Lily Apaixonada escrita por Bianca Vivas


Capítulo 1
A Mensagem não Autorizada




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807088/chapter/1

A manhã acompanhava o humor de Lilian. Agradável. Era o tipo de manhã em que grandes coisas aconteciam. Uma nova amizade eterna; o título de um campeonato; o amor da sua vida, finalmente, aparece. Lilian acreditava que tudo isso podia acontecer em manhãs como aquela.

A menina, ainda na cama, olhou as horas. Em uma nota no celular, estava o encontro daquela tarde, que ela já havia esquecido há muito tempo: filme com as suas melhores amigas. Definitivamente, aquele seria um dia perfeito. Decidiu levantar e ir tomar café da manhã.

— Bom dia, papai! — Disse, ao chegar à cozinha.

— Bom dia, Lilian. — O sr. Evans tirava algo do forno, e respondeu sem se virar.

Ele pôs a bandeja na frente de Lilian. Brownies. Lilian pegou um. Estava quente e a garota o soltou assim que seus dedos o tocaram. Soprando a pele avermelhada, ela notou um estranho brilho no olhar do pai.

Desde que voltara de viajem, Benjamin Evans andava estranho. Sorrindo pelos cantos, suspirando e cantando. Parecia um adolescente novamente.

— O que foi?

— Nada. — Lilian o fitava fixamente. — Você está rindo. — Observou.

— Um homem não pode mais sorrir? — Ele perguntou, tirando algo da geladeira.

— Pode — Lilian estava cautelosa agora —, mas você está rindo demais!

Benjamin deu de ombros. Começou a cantarolar e a atirar coisas da geladeira. Queijos, sucos, frutas...

— Pai! — Lilian chamou-o, com uma urgência em seu tom. — Está acontecendo alguma coisa que eu deveria saber?

— Defina alguma coisa.

— Uma namorada.

Benjamin riu. Não. Gargalhou. Uma risada gostosa de se ouvir, mas que irritou Lilian profundamente.

— Claro que não. — Riu novamente e mudou bruscamente de assunto. — Acho que devemos jantar fora hoje à noite.

— Hoje à noite não vai dar — ela olhou-o, pedindo desculpas. — As meninas vão vir assistir filme aqui em casa hoje, talvez fiquem pra dormir.

Benjamin assentiu.

— Tudo bem. Façamos o seguinte — sentou-se e tentou manter uma pose casual — eu, você e a Petúnia, assim que vocês puderem, vamos jantar naquele seu restaurante favorito. Topa?

Lilian franziu o cenho. Seu pai certamente estava aprontando alguma coisa, mas ela não tinha muito tempo para pensar nisso, então, apenas assentiu.

— É. Vai ser uma boa. — Deu um beijo em Benjamin e saiu da cozinha, com dois brownies na mão.

Voltou ao próprio quarto. Queria tentar terminar a canção que estava escrevendo, enquanto esperava o tempo passar.

Sentou na cama, o violino de um lado e o violão do outro, caneta azul e caderninho a sua frente. Treinara, durante a semana anterior, escrever canções. Tinha ocorrido uma melhora satisfatória em suas letras, porém as notas continuavam desencaixadas. Ela não conseguia organizar as ideias de modo a deixar letra e música em perfeita harmonia.

Soltou a respiração pela boca. Releu os versos escritos no papel e revisou as notas: pareciam piores à medida que o tempo passava. Em raros momentos como este, sentia a falta da mãe.

Se Sara estivesse ali, ajudaria nos arranjos, nas notas. Organizaria a emoção. Mas ela estava morta e Lilian não lamentava por isso. Pelo menos, não o tempo inteiro. É difícil chorar a morte de alguém quando esta pessoa te abandonou. Mesmo assim, não deixava de pensar que, quem sabe, a música já não estaria pronta àquela altura.

Ela cansou de tentar encontrar uma solução para sua falta de talento e foi até a varanda.

O sol do meio dia incidia sobre as flores abaixo. Era quente, como nunca o era naquela época do ano. Lilian imaginou se aquilo era um sinal, uma pista qualquer sobre algo grandioso que aconteceria. Riu de si mesma pelas baboseiras que pensava, e decidiu comer alguma coisa. Pensar daquele jeito lhe dava fome e já era quase meio dia.

Virou as costas para o recinto e desceu as escadas.

Almoçou sozinha com os seus pensamentos, sem Benjamin. Ele foi resolver algum problema de última hora, dissera Annie, a governanta da casa. Foi um momento tedioso e solitário, e Lilian odiava o tédio e a solidão. Eles faziam-na se lembrar de quando tinha onze anos e não tinha amigas.

Quando Lilian terminou de comer, depois de muito divagar, Benjamin ainda não chegara. A casa permanecia quieta e taciturna. Sentiu certo alívio ao visualizar o relógio no próprio pulso. Faltava uma hora, logo as meninas chegariam e ela precisava se arrumar.

Foi tomar um banho e, quando saiu do banheiro, encontrou Mary McDonald recostada na cama, lendo algo. Lilian percebeu que era o caderninho com os versos inacabados de suas músicas e entrou em pânico. Ali estavam escritos seus mais secretos sentimentos, os que não tinha coragem de revelar a ninguém. Subitamente, tomou o caderno das mãos de Mary. Com a mão úmida marcando as páginas, a toalha escorregando de seu corpo, Lilian segurava aqueles papéis úmidos com uma força protetora que beirava ao constrangimento.

— Não deveria estar lendo isso! — Gritou com raiva, meio envergonhada.

— Desculpa! — Mary gritou de volta. — Annie disse que eu podia subir e encontrei esse caderno aberto. Não sabia que era seu diário.

— Não é meu diário. — Lilian garantiu.

— Ah, ainda bem — Mary respirou aliviada. — Pensei que estivesse apaixonada por Snpae!

Mary havia lido os versos românticos das primeiras páginas e achou que se referiam a Severo Snape, o rapaz que beijara Lilian na festa de Halloween da escola. O mesmo Snape que não ligou no dia seguinte, que fingiu não a conhecer quando se encontraram casualmente outro dia. Alguém por quem Lilian não poderia nutrir qualquer tipo de sentimento, nem mesmo amizade. Mary queria garantir isso.

— Ugh! — Lilian fez uma careta. — Nunca!

As duas gargalharam.

— Acho que vou me trocar. — Lilian voltou ao banheiro, quebrando o momento de leveza.

***

Mary e Lilian permaneceram no quarto, ouvindo música e conversando, até a campainha tocar anunciando a chegada de Marlene McKinnon e Emmeline Vance. Logo, as quatro meninas se esparramaram pela sala. A pipoca já estava pronta e o filme fora posto. Entre gargalhadas e assuntos que surgiam como o vento forte em uma tarde de verão, a tarde de cinema fora esquecida.

Eram quatro adolescentes ali. Sem preocupações com a vida, apenas diversão. Não sabiam onde estariam dentro de três anos, a única certeza era o agora. Aproveitavam a sólida amizade, regada e cuidada por anos, enquanto ainda a possuíam. Entretanto, mesmo entre amigas, erros são cometidos.

Este fora proposto por Marlene: deveriam contar algum segredo.

O benefício daquela brincadeira, Lilian só provaria dali a uns meses. O que aconteceria agora seria a sua total desgraça. Pelo menos na mente de uma garota de quinze anos, onde toda tragédia é ampliada. Mal da idade.

— Começa com você, então... — Lilian falou, apontando para Marlene.

— Por que eu?

— Porque foi você quem sugeriu, oras! — Emmeline deu a resposta mais lógica.

— Tudo bem. — Ela concordou. — Eu marquei de me encontrar com um cara que conheci na Internet.

— O quê? — Mary parecia não acreditar na revelação.

— Ah, de boa — Marlene pegou um chocolate, despreocupada. — Eu acabei não indo.

— Este não é um final legal para uma história. — Lilian observou. As outras meninas a fitaram como se fosse louca.

— Então, que tal você contar um segredo agora, Lilian? — Marlene perguntou, colocando um tom de sarcasmo na voz.

— Tá — Lilian deu de ombros, pensando sobre o que deveria contar. Não conseguia encontrar nada, até que desistiu. — Acho que não tenho nenhum segredo.

— Ah, mas eu acho que você tem — Marlene levantou-se repentinamente, o dedo em riste. — Admita que você queria ficar com o Potter!

Potter, ou James, havia sido colega delas na terceira série. Desapareceu e reapareceu, alguns anos depois, na forma de um menino bonito e popular, que começou a conversar com Lilian.

— Quem é Potter? — Mary perguntou, perdida.

— É o garoto que ela dispensou na festa de maio. — Marlene respondeu.

— Não acredito! — Agora fora Emmeline quem levantara. — Depois de toda aquela conversa... Vocês juntos... O trabalho que tive... Por que não me falou?

Lilian enrubesceu. Tinha marcado de se encontrar com James em uma festa. Quando o viu, de blusa vermelha e jeans, não conseguiu resistir ao impulso de fugir. Correu para onde uma multidão ajuntava-se e, dali, partiu para o banheiro.

Ao sair de lá, deu de cara com as amigas dele: duas garotas bonitas que a carregaram até o local onde James estava. A ironia era que nenhuma das duas sabia da relação entre James e Lilian, elas apenas queriam reunir o grupo em um lugar só.

Encará-lo, entretanto, não foi mais fácil. A chegada de Emmeline à rodinha foi um alívio... E um tormento. Emmeline tentava pôr os dois na mesma conversa. Lilian queria ir para casa. Não poderia continuar naquele ambiente. Quanto mais olhava para James, pior se sentia. Algo naquele garoto a fazia tremer. Não de um jeito ruim, mas era algo assustador.

Suas pernas estavam bambas, a boca seca, o coração acelerado. Nada parecia normal. Naquele momento, Lilian sentiu um medo delirante de se apaixonar. A única coisa que ela conseguiu fazer foi cerrar os punhos e puxar Emmeline para um canto. Disse que não estava se sentindo bem e foi embora.

— Bom, eu não disse que tinha ficado... — Lilian deu de ombros.

— Mas deu a entender! — Emmeline gritou.

Então Marlene levantou-se numa pose séria.

— Você admite que se arrependeu de ter dado um fora nele, Lilian Evans?

— Não é bem arrependimento — Lilian começou a dizer, mas Marlene a olhou ameaçadoramente. ― Ah! Tudo bem. Eu me arrependi.

Então, com uma piscadela, Marlene declarou:

— Talvez ainda haja uma maneira de contornar a situação.

Os olhares trocados entre as garotas foram rápido demais. Quando percebeu, Marlene corria para seu quarto, enquanto ela permanecia presa pelo abraço de Mary e Emmeline. Não sabia o que acontecia lá em cima, mas podia imaginar que ela estava mexendo em seu notebook.

— Droga! — gritou para o nada. — Deixei meu Facebook aberto!

— Ainda bem — Mary e Emmeline falaram em uníssono.

Com algum esforço, Lilian conseguiu sair de debaixo das garotas. Empurrando-as, correu escada acima. Chegou ao quarto quase escorregando, já sem fôlego. Mas era tarde demais. A página de seu perfil estava aberta e cheia de prints e marcações. E não eram coisas legais.

Eu amo James Potter” — Estava escrito, havia também vários comentários:

Minha amiga está apaixonada.”

Lily in love.”

O amor é lindo.” — E muitos outros.

Embaixo, vários compartilhamentos e curtidas. E uma delas pertencia ao próprio James. Lilian entrou em pânico. Desta vez, elas tinham passado dos limites.

A cabeça de Lilian latejava.  A cólera expressa em seu olhar não beirava à escondida em seu interior. O ambiente ficava difuso à medida que tentava pensar. Cerrou os dentes, fechou os punhos. Uma maneira de não gritar. Vergonha, raiva, medo. Tudo mesclado no pequenino corpo da garota. Nunca se imaginara em situação semelhante.

Lilian apertou as têmporas com os dois dedos indicadores. Buscava raciocinar. Criar uma linha racional de pensamento. Encontrar uma solução. As outras a observavam.

 Emmeline arrependeu-se instantaneamente de sua ação ao ver a dimensão do estrago, mas as outras garotas sabiam que Lilian sempre as perdoaria. E era verdade. Ela não conseguia guardar rancor por muito tempo. Acreditava que ira e ódio causavam um mal imenso. Um bonito pensamento, contudo, nem sempre era útil.

— Saiam, por favor — pediu Lilian, surpresa ao perceber o quão controlada sua voz estava.

— Lily... — Mary tentou dizer.

— Agora não, Mary. Agora não.

Mary saiu cabisbaixa, seguida pelas amigas. Contudo, Lilian segurou o pulso de Emmeline, impedindo-a de seguir caminho.

— Você fica.

Um arrepio percorreu a espinha de Emmeline. Por um momento acreditou que Lilian iria acabar com a amizade delas ali mesmo. Mas, seguida à saída das meninas, um sorriso estampou-se no rosto de sua melhor amiga.

— Não está brava?

— Não com você ― ela disse, num tom um pouco sério. ― Sei que não fez por mal.

— E o que você vai fazer?

— Vou apagar e dizer que nunca mais deixo meu Facebook aberto na presença delas. ― Lilian começou a mexer na própria rede social, pondo em prática o que havia dito. ―  Simples como chocolate quente no inverno. — Elas riram juntas da piada antiga.

As respostas à postagem foram imediatas. Poucos segundos depois, a tela do computador piscou. Uma telinha abriu-se, exibindo uma mensagem:

Sacanagem com a garota.

Lilian respondeu:

Concordo. Uma mentira que não será repetida.” – Em seguida, desligou o computador.

— O que ele queria? — Emmeline perguntou, já sabendo quem estava do outro lado da tela.

— Nada demais. — Lilian respondeu, saindo do quarto.

Mary e Marlene esperavam as duas, um pouco tensas, sem saber o que Lilian diria a elas. No entanto, a menina já havia superado o que acontecera e a única coisa que fez foi exigir poder escolher qual filme iriam assistir.

― Meu deus! ― Marlene gritou de repente ­― Já escureceu!

As meninas olharam pela janela e, de fato, o sol já estava se pondo. A lua surgia no horizonte, bem distante e brilhante.

— O tempo passa rápido quando a gente se diverte — Emmeline deu de ombros.

— E a noite é uma criança, como dizem ― Lilian completou.

— Sim ― Mary concordou. ― E a gente tem que ir, antes que fique mais tarde ainda.

As três amigas de Lilian estavam prestes a sair quando pingos de água começaram a cair. Uma chuva de inverno começava.

— Acho que você vai ter que emprestar uns guarda-chuvas pra gente — Emmeline riu, enquanto abraçava Lilian na porta da casa.

— Ou vocês podem esperar meu pai chegar. — Mediante a recusa das garotas, Lilian procurou barganhar mais: — Sério. A casa de vocês é longe, tá chovendo e já tá escuro. É melhor esperar meu pai. Ele já deve estar chegando.

Lilian insistiu tanto que as meninas acabaram cedendo. Uma boa escolha, porque logo os pingos engrossaram. Relâmpagos cortavam o céu e trovões ribombavam nos frágeis ouvidos humanos. O trânsito aumentou; os trabalhadores tentavam voltar para casa.

A enxurrada aumentava e Benjamin, pai de Lilian, se viu preso entre dois carros, um vermelho e um branco. Petúnia, a filha mais nova, estava com ele e comia salgadinhos, enquanto ouvia músicas melancólicas no banco da frente.

Emmeline, Marlene, Mary e Lilian deitavam-se nos colchões da sala com duas panelas de brigadeiro e cobertores. Um menino, em algum lugar, olhava a tela do computador. Lia e relia a mensagem que fora deixada para ele.

Todos, a seu modo, esperavam a chuva passar. E, quando ela se foi, o mundo já estava imerso em outras atividades. Exceto o menino.

Ele ainda olhava a tela do computador. Lia e relia a mensagem que fora deixada ali. Perguntava-se o quanto daquilo era verdade, e desejava que cada palavra dita por Lilian Evans fosse mentira.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Lily Apaixonada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.