O homem da janela escrita por Isabela Bernardino


Capítulo 3
Capítulo 3 - Dia de chuva




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Quase que Luna não abriu a loja no dia seguinte. Ela ligou para Maitê e disse que não se sentia bem, mas foi convencida pela mesma que o pior já tinha passado. De acordo com Maitê, o pior dos casos seria Miguel não deixar Theo frequentar a livraria novamente, mas Luna conseguia imaginar um bem pior: ele voltar e querer falar sobre aquilo.

Ela destrancou a porta sem muita vontade e quase voltou para casa, afinal, aquele parecia o dia perfeito para fingir que não se existe. Mas ela já estava ali, e fugir não iria valer a pena.

O dia, no fim das contas, foi tão agitado que Luna sequer pensou na situação do dia anterior e no que ela poderia se tornar. Clientes entravam e saiam numa frequência tão frenética que ela e Maitê quase não deram conta. O movimento caiu junto com a tarde e com a chuva, deixando enfim ambas as garotas arrumarem a bagunça causada por todos que passaram ali. Luna estava tão focada que sequer ouviu o sino da porta tocar.

Miguel deixou o guarda-chuva no lugar reservado e caminhou em direção a jovem distraída. Maitê deu uma leve cutucada nela para que ela voltasse a órbita.

Luna limpou disfarçadamente as mãos na blusa para tirar o suor. Ela sorriu sem graça, mas ele não esboçou reação.

— Oi Luna — Ele disse entregando o caderno a ela — Acho que isso é seu.

— Ah, eu te entreguei o errado? Pensei que esse fosse o do Theo — Ela tentou disfarçar.

— Eu também, mas o Theo logo viu que não era o dele — Miguel deu com os ombros — E ele faz questão disso.

O sorriso que Miguel deu fez Luna relaxar. Talvez ele não tivesse visto. Mas ela estava enganada.

— Você desenha bem — Ela voltou a ficar tensa — Desenha a muito tempo?

— Desde criança — A voz quase não saiu.

Neste momento Maitê saiu do ambiente e deixou os dois sozinhos, mas para Luna, eles estavam só a muito tempo em uma sala que estava diminuindo de tamanho a cada segundo.

— Luna…

— Eu sinto muito — Ela disse rapidamente, cortando ele — Não era para você ter visto isso. Foi um acidente.

— Você quer dizer sobre eu ter visto ou sobre ter me desenhado? — Ele soltou um riso leve, que mostrava graça — Desculpa, pergunta idiota, obviamente foi o primeiro.

— Eu não sei por que eu fiz isso — Ela explicou — Eu só fiz.

— Tudo bem — Ele se aproximou dela — Eu sei que você não fez por mal, afinal, é só um desenho.

Luna sorriu em agradecimento. Aquilo era menos constrangedor do que ela imaginou durante a noite enquanto tentava inutilmente dormir.

— Mas… — Ele fez uma pausa — É só um desenho, não é mesmo? Não significa nada.

As bochechas de Luna avermelharam. Ela se lembrou de cada dia que ficou pendurada na janela apenas para ver ele passar. Ela não sabia se deveria falar, não sabia como ele iria reagir. No pior dos casos, Theo nunca mais voltaria ali.

— É importante para você saber? — Ela perguntou.

— Eu não quero que se sinta pressionada, mas tem algo me dizendo que há algo muito maior aqui — Ele respondeu.

Luna ponderou por alguns segundos antes de responder.

— Talvez você me veja como uma maluca — Ela começou — Mas já tem um bom tempo que vejo você pela janela.

Ela fez uma pausa.

— Eu sempre quis saber quem era você, e de repente você estava na minha loja atrás do garoto que já me ajudou a fechar só por diversão — Ela riu ao se lembrar — Talvez eu tenha criado uma fantasia em volta de você.

— Está dizendo que se apaixonou? — Ele respirou fundo — Luna, eu vou me casar.

Ela sorriu.

— Eu sei, mas desde a primeira vez que te vi eu soube que nunca teria chance — Ela explicou — Essa coisa de trocar a pessoa a qual você vai se casar por uma que você acabou de conhecer acontece só em filmes, e é extremamente ridículo. Acima de tudo, Miguel, eu quero que você seja feliz.

Luna finalmente conseguiu relaxar os ombros e observou Miguel abaixar a cabeça.

— Eu já te vi na janela — Ele disse — E nem sabia que era por minha causa.

Ele encarou ela.

— Eu pensei em entrar para falar com você, mas a minha noiva me ligou e eu segui para casa — Miguel continuou — Eu deveria ter entrado. Queria ter te conhecido antes.

— Algumas coisas acontecem do jeito que tem que ser — Ela respondeu.

Luna foi até o balcão e pegou o caderno de Theo, verificou se era realmente o dele e o entregou para Miguel.

— Diz oi para o Theo por mim — Ela pediu.

— Claro.

Quando Miguel saiu pela porta, Luna sentiu as borboletas em seu estômago adormecerem. Ela não sabia exatamente o que estava sentindo, só sabia que não gostava da sensação.

Naquela mesma noite, em sua casa, Luna fez um café e acendeu a lareira. Ela observou a chuva cair pela janela e depois encarou o caderno de desenho no sofá. Ela o folheou até chegar no desenho de Miguel e delicadamente passou os dedos pelo grafite antes de brutalmente arrancar a página. Ela caminhou até a lareira encarando o desenho e depois o queimou. Ali ela declarou um ponto final.

Theo voltou para a livraria algumas vezes, às vezes acompanhado por Miguel, às vezes acompanhado pela agora então esposa de Miguel. Luna não fazia perguntas, apenas o seu trabalho. Ela e Miguel nunca mais falaram sobre isso, mas suas trocas de olhares confirmavam um para o outro que estavam bem. As frequências das visitas foram diminuindo com o tempo até que cessaram de vez. Talvez a distância fosse maior do que Luna imaginava, e depois de um tempo ela nem reparou mais.

Miguel não era a pessoa para a Luna, mas era uma lição, era uma lembrança, ou qualquer coisa do tipo. De qualquer maneira, no fim da tarde ela ainda ficava pendurada, mesmo sabendo que nunca mais iria ver o seu homem da janela.


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