Um Reino de Monstros Vol. 2 escrita por Caliel Alves


Capítulo 4
Capítulo 1: A caixa misteriosa - Parte 3




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Os olhos se abriram, um intenso facho de luz o ofuscou. Por um momento, ele bateu às pálpebras tentando acostumar-se a claridade. Seu corpo estava úmido, o orvalho da manhã tinha ensopado a sua capa.

As nuvens assumiam formas estranhas no céu de um azul claro e fulgurante.

Ele tentou mover os dedos, estavam adormecidos. Com esforço, Saragat levantou-se. Bocejando como se fosse um urso acordando da hibernação. Virou-se para a urna.

— Você acha que consegue abrir?

Index pousado no ombro direito de Tell perguntava a Rosicler entusiasmadamente. A garota deu um cínico “joinha” tapando um dos olhos. O conjurador meneou a cabeça. Ambos os curiosos tinham olheiras, indicando que nem havia dormido.

— Eu não acredito que ficaram a noite toda babando em cima disso?!

— Eu não me aguentei de curiosidade, Saragat. O que será que tem dentro dela?

— Com certeza algo que não é da nossa conta.

Tronck, o Lisliboux e a jovem quebraram um galho seco usando-o como alavanca. Não podendo mais aguentar a travessura dos dois companheiros, o encapuzado os empurrou.

— Olha, saíam logo daí! Afinal de contas, quantos anos vocês têm mesmo?

— Eu tenho quinze.

— Eu tenho doze!

Falou o mago-espadachim e a garota, respectivamente.

É, Nalab, em bom meio você foi me meter...

— Está bem, está bem...

— Então, vamos abrir?

— Porque você é a mais animada, Rosicler, sabe o que tem aí? Já pensou se for um monstro?

— Podem ser joias...

Fuuuuuuh! O mascarado suspirou. A exploradora passou a analisar o caixote de metal. O designer das formas era extremamente complexo: havia representações de corpos celestes, animais e forças da natureza numa espécie de enigma pictórico. Os dedos ágeis dela passaram a alisar de modo luxuriante o metal em alto-relevo.

— Quantos mistérios você possui?

Ela abaixou-se e abraçou a caixa. Depositou seus ouvidos nela, esfregando-a com as mãos.

— Vamos, seja boazinha, abre vai...

Rosicler vagueou seus olhos pelo imenso retângulo. Embora existisse uma tampa, não havia trancas, fechaduras ou qualquer outra maneira de arrombá-lo. Diferente dos cofres, ela também não possuía um dispositivo de senhas como roletas numeradas ou teclas. O conjurador pediu para que a garota saísse de cima, e ela atendeu fazendo birra.

— Não dá para abrir esse baú assim não, sua tonta. Essa coisa está protegida com uma sequência lógica de selos de magia rúnica, que podem provocar efeitos para impedir alguém de abri-la sem permissão. É um mecanismo bem sofisticado. Se nós tentarmos iniciar uma sequência, a qual nem sabemos como começar, ela acabará liberando um processo que pode nos matar em segundos enquanto garante a segurança do que está guardando...

Enquanto o sevo de Nalab continuava a sua monótona explicação, a ágil garota analisava palmo a palmo a urna. No centro da tampa estava uma figura do universo, havia estrelas, cometas e diversos planetas alinhados. Em cada uma das imagens, havia uma linha tênue, quase imperceptível a olhos nus.

Com as vistas apuradas, ela seguiu as linhas nas frestas dos desenhos, percebendo que elas passavam atrás das imagens em alto-relevo.

Ahá! Eu sabia que não era tão difícil, veio!

— Ela está sorrindo, será que encontrou a solução para o mistério, Tell?

— Não sei, Index, mas ela parece muito concentrada...

— Parem de cochichar nos meus ouvidos, assim eu não consigo me concentrar aqui, oh!

— Desculpa!

O Guardião do Monstronomicom e o mago-espadachim exclamaram ao mesmo tempo. Rosicler resmungou. Saragat lavou as mãos e passou a observar o desempenho dela.

— O que é isso?

Ela apontou para o centro da tampa. O mascarado estreitou os olhos e murmurou puxando pela memória. Possuía pouco conhecimento em simbologia, mas aqueles arquétipos não eram tão incomuns para que pudessem ser ignorados.

— É o mundo supralunar, a abóbada com todos os corpos celestes do firmamento. O céu que fica além da atmosfera, o universo desconhecido...

— Tá, tá, basta! Chega da aula de cosmogonia por hoje.

Hunph, que garota desaforada!

Com a sua meticulosa investigação, mais dos signos foram descobertos. Nos quatro cantos da tampa estavam os quatro elementos. Em cima deles havia uma tocha incandescente. No lado esquerdo, uma cabeça humana soprava rajadas de vento. Abaixo, havia uma cadeia de montanhas, e no lado esquerdo, um padrão de ondas concluía o círculo dos quatro elementos.

Rodeando esse conjunto de figuras, estavam duas formas que pareciam grandes vírgulas, uma delas parecia uma serpente, já a outra parecia mais um peixe. Saragat deixou escapar um suspiro de alguém muito cansado.

— Desiste, vai. Essa coisa aí só vai ser aberta por quem à selou.

— Paciência é uma virtude!

A garota cantarolou como se não estivesse ouvindo a implicância do outro. Ela circundou toda a caixa de metal, depois apoiou o queixo com uma das mãos, fez uma expressão grave e assim continuou por minutos inteiros.

Depois de ver a cara dos companheiros, ela esfregou as mãos e sorriu malevolamente. Tell e o conjurador já estavam bastante excitados.

— Eu já sei a resposta, é tão óbvia que chega a ser infantil.

— Diz qual é então, sabichona?

— Calma, calma, me deixe saborear esse momento, encapuzado...

O garoto e Index pulavam impacientes na frente da jovem, ela soltou um suspiro.

— Vai, Rosicler, diz, por favor!

— Tá bem, tá bem, eu não sou uma garota tão má assim.

Convidando-os a ver o longo retângulo, ela frisou as suas deduções:

— Vejam esses padrões. Olhando assim eles até parecem aleatórios, mas não para olhos treinados de uma caçadora de tesouros...

— Você não quis dizer “saqueadora de tesouros”?

— Saragat, pare de implicar com ela...

— Sua inocência me comove, nós estamos em companhia de uma larapia.

— Anhanhan... Como eu ia dizendo, os desenhos seguem uma sequência, iniciando do universo, depois passam pelos quatro elementos, que por sua vez estão envoltos dessas serpentes que são o princípio masculino e feminino.

O conjurador e o Lisliboux ergueram as sobrancelhas. Index continuava a assistir à explicação com olhos arregalados. O servo de Nalab esfregou o nariz e disse ironicamente:

— Para uma ladra, até que você tem cultura.

— Alguém que deseja obter riquezas deve ter conhecimentos gerais suficientes para conquistá-las.

O mascarado observou-a com uma expressão afiada. A autodenominada caçadora de tesouros pôs as mãos na sua cintura fina em desafio. Saragat fez um gesto com as mãos se desculpando. Ela continuou:

— E agora vem a parte mais interessante...

Os olhos dela brilhavam como se tivesse recebido um diamante de presente.

— Os desenhos em alto-relevo podem ser movidos em qualquer linha, como um quebra-cabeça. Se eu mover a peça errada, então à caixa poderá se fechar para sempre. É claro que o dono disso deve ter uma senha mestra. Mas notem uma coisa...

Apontando com os dedos graciosos, ela indicou o formato espiralado das figuras. A espiral seguia em sentido horário. A mão escorregou pelas laterais do esquife de metal e parou em um símbolo, este por sua vez, representava o ser humano.

Depois disso, ela voltou a se concentrar no tampo metálico escuro e moveu um dos corpos celestes. O conjurador afastou Tell de perto do caixote.

— Tem certeza do que tá fazendo, sua louca?

— Não amola, cara!

A estrela foi deslizando pela linha mui finíssima provocando um som de engrenagens a trabalhar. O garoto inclinou a cabeça, ele podia ouvir. Entretanto, houve um momento em que a estrela parou, não tinha mais como ela passar entre as outras figuras esotéricas.

Rosicler se dirigiu a outra e fez o mesmo movimento, parando quando esta não podia mais deslizar por entre as frestas. O som de engrenagens aumentava cada vez mais. Trac-tric-trac, este era o barulho que se ouvia. O servo de Nalab fez uma careta, ele sentia que de uma maneira ou de outra, aquilo não seria nada bom.

— Pare com isso enquanto é tempo, menina.

— Só acaba quando termina, mago de araque.

Saragat levantou o cajado, mas antes que pudesse partir à cabeça da garota, o mago-espadachim interveio. Os dois entraram em luta corporal.

Ai, ai, ai, ai, como é que eu vou me concentrar desse jeito?

No centro da tampa apareceu um enorme vazio. Agora era a vez da serpente e o peixe. As imagens foram giradas em sentido horário, e para susto geral, elas iniciaram um incrível fenômeno.

Uma cacofonia pôde ser ouvida de dentro da caixa. Os desenhos passaram a realizar movimentos autônomos, e as formas dualistas terminaram nas laterais do baú metálico, só que num cumprimento maior.

Só falta uma peça, só mais uma...

— Viu? Eu sempre soube o que estava fazendo, Saragat.

— Sorte não vale.

Ela revirou os olhos, e continuou, com gestos teatrais, apresentou o resultado final:

— E agora, eu, Rosicler Cochrane, irei abrir a caixa misteriosa...

— Infelizmente, ela não é para o seu bico.

O trio olhou ao redor, dezenas de soldados armados com pistolas e mosquetes os encurralaram. Abrindo espaço entre eles, uma jovem mulher com olheiras. Tell tentou se explicar, mas a mulher de postura militar e olhos firmes não lhes deu ouvidos. Ela apontou a arma na sua testa.

— Es-pe-pera moça, n-nós somos...

— Não me interessa quem são vocês. Rendam-se ou serão mortos!

Saragat se pôs à frente da mulher apontando o cajado, ela o encarou firmemente.

— E se a gente não quiser se render?

— Não temos mais porque esperar. Abram fogo contra esses bandidos!

— Sim, general-brigadeiro!

— Oh deusa das sombras, emanai vosso poder através deste servo... Obnubilar.

Num rompante, as sombras expelidas pelo cajado se converteram numa redoma escura. Bang-bang, uma saraivada de tiros de mosquete e pistolas ricocheteou na cúpula.

— General-brigadeiro Letícia, o que vamos fazer?

— Parece que estamos combatendo uma conjuradora das sombras aqui, oficial. Me dê cobertura, eu sei o que fazer...

Quando os soldados passaram a recarregar as armas, o mascarado desfez a conjuração.

Tell fez o seu movimento. Descrevendo 360° com o sabre, o garoto atacou.

— Alizé.

A rajada de vento varreu o solo levantando cinzas e poeira, os militares foram arremessados para trás. A garota continuava diligentemente a sua tarefa.

— Rosicler, abra logo essa... Unfh, unhg!

O mascarado estava amordaçado, foi tão rápido que nem mesmo ele pôde perceber. Uma espécie de goma amarela e grudenta havia sido arremessada na boca dele, quanto mais ele tentava retirar a goma, mais ela aderia ao seu corpo. Ele acabou com as duas mãos e um pé preso à boca.

Conjuradores são até bastante poderosos, mas tem uma grande fraqueza: impedindo-os de recitar, eles não podem executar as suas conjurações...

— Olha, moça, não precisava fazer isso. Nós somos os enviados do Baronato de Flande...

— Se for verdade o que diz, meu jovem, deve possuir o livro, o Monstronomicom.

— Claro que...!

Olhando em volta, tanto o tomo como Index haviam sumido. O mago-espadachim ficou desesperado. Rosicler finalmente encontrou a última sessão do mecanismo e ativou a caixa de metal. Ela emitiu luzes por todas as linhas e passou a se abrir.

— Não, sua idiota, não faça isso!

Era tarde demais. Pouco a pouco todos presenciaram a urna se contrair para dentro de si mesma e ficar cada vez menor, adquirindo um formato cúbico. Quando o processo foi concluído, restava apenas um suporte quadrado com uma pedra vermelha e cintilante como um rubi. A jovem imaginou o quanto aquela joia valeria.

Os agentes alfonsinos se ergueram prontamente, os seus olhos chamejavam de ira. Letícia passou a esmurrar um punho no outro e a rosnar entre os dentes.

— O que você fez? Agora vou levar vocês a nossa prisão. Terão muito o que nos explicar.


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