Eu acho incrível como o fato de que se alterarmos minimamente algumas coisas, essas alterações acordam pensamentos que normalmente eu não teria no meu dia-a-dia. Normalmente, eu não tenho tempo de me dedicar aos cuidados da minha casa, então é muito comum que ela esteja bagunçada, esteja empoeirada e com um grande sentimento de abandono dela. Algumas pessoas dizem que o nosso exterior reflete o estado que estamos por dentro. Eu até acharia isso uma bobagem, se não fosse realmente verdade. A minha casa é um verdadeiro reflexo de mim, se você quer me conhecer, entre nela, mas só se conseguir... Existe um muro na porta da minha casa, assim como existe um muro na minha frente... Geralmente o sorriso que eu te mostro não é meu, o riso que eu dou não é pra você, as palavras que você ouve de mim te atravessam porque não são destinadas a ninguém. A minha casa tem um canto que muitas vezes está abandonado, ele bate, ele pulsa, tem meu coração ali com ele. Só eu me entendo com ele, só eu me encontro nele e por isso não deixo ninguém entrar aqui, para não ter a chance de encontrarem ele e eu e, mais uma vez, estar vulnerável aos julgamentos daqueles que não entendem as minhas questões e os meus silêncios. Ter a oportunidade de entrar aqui é uma chance de você entender a dor da casa, a minha dor, a nossa dor... Só que é no exato silêncio dela em que eu me encontro e recolho cada caco meu despedaçado no dia. O ato de limpar a minha casa é o ato de eu reconstruir algo em mim mesma que eu não sei exatamente onde quebrou, nem bem o que quebrou. Quando eu organizo a minha casa, eu me recolho como pessoa e me reconstruo para o dia seguinte, para sorrir pra você, dar risada pra você e te encantar com o meu jeito infantil. Agora a pouco, enquanto eu estava limpando o quarto, a porta bateu e se fechou. Me assustei não por causa do barulho que ecoou pela casa, mas sim pelo sentimento de acolhimento. Quando a porta fechou, me dei conta em que eu estava em um mundo só meu, só meus pensamentos tinham importância, meu sentimentos eram livres pra explorar cada pedaço do quarto. Nem sempre estar só é sinônimo de estar solitário, ter um espaço só seu te proporciona o privilégio de conviver em um mundo em que não existe esforço para você ser compreendido e não precisa ser forçosamente aceito. O meu espaço é onde eu guardo os meus pecados, discuto com meus segredos e guardo eles na gaveta, se eles fugirem, eu não vou me preocupar em sair de casa, tenho vários deles, um só não vai me fazer falta. O meu espaço é onde eu tenho a liberdade de me reconstruir no meu tempo, de recolher os meus pedaços e pensar, para o futuro, em como eu vou colar eles para que não se quebrem da mesma forma que antes. Meu espaço é onde meu silêncio coexiste junto com a gritaria dos meus pensamentos, sempre em conflito sobre a próxima vez que eu vou sair por aquela porta. Toda vez que eu saio de casa, faço um esforço para me manter presente ali em cada momento, em cada fala e em cada ato diário. Quando eu posso, sempre me dou o luxo de me desligar, é sempre nesse momento em que me dizem que meu olhar está longe e perguntam se está tudo bem. Eu carrego comigo, todos os dias, o sentimento de estar solitária entre a multidão, mas na maioria das vezes eu fico em silêncio justamente para aproveitar a companhia daqueles que me acompanham deste e do outro lado. Nem sempre estar só é sinônimo de abandono, mas a forma que você lida com isso é o que importa. Nosso medo não é a solidão, nosso medo é de estar apenas na nossa própria companhia e saber que temos que lidar com nossos defeitos e nossa cruz. Todas as noites eu durmo com a porta do quarto aberta, mas torço para que ela se feche e eu possa continuar com a minha reconstrução, com a minha renovação e poder seguir os meus caminhos na companhia daqueles que nunca me deixam só. Experimenta fechar a sua porta, depois você me conta o que aconteceu...