Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 5
Memento Mori




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806815/chapter/5

Aquele dia, em especial, tinha tudo para ser um bom dia. O turno da noite tinha sido tranquilo na delegacia, com apenas pequenas ocorrências e delitos — um garoto bêbado que perdeu os documentos depois de uma noite de farra, um turista subjugado por assaltantes a caminho do hotel e um rapaz desmaiado em um beco — tudo de se esperar em uma cidade turística e mundialmente famosa como Santorini. 

As noites costumavam ser pacíficas ali. Assassinatos eram escassos, assim como roubos seguidos de morte. Para um detetive de homicídios comum, a cidade seria tediosa; mas não para Veronika Drăculești. A moça já tinha visto inúmeros empalamentos e assassinatos a sangue frio em sua juventude, o que era suficiente pelo resto de sua vida imortal, muito bem, obrigada. 

A maioria dos casos da cidade não passavam de pequenos furtos, brigas de bar e problemas entre vizinhos, e Vyka não trocaria essa tranquilidade por qualquer outra coisa no mundo.

Depois de terminar seu turno mais cedo,como de costume, um rapaz que conheceu há alguns meses e com quem vinha saindo já há algumas semanas chamado Stefanos, tinha passado para convidá-la para sair, e Veronika não pensou duas vezes antes de aceitar.

Mais um motivo pra esse ser um bom dia, pensou sorrindo, enquanto andava de encontro ao rapaz que a esperava à porta do distrito. Deu-lhe um leve beijo nos lábios e deixou que a guiasse até seu carro, um chevy 1955 vermelho.

Stefanos era um rapaz bonito, de uns trinta e poucos anos, cabelos e olhos negros, pele deliciosamente bronzeada: o tipo de homem que se espera de um país como a Grécia, com toda aquela história de deuses gregos. A detetive o tinha prendido em um caso há alguns meses, mas, no final das contas, a prisão acabou se comprovando um engano, e Vyka acabou na cama de Stefanos. Desde então, os dois se encontravam com certa frequência, sempre na casa dele, o que costumava levar a uma noite — ou resto de noite e começo de manhã — muito quente. A noite anterior não tinha sido exceção.

Agora, Veronika encontrava-se no carro de Stefanos, que dividia sua atenção entre a estrada e a moça. O rapaz lhe ofereceu uma carona até sua casa depois de almoçarem em um dos muitos restaurantecos da cidade, Vyka tendo aceitado sem pensar muito sobre o assunto. 

A mulher olhou no relógio, soltando um pequeno suspiro. Pouco mais de 3:35 da tarde.

  Ele já deve estar dormindo há algumas horas,Veronika suspirou, um pequeno sorriso nos lábios vermelhos.Realmente, um dia perfeito. 

Porém, assim que o carro dobrou a esquina a caminho de sua casa, o sorriso da detetive se desfez. Ao primeiro olhar na direção de sua propriedade, Veronika avistou as luzes ainda acesas e a porta aberta de todo, deixando que a luz solar inundasse sua sala de entrada. De imediato, Vyka soube que algo estava errado, e o que até então tinha sido um ótimo dia, tinha tudo para se transformar em um dia memoravelmente ruim.

A primeira sensação que a detetive sentiu ao passar pela porta — ou o que restou dela, depois do que parecia ter sido uma entrada forçada — foi medo. O sol iluminava o interior da sala de entrada da casa quase por completo, e as palavras "sol" e "Devrim" não eram concordantes entre si, a não ser que houvesse um termo de negação entre elas.

Sentindo o pânico tomar conta de seu cérebro, a reação imediata da moça foi procurar por cinzas — uma quantidade suficiente para provar que aquilo tudo era proposital, que seu marido havia, por fim, sucumbido à solidão e posto um fim em sua vida, ou algo do gênero —, mas não encontrou nada. Ou quase nada.

No chão da sala de estar, assim como em partes do sofá e do tapete persa que enfeitava o piso de madeira agora manchado, havia sangue, muito sangue. Se existia sangue, mas não cinzas, a probabilidade de Devrim ter sido levado era grande, e, infelizmente, não seria a primeira vez. Mas isso não era uma garantia de que estivesse vivo. Muito pelo contrário: sem toda aquela quantidade de sangue e submetido aos efeitos dos símbolos ao redor da propriedade e do sol que fazia lá fora, suas chances de sobrevivência diminuíam drasticamente.

Que droga, Dev! Em que você se meteu dessa vez?!  

Vyka ponderou sobre suas possibilidades de ação. Só existia uma pessoa, ou um certo grupo de pessoas, que fariam algo do gênero sem se importar com a bagunça deixada pra trás, ou com a vida de Devrim. Mas, fossem eles os responsáveis por tudo aquilo, não haveria muito a ser feito. Ainda tentando analisar a situação, a detetive notou uma presença na sala.

Wow — balbuciou Stefanos — O que caralhos aconteceu aqui?!

Somente então a moça se deu conta de que tinha saído correndo do carro de seu acompanhante ao sinal da porta arrombada sem dar nenhuma explicação. Ao que parecia, o rapaz a tinha seguido para dentro e se encontrava paralisado, com um olhar de puro horror em suas feições, encarando fixamente a poça de sangue sobre o chão cor de âmbar.

— Alguém morreu?! Quem fez isso?! tudo bem?!

— Tudo certo.— Vyka respondeu em um tom trêmulo e pouco convincente. Virando-se para Steffanos, rapidamente formulou uma história:

— A empregada caiu, e se machucou feio. A porta está assim porque os socorristas tiveram que entrar correndo.

Veronika, então, pegou um bilhete da mesa de Devrim, provavelmente de algum fã (Kaya, a agente literária de seu marido, sempre trazia esses bilhetes e cartas para que o rapaz lesse e se distraísse um pouco, mas Stefanos não precisava saber disso), e sacudiu, tentando chamar a atenção do rapaz:

— Eles deixaram um bilhete.

O rapaz virou-se para a moça, parecendo um pouco menos transparente, mas não muito confiante nas palavras que acabara de ouvir.

— Cruzes! Tem certeza de que foi isso? E o seu irmão?

— Irmão? — Indagou a detetive, estarrecida.

—É... —Stefanos respondeu, desorientado, sentando-se em um dos sofás intactos e levando uma das mãos à cabeça, ao sentir leves pontadas em suas têmporas, prova de que os selos da propriedade ainda estavam fazendo efeito — Seu irmão. Eu vim aqui te ver uma tarde dessas e um cara abriu a porta. Me disse que era seu irmão. Acho que o nome dele era Darvin, ou Denver, eu...

— Devrim?! — Veronika interveio, em um tom que beirava a incredulidade.

— Isso! Devrim! — O outro parecia satisfeito com sua resposta, mas, ainda assim, meio atordoado. — Parecia meio doente, meio triste, mas foi muito educado comigo. Me convidou pra entrar e tudo. Nós conversamos, até. Só que daí eu comecei a passar meio mal e tive que ir embora, mas, sei lá. Ele era meio estranho... sem ofensa— Stefanos rapidamente completou.

A moça sentiu o peito apertar com a revelação de Stefanos. Não. Não. Não!! Não era para eles terem se encontrado, pensava ela, será esse o motivo dele ter desaparecido? Será que dessa vez eu fatalmente passei do limite e ele foi embora? Mas se foi assim, por que tanto sangue? Por que durante o dia?

Alheio às indagações internas de Vyka, Stefanos voltou a encarar a poça de sangue, mãos ainda massageando de leve a cabeça latejante. Depois de alguns segundos, a detetive resolveu fazer algo; o rapaz parecia prestes a desmaiar.

—Olha, Stef, eu preciso resolver isso aqui. Preciso ligar para o meu... irmão, e limpar essa bagunça. E você parece que precisa de um analgésico. Nos vemos amanhã? — Vyka forçou um sorriso.

Okay. Até amanhã— foi a única resposta que obteve. E antes que a moça pudesse se despedir, Stefanos cambaleou para fora da porta, extremamente nauseado, pensando o quão machucado alguém deveria estar para sangrar tudo aquilo e o que exatamente tinha acontecido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!