Após o jantar com o exército, Sansa conseguiu arrastar Theon até a Torre Quebrada.

Apesar do grande ato de Theon ter emocionado Lady Stark, o Norte não esquecia aquele que traiu os Starks, que foi o motivo da casa Bolton conseguir conquistar Winterfell. Sansa temeu que alguém o ferisse, ou que palavras cruéis fossem proferidas ao homem.

Ali, no silencio da Torre Quebrada, Theon estava a salvo dos olhares cruéis que o feriam como adaga.

Theon ficou sentado na janela, com uma mão estendida para fora. Ainda trazia uma sensação de puro alívio a Sansa quando percebia que o lado Reek não aparecia mais. Não era o mesmo Theon de quando ela partiu de Winterfell, mas era próximo.

Isso a fazia sorrir em silencio, mesmo com o ar melancólico e sombrio lá embaixo. Ela se permitiu por um momento

Uma vez Sansa confiou em Theon para ajudá-la. Pediu que colocasse uma vela, naquela mesma janela, para que alguma ajuda surgisse e a salvasse daquele pesadelo. Theon, quebrado e agora atendendo por Reek, a entregou ao Ramsey.

Mas isso estava no passado, e Theon não era mais Reek.

Aquele a sua frente era o homem que voltou pra ajudar os Starks. Pra ajudá-la.

—O inverno chegou –Theon comentou, um sorriso singelo surgiu nos lábios dele.

Ela sabia em quem ele pensava. Jon sorriu da mesma maneira quando ela o avisou.

—Papai sempre avisou –Sansa respondeu, usando as palavras de Jon.

—Robb e eu sempre planejávamos o que iriamos fazer quando o inverno chegasse –Theon soou nostálgico. –Ele queria uma expedição. Passear pelo Norte e ajudar aqueles que não tivessem como se proteger. Robb tinha um coração nobre.

Sansa sentia a dor na voz de Theon, e ela também sentiu em seu coração. Era sempre fascinante escutar histórias sobre o irmão, sobre sua valentia e honra. Muito diferente as mentiras que eram sussurradas a ela nos corredores de Kings Landing.

Apesar de ter suas próprias memorias, ela conhecia Robb como um irmão mais velho e protetor. Não tinham conversas longas ou momentos tão íntimos como o que estava tendo com Theon.

Ela não tinha muito interesse na família quando era nova. Colocou em sua cabeça que o lugar dela não era ali, que o Sul era mais interessante, com pessoas de vestes caras e cavalheiros que lhe ofereceriam rosas.

Então tudo que podia aprender sobre o irmão, e o resto da família que partiu, ela ouvia atentamente.

E se culpava por ter sido tão estupida por não os valorizar quando os tinha.

—E você? –Ela perguntou. Theon certamente diria que ficaria ao lado de Robb.

—Eu queria era fugir, pra bem longe. Antes de congelar minha bunda com todo esse frio –Theon exibiu um sorriso largo. 

Sansa compartilhou de sua risada.

—Não posso culpá-lo –A expressão dela passou a ser condizente. –Eu também quis muito partir.

—Você deixava isso claro, e tinha um sonho –Theon retornou a olhar pra fora.  –Eu só era um covarde.

—Você está aqui agora, quando podia ter ficado em Pyke rezando para que os vagantes brancos não saibam nadar. Foi corajoso vir até aqui –Sansa tentou fazê-lo rir um pouco. –Isso é o que importa.

Yara retomou a casa deles. Ela era sua irmã e mesmo assim Theon viajou até Winterfell para ajudar os Starks. Mesmo que os outros não reconhecessem o seu esforço, Sansa o fazia.

—Você sempre foi a mais gentil -Theon a encarou com carinho.

—Arya discordaria de você –Ela não foi nada gentil com a irmã quando eram crianças.

—Você sempre foi gentil comigo –Theon respondeu. –Até mesmo quando fui um idiota com Jane, e te fiz dançar comigo.

A lembrança invadiu sua cabeça. Estavam no grande Salão, Septa Mordane orientando-a.

Arya tinha fugido há algum tempo, e Sansa estava mantendo a Septa focada nela em vez de deixar que procurasse a irmã caçula. Estava obvio que Arya não tinha aptidão para as aulas e quando conseguia fugia para o pátio, ou pra algum lugar com Jon.

Sansa cuidava de distrair a Septa, isso dependia do quanto a irmãzinha tinha sido agradável na semana. E como Arya foi menos irritante do que o costume, Sansa chamou a amiga para ser seu par, e deixar Arya em paz.

Foi isso que ela fez no dia que Theon se ofereceu para dançar com ela. Primeiramente ele zombou, Jeyne não conseguia acompanhá-la e pisava constantemente em seu pé. Sansa disfarçava como podia, mas as caretas ficavam mais constantes a medida que Septa Mordane criticava Jeyne.

Sansa pensou em chamar um dos irmãos, porém Robb não tinha paciência para “coisas de meninas” e Jon mal ficava perto dela para conseguir pedir.

Theon foi o melhor parceiro de dança que ela já teve. Os dois dançaram até a hora do jantar.

Agora a mulher considerava aquele um dos melhores dia da sua vida. Sabia que Theon também pensava assim.

Uma ideia surgiu: Ela podia lhe dar um pequeno momento doce. Um gesto de gentileza.

Foi até a janela e segurou a mão do homem, fazendo com que descesse e parasse na frente dela.

—O que está fazendo? –Theon olhou desconfiado.

—Podemos voltar a sermos crianças? –Os olhos azuis brilharam. –Por um momento?

Ela queria trazer um pouco do passado de volta. Os dias de verão, de esperança e de risadas. Quando eram uma família... O único tempo feliz que ambos tiveram.

Ele entendeu do que ela estava falando. E até pensou em negar, mas a maneira que os olhos dela brilhavam...

—Sim. Seria bom. 

Sansa sentiu os dedos de Theon tremerem ao seu toque, e o tremor percorreu por todo o corpo do homem. 

Não era mais o garoto corajoso, de sorriso malicioso, que lhe roubou um beijo na bochecha quando finalizaram a dança. 

Começaram tímidos no início. Não tinham música e ali em cima era silencioso. Aos poucos foram resgatando as lembranças dos passos, o ritmo. Theon se tornava mais seguro, e até mesmo a fez rodopiar.  

Uma risada genuína foi ressoada entre eles.

—Eu amava minhas aulas de dança–Sansa contou com um suspiro. –Me imaginava dançando em um grande baile, com um príncipe.

—Foi com este argumento que te convenci a me aceitar como parceiro de dança: "Seria um príncipe também, se meu pai tivesse vencido a guerra" –Theon repetiu, com um sorriso amargo.

Ele fantasiava muito sobre Balon. Suas memorias o traiam. Pensava que o Lorde Greyjoy era forte, guerreiro e que tinha direito de se rebelar. Nunca foi ligado aos irmãos, então não lamentava pela morte deles. O seu maior incomodo em não estar nas ilhas de ferro era ver Robb ser tão exaltado no Norte, quanto ele poderia ser em Pyke.

Mas Pyke não era Winterfell, e o pai de Theon jamais significaria pra ele tanto quanto Eddard Stark.

Foi só um menino bobo querendo mais do que podia ter.

—Então eu aceitei seu argumento –Sansa olhava pro rosto mais maduro e lembrava do menino que conheceu a vida inteira –Você serviria no momento. 

—Eu gostava de dançar –Theon a rodopiou. –E você... sempre foi no mínimo perfeita.

Não tinha criatura mais bela que Sansa. Sua beleza ia além do Norte, ia além de Pyke, ou dos sete reinos... Quando criança tendia a ser irritante com todos os modos de Lady, mas Theon reconhecia que a Stark era tudo que um lorde iria querer.

Por isso naquela tarde que dançaram juntos, ele por um momento deixou-se pensar que um casamento com Sansa não seria tão ruim. Que ela podia ser a resposta pros seus desejos escondidos.

—Eu cheguei a acreditar que nos cassaríamos um dia –Ele segredou, voltando o olhar pra baixo. –Acreditava que se nos cassássemos, eu finalmente seria um Stark. 

Aquela confissão a atordoou por alguns segundos. Nunca pensou em Theon como uma opção para casamento. A jovem Sansa sonhava com cavalheiros do Sul, de suas histórias românticas. Nada que arremetesse ao norte lhe interessava, principalmente o menino que cresceu ali como seu irmão.

Porém a velha Sansa, depois tudo que viveu, pode entender como aquela alternativa teria sido ideal. Não que ser Lady de Pyke parecesse interessante. No entanto ambos viveriam em Winterfell, auxiliando Robb como Lorde de Winterfell. Theon não teria a necessidade de trai-los, afinal era um deles, finalmente. Bran e Rickon jamais fugiriam, Rickon jamais seria entregue a Ramsey... Estariam seguros e bem.

Por que ela não se contentou com o que tinha?

Por que Theon não se contentou com o que tinha?

—Nossos desejos de crianças trouxeram destinos sombrios a nós dois–Sansa sentiu as lagrimas chegarem aos olhos. –Éramos felizes em Winterfell, com a nossa família. Nunca precisamos de mais. Não devíamos querer mais.

Theon concordou silenciosamente.

—E agora estamos aqui, as duas crianças que desejam mais do que uma vida em Winterfell.

—Pode ser que isto esteja diferente ao amanhecer –Theon falou, finalmente tomando coragem pra voltar a olhá-la.

Um deles merecia aquele sonho de verão. Um deles precisava passar por aquele longo inverno de suas vidas. E Theon daria a vida pra que fosse Sansa a ter aquela chance.

E Sansa sabia disso. Ele disse que voltou pra lutar pelos Starks.

Enquanto ela ficaria na cripta, sem agir, sem ajudar... E com isso mandaria seus irmãos pra morte.

Se odiava por só poder ficar ali e esperar para saber quem enterraria caso vencessem.

Se perdessem, se todos os Starks parecessem e ela não... Sansa não conseguia nem pensar. Só de cogitar seu corpo paralisou e segurou a armadura de Theon com força.

Ela implorou por sua ajuda quando Ramsey a aprisionou e faria o mesmo pra que ele voltasse vivo.

—Por favor, não morra –Sussurrou com os olhos fechados.

—Olhe pra mim –Theon pediu erguendo o rosto molhado de Sansa. O lado podre foi estacando para o fundo. –Estou pronto, Sansa. Pronto para me juntar a Robb. É o meu maior desejo, desde que soube de sua morte. 

Ele sempre foi ligado ao Robb, até mesmo mais que Jon. Ela conseguia entender que a perda de Robb talvez fosse ainda mais profunda pra ele. 

—Na verdade, esqueci o que era desejar, esqueci quem eu era. Foi você quem me salvou e sou muito grato a você por isso –Theon secou o rosto dela com o polegar.

—E você merece mais –Sansa sussurrou.

Depois de tudo que viveram, depois do que Ramsey arrancou, Theon tinha que ficar vivo. Simplesmente porque ela odiaria perder outra pessoa que amava.

—Eu vou lutar. Com tudo que tenho. Lutarei por Bran, pela casa Stark e por você. 

—Eu teria sido uma noiva feliz –Sansa queria que ele soubesse daquilo. Que ele poderia tê-la feito feliz –Se tudo tivesse sido diferente. 

—Nunca fui honrado pra ter uma noiva como você –Ele negou com veemência. –O tempo mostrou isso. Com as escolhas que fiz, o que me tornei...

Theon tinha seus crimes, suas péssimas decisões que o levaram a Ramsey. Ela nunca soube de todas as torturas que ele viveu, mas escutou o suficiente. E viu as marcas de Ramsey nele, para um homem como Theon chegar aquele estado era preciso muita crueldade.

Os outros achariam que foi merecido, que foi pouco por tudo que fez. Imaginou se os pais concordariam que Theon mereceu aquilo, uma parte dela sabia que Robb pensaria que sim, e talvez Jon.

Mas ela não era seus pais. Ela não era Robb ou Jon. 

Eles não estavam lá quando Sansa tinha uma flecha apontada pra sua cara. Quando preferia morrer a continuar mais um dia sendo torturada por Ramsey. 

Ela assistiu algo acender nos olhos do Reek quando a salvou de Miranda.  

Ele tinha desistido dele mesmo, porém não desistiu de salvar Sansa.

Ali estava ele, provando que a salvaria mais uma vez.

E ela daria um jeito de retribuir o favor. Ela não o deixaria partir carregando a parte Fedor com ele. 

—Você é Theon Greygoy –Sansa segurou o rosto do homem com as duas mãos –Mas em seu coração, você sempre será um Stark. 

Em nome de um sonho, aproximou seus rostos.

Desta vez foi ela quem lhe surpreendeu com um beijo. Ele ficou rígido, surpreso. Já ela fechou os olhos, e deixou aquela menina sonhadora que um dia foi, retornar por um momento.

Sonhou que o pai decidiu casá-la com Theon. Que foi Robb quem a levou até a árvore-coração para entregá-la. Rickon e Bran sorriam, Arya parecia carrancuda, Jon observava Theon minunciosamente, para que o homem não fizesse nenhuma gracinha.

Ele estava lindo, com seu sorriso de lado e com o kracken bordado em suas vestes.

Theon segurou a cintura dela e seus corpos se uniram. Tinham amor e respeito um pelo outro. Teriam um futuro lindo juntos.

E Sansa tinha certeza que Theon sempre dançaria com ela.

Theon finalmente se separou quando o som da trombeta soou por toda Winterfell. O barulho foi o despertar de um sonho.

O homem tinha o rosto molhado de lagrimas, e um olhar intenso. Ele nunca seria capaz de dizer o quão grato ele era por Sansa fazer aquilo. Por tornar real aquele sonho, mesmo que por segundos.

Ele pode apenas beijar sua mão e tomar coragem para partir.

Theon lhe deu um último olhar antes de descer as escadas. O filho de Balon Greyjoy. O protegido de Eddard Stark. O menino que um dia Sansa amou como irmão. O homem que a salvou.

Foi assim que ele partiu para a batalha.

E antes dela mesma ir para cripta, Sansa observou através da janela, rezando para o céu, não para os deuses. Ela pedia diretamente a sua família.

Pediu que pai o perdoasse. Que Rickon pudesse treinar com ele. Que a mãe o recebesse com gentileza. Que Robb ainda pudesse amá-lo. 

Que Theon finalmente conquistasse a paz.