O som do alarme toca às 6:10 da manhã. É só terça-feira ainda, e por isso não tenho o menor ânimo para levantar, mas o faço mesmo assim, sempre fui muito disciplinado com o trabalho. Encontro minha escova de dente dentro de sua cápsula e faço todos os movimentos mecânicos sem sequer pensar. Vou ao encontro da minha toalha pendurada na porta do armário. Embaixo da ducha, já sei a exata quantidade que preciso girar a válvula em sentido anti-horário para que a temperatura fique na que sempre tomo banho. Após ficar os corriqueiros 4 minutos no banheiro. Volto ao quarto e começo a me vestir, pego os sapatos sociais na prateleira mais baixa do armário, e me concentro nas acrobacias com os dedos para ajeitar a gravata.

Tudo ia perfeitamente normal, até que percebi algo. Sim! Algo estava diferente, ou melhor, não estava. Era justamente esse o problema: nada estava diferente de ontem! Dei um giro de 360 graus para observar o cômodo à minha volta e, definitivamente, tudo estava perfeitamente idêntico ao dia anterior. A escova de dente estava no mesmo lugar da última manhã, a toalha estava mo mesmo lugar, as roupas estavam no mesmo lugar, os calçados estavam no mesmo lugar, os copos estavam no mesmo lugar, a comida estava no mesmo lugar, e era a mesma comida! Estava estranho demais, então comecei a vasculhar a casa por inteiro em busca de uma prova do contrário... mas falhei. Mesmo o menor dos detalhes corroborava com a minha hipótese: o dia estava se repetindo! Olhei para o chão e vi migalhas; essas mesmas migalhas estava ali ontem. Olhei para o teto e vi uma aranha suspensa em sua teia; essa mesma aranha estava ali ontem. Foquei na janela e percebi uma fila de formigas transitando entre uma fissura e outra da parede; essa mesma fila estava ali ontem. Interrompi-me. Se eu realmente estava presenciando algo surreal, não tinha tempo para descobrir ali, estava atrasado para o trabalho... assim como ontem!

Decidi seguir em direção das minhas responsabilidades, se eu realmente estava preso à segunda-feira anterior, os eventos do dia me diriam isso. Infelizmente, o primeiro acontecimento não foi animador: meu chefe me ligou pedindo para que eu chegasse mais cedo hoje, a mesma ligação que recebi ontem, com o mesmo assunto. Peguei as chaves do carro que estavam no mesmo lugar de ontem e comecei a dirigir pela rua. O mesmo vizinho que me cumprimentou ontem fez isso de novo hoje, e em sua mão, a mesma mangueira que regava as plantas estava. Cheguei no primeiro semáforo faltando três segundos para que este ficasse vermelho, e a mesma sensação de alívio de ontem o meu corpo sentiu. Talvez se eu ligasse o rádio do carro estaria passando algo diferente de ontem, mas não estava, o locutor informou novamente que a previsão era de tempo ensolarado. Me acostumando com a ideia, ousei olhar pela janela à minha esquerda para observar o ônibus que pega os passageiros no ponto enquanto espero o quarto semáforo do meu trajeto abrir, e previsivelmente, lá estava o 184. Minha sensação inicial de medo tinha passado, então nem me incomodei quando entrei no prédio da empresa em que trabalho sob os protestos do meu chefe, embora eu também não tenha me incomodado ontem.

E o meu dia em que as coisas se repetiam seguiu, fiz tudo igual a ontem e voltei para casa. Foi então, que finalmente me deparei com a coisa mais óbvia que devia ter vindo à minha cabeça logo quando esse dia doido começou: o calendário. A minha sensação de espanto era espetacular. Era terça-feira! O dia não tinha se repetido! Mas não tive tempo para sentir surpresa, pois precisava ir dormir para acordar na quarta-feira às 6:10 da manhã.