Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 22
— Protestos em voz alta




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— Protestos em voz alta 

A passos lentos, à maneira de um perfeito ladino, Haru entrou em casa um tanto depois da noite hospedar o céu de Órion. Tinha os pensamentos tão difusos que o tortuoso caminho pelos túneis pouco o importunou. Meio quilômetro além do esconderijo, já visível novamente, foi reconhecido e atacado por um de seus conterrâneos. Yue estava certa sobre a razão que a levou a recear a ida dele. Depois disso, Haru se fez invisível de novo e assim foi até a porta de casa. 

Ainda de longe deduziu que a residência estava vazia. As luzes apagadas, as janelas fechadas e nenhum som. Tomou fôlego e percorreu o chão que restava antes da entrada. Não passou uma semana longe dali, mas, ao melancólico olhar que ele lançou sobre o cinzento asfalto e o verde dos arbustos das calçadas, pareceu que se ausentara por meses. Em sua opinião, o mais bem cuidado quarteirão do reino inteiro. Embora não o mais suntuoso. Se não era tão ricamente ajaezado, no entanto, seus moradores o preservavam.

Com os pés no assoalho de madeira da varanda, hesitou. Três implacáveis pugilistas se engalfinhavam dentro dele: o medo, a decepção e o respeito. Medo da atitude que Kin poderia tomar ao vê-lo, decepção por tudo o que soube que a loira estava fazendo e o respeito por ela. Este último competidor veio de uma contenda encerrada há pouco: a que se deu entre os sentimentos que o arrastaram até ali. Ele, agora, animado pela esperança, nocauteou a hesitação. Haru girou a maçaneta e entrou em casa.

Havendo encostado a porta, a luz acendeu. Haru nem teve tempo de perguntar a si mesmo quem mais estava ali. Divisou Kin sentada no sofá. Taciturna, aura indefinida, sombriamente quieta. A camiseta branca sob a jaqueta, a calça preta, as botas cano longo de couro e os cachos eriçados em sua áurea cabeleira deduravam-na, indicavam que ela recém chegara do palácio onde trabalhava. 

— Achei que nunca mais fosse voltar. — Começou Kin, sem pôr os olhos no irmão menor. Fechando o calhamaço que folheava em cima da perna, mirou-o finalmente e: — Como está a Yue? 

Aquela fala, como o senhorio expulsando um inquilino inoportuno, mandou embora de Haru todas as dúvidas. Acima de tudo, fortaleceu o medo. Kin nunca empregou aquele tom de voz contra o irmão. Das milhares de coisas que pensou, o ruivo não disse nenhuma. As palavras ficaram retidas em seu coração. Qual a leoa circulando com seus passos traiçoeiros uma outra companheira de espécie, a qual só quer proteger os tenros filhotes, Kin acercou-se de Haru, imprevisível.  

O garoto pôs em dúvida a credibilidade dos próprios sentidos. Como quem presenciava um fenômeno miraculoso, estava incapaz de desviar a atenção dela. 

— Tá perguntando sobre a minha amiga. A nossa amiga. — Devolveu o garoto, alerta aos gestos da primeira ministra. 

Kin cruzou os braços. Como uma serpente enroscada ao colo de sua presa, achegou o rosto ao dele. 

— Não chamo de amigo quem põe meu reino em perigo. E nem de irmão. — Disparou, estilhaçando o espírito de Haru. Satisfeita com o que fez, notando na expressão dele o quanto o entristeceu, justificou-se: — Isso que você está sentindo agora foi o que eu senti, quando soube que você agiu pelas minhas costas. Uma hora atrás, Lire deu vinte e quatro horas para acharmos vocês. 

— E desde quando você faz o que ela manda? Pensei que você fosse a primeira ministra do Reino de Órion, não ela! — Brigou, numa tentativa de trazê-la a si e, concomitantemente, de vingar a flechada que as palavras dela representaram. 

A ministra recuou e soergueu os ombros, em indiferença. 

— Porque você é meu irmãozinho, terá cinco minutos de vantagem pra se mandar daqui. — Aquiesceu. Seus luzeiros castanhos escuros, normalmente gentis, pois Kin tinha a personalidade cristalina de um diplomata, sobejavam de uma ira milimetricamente calculada e encadeada. Eles viam um inimigo na criança que ela criou após a morte dos pais. Haru compreendeu. Sentiu no mais íntimo de sua alma que a loira não estava brincando. Falava mortalmente sério. — Isso vale pro Sora também.

A retalhadora esquivou a atenção para a porta e a viu ser violentamente arrombada. Sora, arremessado contra ela por alguém, parou aos pés de Kin e Haru. O guerreiro responsável pelo golpe subiu os três pequenos degraus que levavam ao assoalho da varanda dos irmãos, se mostrou e riu. Zero Raikyuu. Gray veio logo após ele. Sem sorrir, sem transparecer irritação. Qualquer um diria dele que estava tenso. E acertaria. Os pensamentos, tal qual as emoções, tinha-os em ebulição. 

Haru estendeu a mão para Sora, ajudou-o a se pôr de pé. Apesar da força da pancada, não se feriu. Um pouco tonto, apoiou-se no amigo por alguns instantes e, de volta a si, reconheceu o ambiente. Demorou um pouco, afinal nunca esteve na casa de Haru. Só conseguiu se situar porque viu fotos dos irmãos. Com a ironia de sempre, acenou com a cabeça para Kin e apontou a porta derrubada. 

— Foi mal pela porta. — Murmurou. Alerta para os oponentes, sugeriu: — Não acham melhor irmos dançar lá fora? Não quero quebrar mais nada aqui. — Ignorado, mostrou-lhes as mãos e usou seu poder para criar uma corrente sonora tão forte que repeliu-os da entrada. O problema foi que explodiu todas as janelas da casa. Engoliu seco, fitou Haru e disse: — Foi mal... de novo. 

Kin, deixando a casa, falou alto o bastante para os quatro escutarem:

— Eu vou procurar o guerreiro glacial... Divirtam-se, garotos!

Gray se comoveu de novo quando ouviu sobre ele. Arashi estava sendo caçado como um criminoso. Seu melhor amigo. Acordou de manhã como quem não sabia o que fazer e, ainda agora, não tomou uma decisão. Moveu-se maquinalmente às ordens de Kin. Em corpo estava sob o comando dela, mas sua alma foi confinada num limbo de incertezas. Nunca desobedeceu a um só mando de Hayate. Sabia dos perrengues que Kin e seu amigo estavam vivendo entre os ministros, não queria desautorizá-la e dificultar tudo. 


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