O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

E aí, meus queridos leitores! Tudo bem?

Agora é oficial, O Landau Vermelho recomeçou de vez! Vejo vocês nos comentários!



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O despertador do celular de Fernanda tocou pontualmente às 6 e meia da manhã. Ela havia aprendido da pior forma possível que o melhor jeito de se acordar usando um despertador era colocando uma música ruim para tocar, pois ela seria obrigada a acordar e se levantar para desligá-lo. Ela havia passado um mês usando a música What a feeling, do One Direction, como toque do seu telefone, pois ela a adorava. Mas depois de 30 dias sendo acordada tão cedo por essa mesma música, passou a detestá-la.

Ela se levantou e foi para o banheiro, passando as mãos pelo rosto para tentar desamarrotá-lo. Tomou um banho rápido, escovou os dentes e os cabelos e se enrolou no roupão, descendo então para a cozinha para preparar seu café da manhã.

Sentia-se péssima. Já havia se passado mais de 10 dias desde que terminara seu namoro de quase dois anos com Rodrigo, mas ainda se sentia um pouco solta no espaço, como um balão de gás hélio. Balançando a cabeça para desanuviá-la dos pensamentos, concentrou-se no preparo de uma omelete recheada com bologna e de um suco de laranja natural. Tomou seu café da manhã com tranquilidade e ainda comeu um pedaço de pudim que havia na geladeira. Depois, subiu de volta para o quarto e começou a se vestir para ir trabalhar.

Fernanda era a encarregada do setor de controle operacional da Transportes Peixoto, gerindo uma equipe de seis pessoas. Era um serviço relativamente estressante e ela havia aprendido a não se deixar levar pelo sentimento, mas sabia que aquele dia seria particularmente tenso. O antigo presidente da transportadora, Antônio Peixoto, havia falecido poucos dias antes, e a diretoria da empresa ainda estava incerta sobre quem assumiria o seu lugar. Era tradição manter a companhia sob controle da família Peixoto, mas, até onde se sabia, Antônio não tinha herdeiros. Um de seus filhos morrera doze anos antes e seu outro filho desaparecera poucos dias após, e sua esposa havia falecido há pouco mais de cinco anos após uma overdose de remédios antidepressivos. Quando o assunto fosse colocado em pauta na reunião geral daquela tarde, o clima seria o pior possível.

Mas Fernanda tentou não pensar nisso. Calçou seus scarpins de salto alto, pegou sua bolsa e desceu para a garagem, pegando seu Fiat Idea Adventure vinho enquanto observava o céu nublado. Morava no bairro Eldorado, em Contagem, e o caminho até seu serviço não levava mais do que 20 minutos de carro. O armazém da Transportes Peixoto ficava no bairro Jardim Riacho, região conhecida por abrigar centros de distribuição de várias outras transportadoras, como Braspress, Camilo dos Santos, Atlas e Rodonaves. Fernanda chegou e parou seu carro na vaga de costume, só então percebendo que a vaga que havia pertencido a Antônio Peixoto, na parte extrema do estacionamento, agora era ocupada por um reluzente Fiat Toro verde ainda sem placa. Pegando o crachá no porta-luvas e descendo do carro, a encarregada ficou encarando a caminhonete com um ar de dúvida. A quem aquele veículo poderia pertencer?

Mas a resposta para tal pergunta não competia a ela. Balançando a cabeça, se virou e passou pela portaria, indo na direção do armazém. Passou pela catraca da entrada e caminhou em direção à sua sala, ouvindo o costumeiro som de caixas rolando para fora de caminhões sobre esteiras de rodízios, o matraquear constante de paleteiras rodando para dentro e para fora de carretas carregadas e o linguajar típico dos funcionários do setor de transportes, que deixaria qualquer pessoa perdida.

— Osmar, o stretch acabou! Traz outro rolo pra mim! — Um deles gritou.

— Já te falei três vezes que as praças devem ser separadas por lonas dentro da carreta, Jonathan! — Um conferente chiou com um ajudante.

— O horário de corte para as coletas do aéreo é às sete horas, senão não consigo liberar o embarque para o aeroporto antes das nove. — Um encarregado passou apressado, falando ao celular.

— O rampinha está vazando óleo no cilindro de novo! — Um motorista gritou para outro encarregado, apontando um caminhão-rampa parado na doca.

Era uma atmosfera única, apressada, frenética, da qual Fernanda aprendera a gostar. Não se imaginava mais trabalhando em um ambiente silencioso e tranquilo. Acostumara-se àquela correria e ponto final. Era ali que pretendia trabalhar até se aposentar.

— Bom dia, senhorita. — A voz de Bruno cortou-lhe os pensamentos.

Fernanda se virou, ligeiramente assustada e dando uma risadinha. Ele sempre parecia aparecer do nada.

— Bom dia, senhor. — Ela devolveu.

Bruno era o gestor da frota da empresa. Era um rapaz estilo nerd na casa dos vinte e alguns anos, magricela e com pouco mais de um metro e setenta de altura. Apesar de sua aparência não impor muita confiança, lidava bem com as situações-problema do cotidiano corporativo e tinha uma elegância única para trabalhar sob pressão. Às vezes parecia viver numa dimensão paralela só sua, falando sozinho e olhando em volta com ar distante, mas tinha um senso de empatia difícil de ser encontrado.

— Parece que vem bomba por aí. — Ele se aproximou dela, falando mais baixo — A chefia está toda reunida lá em cima.

Fernanda se virou, olhando para a sala de reuniões no mezanino e vendo várias pessoas sentadas ao redor da mesa do local. À distância, no entanto, não conseguiu identificar ninguém em especial.

— Será que vão anunciar o novo gerente ainda hoje? — Ele indagou.

— Não sei. — Ela respondeu, virando-se e continuando a andar na direção de sua sala, na parte extrema do armazém — Provavelmente sim. Mas não consigo imaginar ninguém daqui que possa ocupar o lugar do Antônio.

— Dizem por aí que o gerente da filial de Montes Claros estava sendo cotado para a vaga. — Ele a acompanhou — Mas não acho que ele vai vir pra BH com a esposa e os quatro filhos.

— Também não. — Fernanda concordou — Vamos aguardar até a reunião. Acho que vai pegar todo mundo de surpresa.

Bruno assentiu.

— Por falar em surpresa, hoje chegou um baixinho engravatado aí num Fiat Toro verde. Não sei quem é, mas fiquei meia hora namorando aquela caminhonete. — Ele viu o olhar zombeteiro de Fernanda — O que foi?

— Você chamando alguém de baixinho?

— Tá bom, ele é da minha altura. — Ele admitiu, balançando a cabeça de lado — Mas ele tem mais corpo do que eu, então aparenta ser mais baixo.

A encarregada riu. Bruno era mesmo uma peça rara.

— Mas diz aí. — Ela abriu a porta de sua sala e entrou — O que mais você reparou dele?

— Hum. — Ele murmurou, segurando o queixo com dois dedos — Não sei dizer. Nunca vi o sujeito por aqui. Mas pelo carro e pelo terno italiano que ele está usando, posso dizer que é uma pessoa de extremo bom gosto. Eu já falei que ele é baixinho?

Fernanda riu de novo, ligando seu computador. Bruno adiantou-se e ocupou sua própria mesa também. Em poucos minutos, os demais funcionários do setor também foram chegando, trocando cumprimentos matinais, e não levou uma hora para que o setor entrasse em seu frenesi habitual. Cotações de peças para caminhões e vans eram feitas ao mesmo tempo em que uma das funcionárias agendava uma entrega com um cliente. Tabelas de frete aéreo eram renegociadas, evidências de retorno de cargas eram inseridas em sistema, conhecimentos de transporte eram bipados e romaneios de entrega eram impressos, tudo ao mesmo tempo.

Na maioria das vezes, se ouvia Fernanda distribuindo solicitações.

— Liguem para o parceiro de Governador Valadares e peçam o retorno daquela planilha da Samsung que enviamos ontem.

Ou então:

— Gente, ainda não vi nenhum e-mail de acompanhamento da entrega do Wal Mart.

Ou ainda:

— Temos que esperar a carreta de Juiz de Fora chegar com a carga de computadores antes de liberar o carro de Uberlândia, senão vamos perder o prazo de entrega.

Os problemas, também, eram habituais. Um cliente que estava ausente. Um estabelecimento fechado. Uma carga agendada recusada por mil e um motivos diferentes. Um conhecimento de transporte emitido com o frete errado. Uma nota fiscal que seguiu para entrega sem ser romaneada. Mas Fernanda tirava tudo de letra. Havia aprendido a tratar cada problema imediatamente, assim não corria o risco de deixar pendências para trás quando fosse embora para casa.

A manhã passou rápido, assim como o horário de almoço. Mais nuvens carregadas haviam toldado o céu, anunciando uma chuva iminente, e logo já eram duas horas da tarde, hora marcada para a reunião geral mensal. Sobre a equipe, abateu-se um sentimento de incerteza coletivo, mas Fernanda tratou de tranquilizá-los e dizer que quem quer que assumisse a gestão da empresa com certeza manteria o bom clima no ambiente de trabalho e traria benefícios a todos. Bruno foi o último a se juntar ao grupo, ligeiramente sujo e descabelado, pois havia se enfiado debaixo de uma van para fotografar dois cubos de roda avariados.

Caminharam até o meio do armazém, onde a equipe do setor de reembarque havia enfileirado e empilhado vários paletes para fazê-los de bancos. Chegaram também os funcionários do RH, TI, administrativo, logística e expedição, todos com certa ansiedade estampada no rosto. Após alguns poucos minutos, por fim, a porta do mezanino se abriu e uma verdadeira comitiva de homens engravatados desceu, passando pela catraca e vindo até onde os demais funcionários estavam.

Fernanda conhecia de vista alguns gerentes de outras filiais da Transportes Peixoto espalhadas por Minas Gerais, mas a maioria dos homens, que ela julgava ser o corpo de acionistas, não lhe era familiar. No entanto, ela deu atenção apenas a Roberto, o gerente de operações, sujeito alto e corpulento conhecido pela equipe de armazém como “disco voador”.

— Boa tarde, senhores. — Ele cumprimentou, fazendo um gesto de mão para que todos se sentassem, no que foi prontamente obedecido.

Bruno veio se sentar ao lado de Fernanda.

— Ainda bem que é sexta-feira. Será que rola aumento? — Ele perguntou, e ela lhe deu um cutucão com o cotovelo.

Roberto deu início à reunião repetindo a notícia sobre o falecimento de Antônio Peixoto e falando sobre toda a sua trajetória profissional. Dono de um espírito humilde, espelhara-se em homens empreendedores como Silvio Santos e Antônio Ermírio de Moraes e aprendera a valorizar o que seus funcionários possuíam de melhor, usando isso para crescimento próprio. Ao fim de sua vida, era dono não apenas da Transportes Peixoto, mas também de diversos outros estabelecimentos comerciais espalhados por Contagem, Belo Horizonte e Betim. Falando especificamente da transportadora, Roberto falou sobre a forma clara, objetiva e extremamente profissional com que Antônio havia gerido sua equipe, sempre valorizando a honestidade e a razão e dando o devido reconhecimento aos funcionários que se destacavam em suas atividades diárias.

Fernanda ficou com um nó na garganta. Havia conhecido Antônio quando ainda era pequena, pois moravam no mesmo bairro e havia estudado com os filhos dele por muito tempo. Ele havia a encorajado a fazer faculdade e providenciara pessoalmente um emprego para ela logo após sua formatura. Havia aprendido muito com ele após anos de convivência, e certamente sentiria sua falta.

— Como todos sabem, sempre foi tradição manter esta empresa sob o controle da família Peixoto desde sua fundação, há mais de quarenta anos. — Roberto estava dizendo, e Fernanda voltou a prestar atenção — E apesar de ter havido uma certa incerteza entre os membros da diretoria sobre quem assumiria o lugar do senhor Antônio, optamos por não quebrar a tradição.

Bruno se virou para Fernanda, alteando uma sobrancelha.

— Do que ele está falando? — Ele sussurrou, sem entender — O Antônio não tinha herdeiros.

— Não faço a menor idéia. — Ela devolveu, igualmente surpresa.

— Sendo assim, sem mais delongas, gostaria de lhes apresentar nosso novo gerente geral e presidente da Transportes Peixoto. — Roberto finalizou, virando-se de lado e fazendo um gesto na direção dos homens engravatados por trás de si.

E então um deles se adiantou, ajeitando o paletó. Jovem, na casa dos 30 anos, com um cavanhaque bem definido e milimetricamente aparado, olhos pretos e um par de sobrancelhas angulosas que lhe deixavam com um olhar naturalmente intenso. Usava um terno slim cinza de corte italiano e sapatos de verniz tão brilhosos que poderiam servir como espelhos. Seu cabelo negro-azulado estava penteado de forma tão impecável que parecia ter sido esculpido em granito.

— Eu imaginei. — Bruno disse, cutucando Fernanda — É o baixinho que te falei.

Mas ela não escutou. Estava embasbacada demais, a um passo de entrar em estado catatônico. A maioria dos funcionários parecia ter prendido a respiração, cada um ostentando uma expressão espantada no rosto. Porque aquele homem que havia sido anunciado como o novo presidente da Transportes Peixoto havia sido dado como desaparecido poucos dias após o falecimento do irmão gêmeo, mais de doze anos antes, e ninguém havia tido notícias suas desde então.

Era Adam Peixoto.

Ele caminhou de forma elegante até onde Roberto estava, com um sorriso tímido no rosto. O trovão que ribombou nos céus naquele momento, no entanto, deu um ar sinistro à cena.

Fernanda piscou algumas vezes, tentando desfazer qualquer ilusão de ótica, mas foi obrigada a admitir que o que via diante de si era verdade. Apesar de sentir como se estivesse vendo um morto se levantar do caixão, a encarregada forçou seu cérebro a aceitar a informação: Adam estava vivo.

E não apenas estava vivo, como agora era seu chefe. Era perturbador.

E enquanto ele recebia os cumprimentos do gerente de operações e dava início a um pequeno discurso de agradecimento e encorajamento da equipe, Fernanda discretamente se levantou e saiu, passando por trás de alguns compressores e voltando para sua sala.

Precisava urgentemente de um momento a só consigo mesma.


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