Sexta-feira, 21h26 pelo relógio da TV.

   Claro que estava sozinha, vendo Titanic pela décima vez, comendo uma pipoca torrada que deixei passar muito tempo na panela. Enrolada no edredom no sofá, entretida no filme até minha gatinha caramelo Barbie pular em cima de mim, procurando um carinho no meu pescoço.

   --Tudo bem, Bie, você venceu, vou colocar sua comida. Mas depois, você vai me deixar terminar o filme, ok? – Avisei, um tanto irritada.

   Fui arrastando minhas meias até a cozinha, em direção ao pote de ração de Barbie para alimentá-la. Estive tão perdida no filme, que esqueci da hora do jantar da minha bichana.

   --Ops, parece que vou precisar comprar mais...

   Havia programado uma trilha cedo no dia seguinte, não teria tempo de comprar a ração dela de manhã. Se eu demorasse mais, a pet shop no final da minha rua fecharia, talvez em... Oh não! Fecharia em 10 minutos!

   Coloquei uma manta rápida por cima do pijama, calcei os chinelos e saí apressada somente com os trocados da ração e as chaves nas mãos, ajeitando os cabelos vermelhos atrás da orelha, numa tentativa fútil e desajeitada de penteá-los.

   O frio da rua imediatamente atingiu meu rosto como uma faca fina assim que pisei do lado de fora. Mesmo assim, focada em chegar na pet antes de fechar, fui como um raio.

   --Boa noite, Hammer!

   --Ótima noite, Violeta, quase na hora de fechar – me respondeu carismático o dono.

   Era um senhor viúvo que cuidava da loja como se esta fosse sua esposa. Sempre muito simpático e prestativo, com atendimento excelente e um grande sorriso no rosto qualquer hora que você entrasse em sua loja, e para qualquer pessoa também. Era baixinho, bem grisalho e um tanto magrelo.

   --Pois é, se Barbie não me lembrasse que estava com fome a tempo, seria bem ruim – eu sorri.

   --A de sempre?

   --Isso, por favor.

   Ele me deu um saco de 2kg de ração premium de carne com pedaços de legumes, que era a favorita da minha gatinha idosa caramelo.

   --Prontinho – a voz dele fina e aconchegante preencheu o vazio entre nós dois. Eu agradeci sorrindo, dei-lhe um boa noite e saí da loja ouvindo o sino da porta atrás de mim. E de novo, o frio cortante.

   Agora que não tinha mais pressa, andei mais devagar por conta da temperatura um tanto quanto congelante. O grande detalhe é que a loja era somente no final da minha rua, entretanto parecia ser bem mais distante com a dificuldade para andar e o tempo que levei para voltar para casa.

   Já abrindo meu portão, uma moto parou na minha frente em cima da calçada.

Confesso que até eu entender quem era, o susto quase parou meu coração.

   --Vivi!

   Reconheci a voz em meio aos batimentos gritando dentro da minha cabeça.

   --Pedro!

   Sim. Pedro era meu ex. Havíamos terminado ano passado porque ele havia me traído com uma morena qualquer que era garçonete no bar que ele tocava bateria. E eu não sei por quê cacete continuamos nos falando, seguindo uma amizade idiota e sem graça, como se nada tivesse acontecido e como se sempre tivéssemos sido amigos.

   --E aí, tá fazendo o quê aqui?

   --Tava só passando. Tá de bobeira hoje?

   Sim. Também saímos algumas vezes depois do término. Nada de relações sexuais ou confusão das situações. Realmente só como amigos. Essa parte eu me respeitei, pelo menos.

   Repensei algumas vezes antes de responder, mas acabei sorrindo.

   --Vamos dar uma volta, tomar um gelo?

   --Você não tá com frio, não? – Questionei, mas não parava de rir.

   --Qual é? Hoje é sexta!

   Repensei. Minha trilha do dia seguinte dançou na minha mente. Odiaria cancelar comigo mesma (afinal, eu ia sozinha) por estar de ressaca. Mas talvez eu pudesse só me atrasar um pouco. Pensando bem, eu não me julgaria se saísse uma horinha depois do que eu planejava.

   --Ok. Espera aí que não tenho como sair de pijama.

   Entrei correndo. A essa altura, o frio já tinha sumido dos meus pensamentos. Assim que entrei, Barbie me esperava atrás da porta, faminta. Enchi seu potinho de ração, completei a água e fui em direção ao quarto.

   Uma cafungada em cada axila para conferir se um banho rápido seria necessário. Acho que não. Empurrei a porta de correr do guarda-roupas e uma coleção de casacos vermelhos pulou na minha cara. Saquei uma calça jeans preta, um body manga longa também no preto, excelentemente decotado e por cima um casaco de veludo longo e vermelho. Uma apertada de perfume doce na nuca, passei o pente rápido nos cabelos, ajeitei a franja com as mãos, um pouco de batom e saí.

Barbie me julgava sentada no sofá.

   --Eu sei que tá frio e é uma grande babaquice te trocar pra sair com Pedro, mas eu não bebo há semanas, e isso me ganhou. Te amo e volto já – pousei um beijinho seco de batom vermelho em sua testa caramelo.

   Calcei as botas pretas de cano curto ao lado da porta. Bolsa, chaves e carteira ok.

   --Eu sabia que ia demorar, mas você não decepciona nunca quando tá arrumada – ele deu partida na moto quando me viu.

   Sentei atrás dele, porém não o toquei. Preferi simplesmente apertar os joelhos e assim me mantive com segurança.