de roxo uma carta de baralho.

A irritação a corroeu. Machi respirou fundo, esperando encontrar o sorriso cretino de sempre esperando por ela. Quando olhou na direção de onde a carta havia vindo, Hisoka já estava a dois passos de distância. Naturalmente, estampava o sorriso.

Ela achava absurdo o fato de Hisoka conseguir manter a mesma indumentária de sempre mesmo depois de dois anos vivendo naquele mundo devastado. Machi já tinha abandonado a sua há tempos. Agora o cabelo era mais curto, o short havia dado lugar a uma calça e o antigo quimono de detalhes esvoaçantes fora trocado por uma camiseta justa, com bem menos pontas soltas para a colocarem em risco.

Já Hisoka era o mesmo palhaço de sempre.

— Não estou dividindo com você a recompensa — ela falou, lacônica.

— Um “Obrigada” bastaria.

— Também não estou pedindo sua ajuda.

Ele sorriu mais uma vez, como se já esperasse por aquela resposta. E com razão, já que não era a primeira vez que Machi a dava. Já haviam se esbarrado outras vezes ao longo dos últimos anos, e Machi suspeitava que era mais por perseguição do mágico do que por mero acaso. “Deveríamos nos manter juntos,” ele sempre falava. Machi fingia não escutar. E mesmo quando terminavam a noite a sós em alguma casa abandonada, Machi desaparecia antes mesmo do dia estar claro novamente.

— Sua fama está crescendo bastante para alguém que prefere manter a discrição — ele falou — Ouvi dizer que seu nome chegou na antiga Kakin.

— Ótimo. O trabalho aqui está ficando escasso. Quase não tem mais criaturas.

— São zumbis. Não sei por que ninguém as chama assim.

Ela deu de ombros.

— Que diferença faz do que são chamadas?

Machi olhou para o casarão a cem metros dali, atrás da cerca de metal improvisada.

— E agora preciso coletar meu pagamento — ela completou, passando por Hisoka e andando em direção da grade — Diferente de você, estou fazendo um trabalho.

— Eu sei que não está fazendo isso pela recompensa.

Machi parou de frente para a cerca. Segurou o metal com as mãos e sentiu o estômago doer. Respirou fundo e devagar, tendo a certeza que Hisoka a estava observando por trás. Nunca havia admitido, nunca havia falado em voz alta, muito menos para ele. Ainda assim, o maldito sabia. Sempre soube, desde o primeiro encontro pós-apocalipse.

— Nós devíamos-

— Ficar juntos, eu sei, já conheço seu discurso. Pode se poupar. Me poupar — ela respondeu, talvez um tom mais nervosa do que gostaria.

Deu um impulso e saltou sobre a grade, indo parar no lado de dentro. Na entrada do casarão, um homem abria a porta aos pouquinhos, espiando o lado de fora. Quando percebeu que as criaturas estavam mortas, e Machi vinha a seu encontro, a abriu completamente, parecendo satisfeito.

Usuários de Nen agora valiam seu peso em ouro, por sua capacidade de exterminar as criaturas — ou zumbis, como Hisoka insistia em chamar, já que de fato elas tinham demonstrado predileção por devorar os miolos das vítimas. Dinheiro já não tinha o mesmo valor de antes, agora que a sociedade havia colapsado, mas sempre havia algo além para se dar em troca pelos trabalhos de Machi e outros em situação semelhante. Comida. Remédios. Drogas. Pornografia. Cada um tinha suas escolhas.

— Eles estão mortos, Machi — Hisoka falou do outro lado da grade.

Ela não respondeu, o estômago pesando novamente. E depois ele não entendia por que Machi fugia de sua companhia.

— Se continuar procurando vai só se machucar — ele continuou.

Machi fechou as mãos para segurar a raiva e seguiu até a casa. Sabia que Hisoka ainda estaria ali quando ela saísse. Sabia que ele iria tentar convencê-la de novo. Mas ele não entendia. Como poderia entender?

Quando o fungo começou a se espalhar — primeiro pela República de Padokia, depois pelo resto do mundo — a trupe estava separada. Parte estava na Cidade Meteoro, parte em Yorknew, parte na Arena Celestial. Parte sabe-se Deus onde. A devastação causada pela calamidade foi tão rápida que meios de comunicação foram os primeiros a serem cortados. Os de transporte, o segundo. Quando a humanidade começou a entender o que estava acontecendo, era tarde demais. A mutação causada pelo fungo, cujas teorias mais aceitas diziam que suas origens remontavam ao Continente Negro, podia ser tão violenta que, em alguns casos, poucos traços humanos restavam nos infectados. A pele mudava, ficava mais grossa. O sangue, mais escuro, quase roxo. Uns ficavam com membros deformados, com escaras ou tumores de todos os tamanhos e formatos possíveis.

Os que sobreviviam se consideravam imunes. Ou cuidadosos, já que o contágio se dava por contato. Ou apenas sortudos. Machi não sabia em qual grupo ela se incluía, e preferia não arriscar saber. Ao menos não até terminar sua busca. Se os amigos da Ryodan estivessem vivos, ela iria encontrá-los. Se estivessem transformados, também. Provavelmente teria que matá-los se esse fosse o caso, mas ao menos ela teria uma confirmação. Ter passado os dois últimos anos no escuro tinham sido pior que qualquer coisa que já tinha vivido.

— Ei, eu não estou pagando por dois exterminadores — o homem da casa falou, vendo que Hisoka continua parado além das grades do seu terreno.

— Ignore ele — Machi respondeu — Seu negócio é comigo.

O homem concordou com a cabeça e a convidou para entrar. Ela olhou uma última vez para a cerca. Hisoka ainda a olhava, mas já sem o sorriso no rosto. Estava sério. Triste, quase. Merda! Preferia nele o sorriso torto de sempre. Machi queria que Hisoka ao menos aceitasse, já que não entendia. Mas ele podia ser teimoso como o diabo quando queria.

Machi desviou o olhar resignada. Entrou e bateu a porta. Ela também sabia ser teimosa.


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