Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 12
Barreiras nem sempre são muradas




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Chegar a Valcânia não trouxe tantas memórias doloridas quanto Veronika imaginava que traria, mas, na mesma medida, não foi a experiência mais prazerosa de todas. As grandes torres e o portal surrado de madeira continuavam os mesmos, assim como grande parte dos guardas que estavam sobre a muralha de pedras âmbar, encarando-a com curiosidade.

As figuras que a esperavam no portão também não haviam mudado: lá estavam seu pai, Vlad, com os braços cruzados na altura do peito e uma espada presa ao quadril — combinando em nada com o terno sob medida de corte fino que usava — e Agatha, sua mãe, com um de seus milhares de vestidos longos (feitos à mão, cada um contando com décadas de idade, mas tão bonitos quanto no momento em que foram adquiridos) e o cabelo longo e ruivo meticulosamente trançado, segurando o que parecia ser um grimório entre seus braços.

Alguns segundos depois de parar o carro, Adrik, que até então tinha sido o motorista, saiu apressado, aos tropeços, sumindo pelas ruelas do vilarejo em direção ao castelo, mas não sem antes fazer uma leve reverência ao casal que estava parado sob o portal. Já Vyka praticamente se arrastou a passos lentos em direção a seus pais, temendo a natureza da conversa que estava por vir.

Ser a filha mais nova tinha suas vantagens. Veronika sabia que, mesmo que Vlad estivesse injuriado com suas últimas atitudes, aquilo seria apenas uma conversa; algumas ameaças e alguns — muitos — gritos, mas nada mais grave do que isso. Ao menos, não para a moça; com Devrim, a história era outra. Afinal, certas barreiras — mais cruéis, urdidas pela própria sorte de nascer (ou morrer) em uma posição boa ou mediana — ainda permaneciam intactas, mesmo depois de séculos.

Valcânia não estava parada no tempo mas, com certeza, suas leis e regras não haviam mudado.

Não foi essa a primeira vez que Devrim foi usado de saco de pancadas real. Há alguns anos, em um caso parecido, uma situação similar ocorreu, não muito longe dali. Outro corpo sem sangue. Nyvieska e Kowalzcyek. Devrim nas masmorras.

Mas esta será a última, nem que tenhamos que sumir da face da terra, pensou a detetive. Já era hora de romper o ciclo. 

À medida que se aproximava das duas figuras insólitas, mas tão complementares entre si, a moça tinha apenas um objetivo em mente, mesmo que não soubesse como faria para alcançá-lo. Talvez convencer seus pais de que seu marido não era uma máquina de matar desenfreada fosse um bom começo.

Mas como?

Seu pai, como sempre, iniciou a conversa.

— Bem vinda de volta ao lar, Veronika. — Oo vampiro murmurou, quase que seco. Aquele não estava sendo um bom dia em geral, e lidar com a pirraça e o temperamento forte —  que a filha havia herdado dele mesmo — não era algo que Vlad gostaria de fazer. Muito menos sabendo que, mesmo que fosse por pouco, Vyka tinha razão em estar com os nervos à flor da pele.

Ignorando completamente a acolhida de Vlad, uma única pergunta ecoou da boca da moça.

— Cadê ele? — A voz saiu com menos força do que ela gostaria, mas, ainda assim, imponente.

O homem apenas sorriu, igualmente afetuoso e sarcástico, começando a perder a pouca paciência que tinha lhe sobrado em sua vida imortal.

— Isso lá é jeito de cumprimentar seus pais, Veronika?

— Claro que não — retrucou a moça, desafiadoramente. — O jeito é chegar em maior número, derrubar pelas costas e sequestrar, não é, tata?

Veronika... — sua mãe interveio, em um tom severo. Se Vlad era sempre o primeiro a provocar, Agatha era quem diluía os conflitos. Bastava um olhar mais apertado, ou um simples gesto de mão, e tudo estaria acabado. Mas desta vez, não foi o que aconteceu.

— Tudo bem, Draga mea. — respondeu o Voivoda à sua esposa, acalmando-a. — Ela tem direito à raiva.

— Direito à raiva? Direito à raiva?! — Veronika explodiu, sua voz cada vez mais alta. — Você mandou sequestrar meu marido simplesmente porque quis e eu tenho direito à raiva? Eu tenho direito a muito mais do que isso! Tenho direito a quebrar sua cara, por exemplo!!

O pseudo-sorriso de Vlad se foi por completo, e uma aura ameaçadora tomou conta do ambiente. Em uma situação comum, esse seria o momento de Vyka se esconder atrás da mãe, ou de um dos irmãos mais velhos, e simplesmente acatar qualquer que fosse a sugestão de seu pai, por mais absurda, cruel ou injustificada que fosse. E era o que a moça tinha feito, durante uma vida longa e semi-desenfreada em que fizera tudo o que queria, exceto quando seus desejos iam contra os do homem parado em sua frente. Quebra de parágrafo

Mas já era hora de firmar seus pés no chão e defender seu próprio terreno. Desta vez, Veronika estava decidida a acabar com toda e qualquer interferência de Vlad em seus planos, e em sua vida; seu pai precisava entender que Devrim não era uma ameaça e que não merecia ser jogado em uma masmorra por ser diferente da maioria.

E quanto a seu relacionamento com seu coreternum — bem, esse Vyka teria que resolver também. Não era justo nem com seu marido nem consigo mesma continuar do jeito que estavam, como dois estranhos dividindo uma casa, e não um casal unido há centenas de anos. Mas de nada adiantava pensar nisso agora. Uma batalha de cada vez.

E pela reação de seu pai, realmente haveria uma batalha. O Voivoda apertou seus olhos castanhos-escuros com força, indignado, mas não com tanta força quanto sua mão pressionou o pomo da base de sua espada, fazendo o metal ranger perante a insolência de sua filha.

— Quanto mais velha mais insubordinada, não é mesmo, Veronika? Talvez eu devesse prender você nas masmorras até que aprenda a ter modos, e não o peso morto que você chama de mar--

— Já chega. — Agatha, que até então observava a situação, resolveu intervir, para a surpresa de ambos, prontos a  desencadear uma briga. Nada contra isso, pensou a bruxa matriarca do clã Draculesti, mas não aqui. Aquela digladiação pública só traria boatos maldosos e sem fundamento, e uma ideia de união, em momentos tão complicados como os que, sem dúvida, se seguiriam, era crucial para a sobrevivência do reino.

— Se vocês pretendem arrancar as cabeças um do outro, tudo bem. Mas façam isso lá dentro, por favor — afirmou a mulher, em um tom severo, observando, sem surpresa, esposo e filha, como duas crianças birrentas, mesmo que com dentes rangendo e murmúrios de reclamação, virarem-se e seguirem em direção ao castelo, lado a lado, dispostos a continuar a briga lá dentro.


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