O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 21
O Martírio de Fogo


Notas iniciais do capítulo

AAH PENÚLTIMO CAPÍTULO
Preparem os lencinhos, sim? Sexta que vem vamos finalmente conhecer o desfecho dessa história inusitada!

Boa leituraaa ♥



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Quarto de hóspedes, Casa dos Marlborough – 05:12 hrs

 

Como se emergisse do oceano, Anelise acordou com um suspiro profundo.

 

Não encontrou forças para se levantar. Tornou a relaxar o corpo, sentiu os lençóis grudados na pele suada, percebeu o ambiente escuro — mas acolhedor —, e então reconheceu os desenhos de copos-de-leite por toda a parede.

 

— Mamãe… papai…

 

Murmurou, ainda cansada. Virou-se em direção à porta e notou uma morena, antes adormecida em uma cadeira de balanço, despertar com todos aqueles sussurros pesados. Reconheceu imediatamente.

 

— Sofia?

 

— Anelise — ela murmurou, ainda atordoada. Esfregou os olhos em pequenos movimentos circulares e, enfim, recobrou a consciência naquele momento tão tenebroso. — Ah, Anelise! Pelos céus, irmã, ainda bem que está bem!

 

Ouvir a voz da sua amada irmã lhe deu disposição para tentar suspender o tronco mais uma vez. Inclinou-se com um pouco de dificuldade e conseguiu se manter sentada. Sofia a fitou com preocupação, aguardou que alguma palavra saísse de sua boca, mas a ruiva ainda estava em estado de choque, olhava para o nada como se estivesse recebendo as respostas que precisava por todos esses anos de indagações.

Após instantes atormentadores de silêncio, conseguiu dizer alguma coisa, ainda sem olhar nos olhos da morena.

 

— Ele me contou… tudo…

 

Sofia manteve um olhar estagnado e assustado, o cenho levemente franzido e os lábios entreabertos, covardes para dizer alguma coisa, mas insistiu em descobrir.

 

— O bailarino? O que ele contou?

 

A ruiva lentamente negou com um balançar de cabeça. Aos poucos, tudo vinha à memória mais uma vez. Ela lembrava-se de cada detalhe — sobretudo os finais —, lembrava-se de adormecer ao som da canção de ninar, e de um Michael cabisbaixo e decidido usufruindo de sua voz inebriante para curar a perfuração que fez no coração da sua pequena Helena — uma menina inocente que nada tinha a ver com os seus problemas, e mesmo assim pagou as consequências.

 

— Ele trancou a minha memória. Ele escondeu tudo…

 

— Ele escondeu mesmo muita coisa. Mas irmã, se ele te contasse, jamais poderia se casar contigo.

 

Anelise enfim a encarou.

 

— Como assim?

 

— Olhe — Sofia esticou o braço e lhe estendeu alguns papéis ajuntados. De cores amargas e um pouco desgastadas, neles haviam algumas informações estranhamente familiares e que podiam dizer muito sobre os resquícios de dúvidas que Anelise ainda tinha. — Ele enganou a todos nós, Lise.

 

A ruiva segurou os papéis e olhou para cada um com atenção. No primeiro, havia informações sobre o inquérito de um caso envolvendo um importante comerciante e seus dois filhos gêmeos. O homem foi assassinado com algumas machadadas na cabeça e as crianças desapareceram. Posteriormente foram declaradas mortas para que o caso pudesse ser arquivado. Ler a sua sentença de morte foi como rever todas aquelas imagens sanguinolentas em cada canto do seu cérebro, perturbando toda sua consciência. Ela suspirou para buscar forças e ler os demais papéis, e todos seguiam uma linha de pensamento parecida: homens mortos, crianças desaparecidas. Mas dois daqueles documentos chamaram sua atenção.

 

— Os pertences da maioria desses homens da lista foram encontrados na casa dele. Aquele seu relógio pertencia a uma dessas vítimas.

 

E, paralelo ao momento em que Sofia proferia essas explicações, Anelise puxou daqueles papéis um específico cujo nome era bastante familiar: "Hamish Casanova, morto com golpes da própria faca de caça". A criança: "Helena Casanova, desaparecida no mesmo dia. Declarada morta após 1 ano e 2 meses de buscas, sem retorno".

 

— … o relógio do barão Ortega… Tudo! — Sofia continuou tagarelando, sem perceber que sua irmã estava vagueando por outra linha de raciocínio. — Tinham muitas coisas das vítimas por lá, mas parece que ele tinha um fascínio por relógios. Já as crianças, sabe-se lá o que ele fez com elas, mas havia muitos brinquedos por lá também.

 

— Onde você conseguiu essas coisas, Sofia? — indagou a ruiva, devolvendo-lhe os papéis, ainda concentrando uma expressão apática no rosto e mantendo os ombros relaxados, em transe profundo.

 

— Eu confesso que xeretei um pouco… Não era pra eu estar com isso, mas eles deixaram aqui…

 

— "Eles" quem? — a ruiva indagou, clara e objetiva.

 

— A polícia. Lise, o papai estava desconfiando de alguma coisa, então chamou os policiais e foi até a sua casa. Eu não sei o que aconteceu por lá, mas me disseram que você estava desacordada, no chão da sala, e o papai pensou que ele tivesse te atacado — a morena engoliu seco, relembrando o terror que desceu pelo seu corpo quando ouviu tais palavras, seguidas de um alívio inexplicável ao descobrir que sua irmã estava bem e apenas dormindo. — Foi assustador… Ele foi preso e eu ouvi falar que não resistiu. Estava tão absorto, apagado, aturdido. Não revelou nada do que aconteceu, nada do que fez com você, apenas não impediu o curso das coisas.

 

— Ele foi preso? Mas… por quanto tempo?

 

Sofia mordeu os lábios e desviou o olhar para qualquer ponto daquela sala. Faria de tudo para não olhar nos olhos de sua irmã agora, não teria coragem.

 

— Não por muito, Lise. Ele vai ser morto hoje.

 

Anelise engoliu aquelas palavras como um peso que sufoca e gosto que amarga, mas, ainda sim e por incrível que pareça, já havia sofrido demais para senti-las. Parecia um desfecho tão natural, algo que no fundo ela sabia ser inevitável, e acreditava que ele também pensava da mesma maneira.

 

— Eu sinto muito pelo seu marido…

 

— Não… não diga essas palavras — murmurou a ruiva, repousando as mãos cuidadosamente sobre o colo e fitando-as com o seu olhar vazio. — Nós nunca fomos casados. Nunca nos tornamos uma só carne como dizem as Escrituras Sagradas. Nunca conseguiríamos mesmo.

 

— Como assim? — a morena arqueou a sobrancelha. — Pensei que tinha o desejo de tê-lo como esposo.

 

— Sim, eu tinha. A Anelise tinha. Mas ele me revelou outra pessoa dentro de mim. Alguém no qual havia me esquecido — a ruiva encarou a irmã. Sabia que ela não entenderia, mas precisava dizer aquelas coisas. — Tem uma menina dentro de mim que não quer isso. É uma coisa que eu não sei explicar… mas o amor que ela sente por ele, e o amor que ele tem por ela, é mais complexo que o romance, a paixão e o desejo. É incomensurável. Puro. Agora, eu entendo tudo…

 

Ela lentamente se levantou, despertando o instinto protetor de sua irmãzinha, que correu ao seu auxílio por vê-la titubear ao sair da cama.

 

— Cuidado, irmã!

 

— Sofia, preciso que me ajude.

 

— A quê? O que você quer dessa vez?

 

Anelise segurou suas mãos, apoiou-se na força dela e aguardou até suas próprias pernas poderem fazer essa função sozinhas.

 

— Preciso que me arrume um cavalo.

 

x ----- x

 

Praça central, Londres – 07:28 hrs

 

As nuvens cobriram os céus com suas cores acinzentadas, o tempo esfriava aceleradamente e os pássaros fugiram para o sul. Essa era a imagem daquela manhã, de um pedaço londrino morto e apático, como se os anjos condenassem a execução prestes a acontecer.

 

O condenado foi arrastado até o seu calvário, acompanhado por policiais e uma multidão de revoltados. Levado, sem resistência, aceitou a forca que era sua por direito. Seria executado em praça pública. Era a punição máxima por seus crimes, por seus atos inescrupulosos que provocaram a condenação da sociedade, e por ter castigado cidadãos inocentes com o medo e a impunidade. Todos, ali, o odiavam, e Michael sabia que o seu martírio não terminaria com aquela corda de sisal.

 

— Assassino!!

 

Gritou um dos revoltosos, com fúria e autoridade. Não era o único, ali também haviam as injúrias de sequestrador, criminoso, algoz, vilipendiador, e outras que já não faziam diferença alguma. Tudo o que tinha de mais valioso lhe foi tirado, já não havia mais nada por que lutar.

Com o rosto inclinado para baixo, os cachos escuros a esconder a face e as mãos por trás do corpo, foi levado ao centro do parque sob sentenças de maldizeres, subiu uma escada pútrida e rangida de madeira, ficou sobre um alçapão e estava prestes a ter a corda amarrada ao pescoço, quando ouviu a multidão bradar com voracidade: "fogueira!", e percebeu que já não haveria nenhum sentimento de redenção, mesmo após sua partida.

 

— À forca!

 

Exclamou a autoridade policial, reivindicando o resultado do julgamento rápido, unânime e decidido ainda naquela madrugada. A multidão era tamanha, que era provável toda a Londres ter comparecido. O rei, em contrapartida, não julgou interessante sua presença em mais uma execução trivial. Que os servos se resolvam com os servos.

 

— Fogueira!

 

O público bradou mais uma vez, e, nesse instante, perceberam que jamais poderiam contê-los. Pela primeira vez, em anos, o povo faria suas próprias regras, e foi apenas aguardar aqueles homens de mãos nuas avançarem sobre a construção de madeira que seria utilizada para a execução, revolvendo para frente e para trás, em uma tentativa clara e objetiva de fazer eles mesmos uma própria condenação, que as autoridades compreenderam que contrariá-los rente àquela revolta e ódio desenfreados somente os deixaria em plena desvantagem.

 

Cederam tiros ao alto e perceberam que mesmo isso não os afastaria de seguirem suas próprias decisões. Estavam dispostos a iniciarem uma carnificina em nome da ordem e da lei, mas não havia munição suficiente, o que tornava o plano estrategicamente falho. Em última instância, fugiram, o preso já não os pertencia mais.

A construção veio abaixo. Michael caiu de uma queda de aproximadamente 1 metro e meio, o que feriu uma de suas pernas, o deixando temporariamente manco. Foi agarrado com violência e arrastado para o centro daqueles destroços, onde os mais fortes colheram estacas para atrelá-lo a uma.

 

Ao longe, Herder observava tudo.

 

— Isso não é justiça. É selvageria.

 

Ele comentou com sua mulher. Sendo o homem que denunciou o dançarino, achou plausível assistir sua execução, mas não esperava que tomasse aquelas proporções.

 

— Não podemos fazer nada, querido… Certo?

 

— Não, não podemos, mas o que está acontecendo também é crime. A inquisição não acontece a oitenta e quatro anos, não se condena mais à fogueira.

 

— Ao menos se fosse uma inquisição, não? Esses selvagens só querem sangue.

 

— Hum… tem razão — Herder ponderou sobre aquelas palavras —, podemos humanizar essa barbaridade. Vamos à igreja, somente os santos para apaziguar o coração desses infelizes.  

 

Matilda não questionou. Seguiu com o marido até a carruagem e assistiu, pela janela, a multidão furiosa descontando suas dores naquele que se tornou o seu alvo.

 

x ----- x

 

Ruas de Londres – 08:14 hrs

 

Ainda fraca, ainda abatida, Anelise montou em um dos cavalos do pai e, com ajuda de sua irmã, fugiu pelos fundos da casa. Tomou um atalho pelos campos, atravessou a pequena ponte do lago e foi em direção às ruas desertas, observando que não havia gente nem mesmo nas janelas de suas casas, ou nas quitandas pelo caminho. Aquilo começou a preocupá-la e temeu que pudesse ter atrasado demais.

 

Poupando as palavras, seguiu em silêncio a toda velocidade. A primeira situação com qual seus olhos azuis se depararam ao alcançar a praça da execução foi a chegada do líder religioso da igreja local, seguido por alguns auxiliares e, juntamente a essas autoridades, reconheceu a presença dos seus pais. As nuvens se contorciam diante da multidão que gritava por fogo, enquanto os relâmpagos já se faziam presentes e a chuva ainda se escondia.

 

Diante do discurso do padre, todos se calaram. Anelise desceu do cavalo e aproveitou esse momento para se esgueirar entre as pessoas.

 

— Jovem… não sei o seu nome — Michael inclinou ainda mais o rosto para o chão, arrastou as costas pelo torso de madeira farpado e ajoelhou-se perante o homem, sem dizer uma palavra sequer —, mas cai por sua cabeça a condenação pelo assassinato de vidas incontáveis, e suas mãos estão sujas do sangue de almas inocentes. Homens e crianças passaram pelo seu caminho, e você decidiu apená-los com a morte. Nesse momento, este tribunal o põe como réu, e a sua sentença será a mesma com a qual condenou as vítimas que agora descansam ao lado de Deus. Confesse os seus pecados, suplique pela misericórdia de Deus e deste tribunal para que sua alma não pereça no inferno. Tem direito a essas últimas palavras.

 

Aos poucos, os céus tornaram a gotejar. Uma a uma e em fraca intensidade, umedeceram os cabelos negros do homem, esconderam ainda mais o seu olhar. Não utilizou do seu direito de falar, não se considerava digno de suplicar pelo perdão de ninguém, e não via valor na clemência de pessoas que não lhe eram importantes. O único momento que certamente se sentiu um monstro e percebeu a gravidade dos seus atos foi quando viu, diante de si, a expressão de pavor da sua pequena Helena, e suas súplicas inocentes. Não havia perdão para aquele pecado e ele estava disposto a carregá-lo eternamente até o seu martírio.

 

Temendo que a chuva atrapalhasse a execução pelo fogo, a multidão bradou e o padre entregou o trabalho aos santos.

 

— Que Nossa Senhora, Santa Maria, interceda por sua alma.

 

Olhou uma última vez para o homem antes de se afastar e permitir que sua condenação fosse executada. Tomaram uma tocha e atiraram aos destroços de madeira cujas chamas, pouco a pouco, cresceram em alta proporção.

 

— NÃO!!

 

Um grito solitário surgiu do meio do povo. As cabeças se inclinaram em direção ao som, mas os olhares não foram rápidos o suficiente para alcançar a menina de vestido simples, cabelos desgrenhados e sem sapatos, correndo para o fogo ardente e se embrenhando por entre as chamas. Alguns gritos assustados das mulheres da multidão puderam ser ouvidos, porém as labaredas se espalharam rapidamente e já não era possível se certificar de que aquela menina louca havia escapado ilesa durante a travessia.

 

— Quem era aquela?? Era Anelise?!

 

Exclamou Herder, mas já era tarde.

 

Do outro lado, ainda em completa incompreensão, Michael sentiu o calor confortável do abraço da única pessoa que dominava os seus pensamentos. As chamas os rodearam aceleradamente e, mesmo que a temperatura estivesse insuportável, ainda sim, aquele carinho trouxe a paz que sua alma implorava e necessitava.

 

— Anelise…

 

Ele murmurou, mas a garota não aceitou suas palavras. Levou as mãos às suas bochechas, passou carinhosamente os polegares pelas maçãs de seu rosto e, com um choro silencioso, olhou em seus olhos como se fosse a última vez.

 

— Meu nome é Helena.

 

Não estava esperando por aquela resposta, contudo havia a libertado, estava falando com sua Helena pela primeira vez em anos. Retribuiu aquele olhar com melancolia. Não conseguiu conter — e não mais buscou esconder — toda dor que estava em seu coração.

 

— Me perdoe — suplicou, a voz quase cedendo à fraqueza. A viu contemplá-lo com ternura, e, então, uma lágrima desceu pelo rosto dela. — Por favor…

 

— Eu perdoo — ela murmurou, tentando conter o que estava sentindo: medo, amor, tristeza, piedade, um misto do imensurável. Estava machucada e sabia que ele reconhecia isso, estava ferida por dentro, mas não conseguia negar o que sentia por ele. Pensava que, mesmo que pudesse, não quereria negar. — Eu te amo.

 

Quando confessou-lhe, viu o seu semblante alterar-se com sutileza. Seu olhar era surpreso, mas abrandou-se com a chegada da incompreensão.

 

— … Mesmo depois de todas as coisas? — indagou, e quando recebeu a concordância silenciosa da ruiva, com apenas um mover positivo de cabeça, continuou — Por quê? … Por que me amar? … Como ainda pode me amar? O que você ganha com isso? O que posso te proporcionar com isso?

 

Ela não respondeu. A chuva parecia mais densa, todavia, não suficiente para apagar o fogo. As gotas cintilavam pelo rosto do casal, e Michael já não sabia quais daqueles respingos eram suas lágrimas.

 

— Eu não mereço ser amado. Eu não posso te proporcionar nada…

 

— Tudo que eu quero é que você me ame como eu te amei quando era uma garotinha. Eu quero estar com você para sempre. Para sempre…

 

Ela murmurou, finalmente, as palavras que ele tanto tentou reaver em todos esses poucos meses de convívio: o seu Ágape ferido. O compreendeu e o aceitou, mas sentiu as chamas queimarem os seus dedos dos pés, o que rapidamente a despertou daquele momento. Aninhou-se no corpo do seu bailarino, abraçou-se a ele, sabia que não havia mais por onde escapar, sabia que iria morrer. Nesse momento, Michael tentou se soltar com fortes puxões, porém tudo o que conseguiu foram feridas em seus próprios pulsos, pois, além da corda, um par de algemas resistentes apertava-lhe a pele em carne viva. Abatido, buscou novamente o olhar dela.

 

— Me abrace de novo.

 

Ela o fez sem reclamar, tinha os olhos cheios de lágrimas e o peito arfava em cansaço, respirar era quase doloroso. Sob suas cabeças era perceptível uma tempestade ainda mais forte, mais violenta, todavia o fogo era alto e persistente, e faltava pouco para que seus corpos fossem consumidos vivos.

 

— Vamos morrer!!

 

Ela exclamou, deixando o desespero natural dominar o seu interior. Michael tentou se desvencilhar mais uma vez, sem sucesso.

 

— Vá embora! Você pode fugir, me deixe morrer aqui!

 

— Não!! Não, eu não posso!! — ela choramingou, desesperada. O agarrou novamente, porém foi repelida por ele.

 

— Helena, isso não faz diferença para mim! Deixe que me sacrifiquem! Deixe que me consumam! Não é de hoje que tentam me destruir, aceite que eles conseguiram e me deixe morrer! Quem sabe, assim, eu finalmente terei um pouco de paz!

 

— Eu não vou ter paz — ela chorou, e o abraçou mais uma vez ao sentir o mormaço intenso aquecer as suas costas, numa tentativa vã de não ser machucada. — Eu quero morrer com você!

 

Michael tentou suspirar de frustração, mas o ar já não era dos melhores e só o fez tossir veementemente. Deitou o rosto no ombro dela; se iam partir agora, precisava extrair do seu coração todas as palavras entaladas em sua garganta, coisas que não conseguia revelar enquanto ela não fosse sua Helena. Era, agora, sua última chance e não jogaria fora.

 

Ela era sua Helena, ficaria com ela para sempre.

 

— Você escolheu me amar… quando o mundo me condenou — disse, em baixo tom. Ouviu os seus choramingos curtos e baixinhos, e então prosseguiu — Eu nunca pedi dinheiro, ou bens, ou pessoas. Eu tinha um sonho inocente… e só pude realizá-lo quando encontrei você. Quando minha voz espantou os seus pesadelos, quando minha dança trouxe o seu sorriso, apenas nesses momentos eu entendi que o meu propósito não era o dinheiro, os bens e as pessoas. Era você. O meu propósito. Te fazer feliz, e eu não posso partir vendo você chorar…

 

Fora do martírio, a tempestade se fazia ainda mais periclitante; vociferava como a fúria das divindades, era incontrolável e sua força soou como um alerta para quem ainda estava assistindo. Assustadas, as pessoas começaram a retornar para suas casas, com exceção de Herder, que precisou ser amparado pelos amigos.

 

— Não há mais o que fazer, o fogo levantou muito depressa!

 

Disse o marquês Simon, tentando colocar um pouco de razão na mente perturbada do homem, embora soubesse o quão plausível era a dor de um pai. Matilda ficou a chorar na carruagem e, por isso, foi a primeira a ser alertada pelo cocheiro que estava prestes a se retirar dali.

 

— Está vindo um tornado do sul! Os pássaros estão retornando!

 

Assombrada, ela encarou a dupla de cavalheiros pela janela e gritou, ignorando qualquer empecilho social.

 

— Herder!! Saia daí agora!!

 

O tornado estava vindo de campos ermos e abertos, tinha uma velocidade fora do comum, e era potente para segurar os destroços de uma construção. Conde Herder, ainda abatido, precisou ser arrastado pelo amigo até a carruagem. Logo em seguida, fugiram do local.

 

— E o corpo da minha filha?! Vai ser levado por aquela coisa??!

 

— Nós vamos buscar! Eu farei isso, eu prometo! Vamos voltar para nossas casas, a cidade já não é mais segura.

 

Disse o homem, tomando as rédeas da situação enquanto o amigo não estava em condições. Seguiram o plano do marquês e saíram da cidade antes que a tempestade destruísse tudo o que alcançasse, tomasse e tocasse.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Ela acordou no escuro. Sem som, sem luz, apenas a imensidão do escuro.
Dentro da sua cabeça, ouviu a voz dele ecoar.

— Mas você escolheu me amar… assim como eu te amei no passado. E eu sei que você quer estar junto a mim, como eu também quero estar ao seu lado. Eu te amo tanto… eu vou te levar comigo… e não vai doer nada, porque eu prometi que jamais te machucaria, e vou cumprir minha palavra.



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